Ao vivo repórteres e apresentadores nervosos,
consternados, engolindo seco em uma profusão exponencial de gafes e atos falhos
poucas vezes vista. Os jornalistas da Globo parece que foram pegos de surpresa:
depois de diariamente martelar a narrativa da governabilidade e do “ruim com
ele, pior sem ele”, de repente (como se fosse virada alguma chavinha seletora)
o discurso mudou radicalmente. Tudo após a explosão nuclear das delações
premiadas dos donos da JBS (terceiro maior anunciante da Globo) reveladas em suposto
“furo” do jornal “O Globo”. E ainda com direito a cobertura com imagens estilo
“black bloc” mostrando rolos de fumaça subindo diante do Palácio do Planalto em
noite de protestos. Por que a surpresa consternada dos jornalistas globais,
tidos como os mais bem informados e conhecedores dos bastidores do País, como diz marketing da emissora? Mais do que
provocar um terremoto político, as delações da JBS deixaram nu o jornalismo
global: revelou profissionais alheios à realidade e que apenas repetem
discursos ao sabor da mudança dos interesses corporativos da Globo. Mas isso
traz um custo psíquico aos incautos jornalistas da emissora.
Certa vez a fonoaudióloga Glorinha Beuttenmüller, responsável pelo
padrão discursivo de repórteres e âncoras do telejornalismo da Globo, disse de
forma dura:
“O apresentador não pode representar as palavras. Tem de ser parcial e exprimir as ideias da empresa em que trabalha. (…) a essência [da palavra] empregada vem da casa. Por exemplo, a palavra cadeira é dita da mesma forma por todo mundo, mas se ela é confortável ou desconfortável, é a empresa que vai dizer. Em qualquer emissora, os apresentadores são escravos, têm que parecer imparciais e, ao mesmo tempo, ser parciais, de acordo com a vontade da empresa” – clique aqui.
Uma dramática demonstração que comprova a descrição dessa especialista
“insider” foi dada ontem, e continua no dia de hoje, com as “denúncias-bomba”
que explodiram nas telas da emissora dando conta das gravações que os donos do
frigorífico JBS entregaram à Polícia Federal mostrando como o desinterino
Michel Temer deu aval à compra do silêncio de Eduardo Cunha e como o senador
Aécio Neves pediu propina de R$ 2 milhões.
Apresentadores e repórteres gaguejando, engolindo seco, trocando nomes,
fazendo trocadilhos involuntários. Gafes e mais gafes em profusão.
Em ato falho William Bonner chamando o desinterino de “ex-presidente” (hoje
a apresentadora Maria Beltrão do Estúdio i da GloboNews cometeu o mesmo
lapso) ; a apresentadora Renata Vasconcelos antecipando suas falas atropelando
Bonner; a apresentadora da GloboNews,
Cecília Flesch, perdendo a dicção, se enrolando em nomes e esquecendo, por
exemplo, o nome do bairro em BH onde a irmã do Aécio foi presa.
Eliane Catanhêde (aquela da foto que viralizou na qual se mostra
relaxada e rindo ao lado de Temer) tentando manter a postura fleumática
enquanto as mãos mexiam nervosas; gaguejando, o comentarista Valdo Cruz, também
GloboNews, tentava manter a narrativa lamentando a crise num momento “positivo”
para a economia; a repórter Andréia Sadi, visivelmente nervosa e estressada ao
vivo diante do Palácio do Planalto, atropelando as palavras e dizendo, de
passagem, que já estava indo embora...
Foi “furo” do jornal O Globo?
O fato é que a cúpula da emissora já sabia dessas delações da JBS
há uma semana. E os jornalistas da emissora parece que foram os últimos a
saber, enquanto, até o último instante, mantinham a narrativa da continuidade
de Michel Temer em nome da governabilidade, a necessidade das reformas e da
recuperação da economia.
Ao vivo, todos pegos de surpresa com a obrigação de repentinamente
terem de mudar o discurso martelado diariamente desde o impeachment da
presidenta Dilma.
Se na hora do almoço o “imortal” da Academia de Letras, Merval
Pereira, defendia nas telas a manutenção do presidente desinterino no
julgamento da chapa Dilma/Temer no TSE, mudou abruptamente o discurso à noite
com o rosto tão perplexo quanto no dia em que soube da vitória apertada de
Dilma nas eleições de 2014.
O suposto “furo” na coluna de Lauro Jardim no jornal O Globo nada
mais foi do que o sinal verde da cúpula das Organizações Globo.
Mais do que supostamente dar um “furo” e brincar de jornalismo
investigativo, mais do que noticiar uma grave crise política, a Globo
desvelou-se a si mesma: o seu jornalismo ficou nu como demonstrou a impagável
propagação exponencial de olhos perplexos, gafes, atos falhos e palavras
atropeladas no transcorrer dos telejornais.
Instantânea mudança de narrativa
Tudo pareceu como se alguma chavinha seletora fosse virada e,
automaticamente, a narrativa fosse mudada de um segundo para outro: da
necessidade imperiosa de manter Temer para o País sair da crise (o tom era
“ruim com ele, pior sem ele”), de repente tudo mudou para a urgente necessidade
de renúncia, impeachment ou mesmo cassação pelo TSE. Governabilidade e economia
agora que se danem!
Mas isso tem um custo psíquico para os pobres jornalistas globais:
stress, nervosismo e consternação.
E mais! A Globo chegou a ensaiar momentos black bloc mostrando grupos protestando diante do Palácio do
Planalto na noite de ontem, com sugestivos enquadramentos de câmera: o Palácio
ao fundo com rolos de fumaça preta começando a subir – uma sugestiva exortação
para protestos. Globo começa a conclamar o povo para as ruas? Globo virou black bloc mais uma vez?
Assim como quando se
posicionou diante da surpreendente vitória de Donald Trump nos EUA? – clique aqui.
Os donos da JBS revelaram
mais do que os podres do desinterino Temer, Aécio Neves e próceres da
República.
O terceiro maior anunciante da Globo também ajudou a revelar uma
das fontes do tautismo (tautologia + autismo – sobre o conceito clique aqui) crônico em processo de
metástase na emissora: seus repórteres, comentaristas e âncoras nada mais são
do que bonecos ventríloquos que reproduzem irrefletidamente o discurso que
aponta a biruta (aquela do aeroporto) da cúpula da Globo.
Como atividade que coleta, investiga e analisa informações, o
jornalismo da emissora deveria ser pelos menos a interface ou janela
privilegiada da Globo com o deserto do real. Mas, como ficou evidente nessa
hecatombe política, os jornalistas globais são meros reprodutores ou correias
de transmissão dos releases dos interesses corporativos e governamentais.
Jornalistas “sentados” e “em pé”
O pesquisador Ciro Marcondes Filho apontava no seu livro A Saga dos Cães Perdidos (a metáfora do
Jornalismo que perdeu o faro e se perdeu), a rápida transformação tecnológica
dividiu o campo jornalístico em dois tipos de profissionais: aqueles que
trabalham sentados (limitando-se ao tratamento de releases de agências e
assessorias de comunicação) e os que trabalham em pé – a minoria que vai à
campo investigar.
No caso do telejornalismo de correia de transmissão da Globo,
parece que todos trabalham “sentados” – em redações e estúdios apenas transmitindo
as diretrizes dos “aquários” de reuniões E estes, por sua vez, conectados em
tempo real com os interesses corporativos dos donos das Organizações Globo. A
correia de transmissão que parece acionar o seletor de narrativas dos
obedientes e estressados “jornalistas” da emissora.
Se não, como explicar o nervosismo e surpresa ao vivo de
repórteres e comentaristas, cujo marketing da Globo afirma serem os
profissionais mais bem informados do Jornalismo brasileiro – a emissora sempre
mostra repórteres e setoristas em Brasília orgulhosamente falando “estive com o
presidente...”, “estive com o ministro...”, “o senador falou comigo...” etc.
Comerciais de empresas de investimentos: quem ganha com a crise? |
Mesmo nessa aguda crise política, a Globo tautologicamente se
auto-referencia: o suposto “furo” (na verdade, um “sinal verde” dos patrões)
foi dado pela coluna de Lauro Jardim do Jornal O Globo, enquanto o próprio jornal comemora o que chama “ibope alto
da crise”.
O jornal O Globo comemora anunciando que o plantão da emissora sobre a
delação premiada da JBS interrompendo a programação da emissora às 19h37 rendeu
26 pontos em São Paulo e 29 ponto no Rio de Janeiro e o Jornal Nacional 33
pontos.
Sem falar as 23 milhões de visualizações da página do JN no
Facebook – segundo o jornal, “os maiores números desde o processo de impeachment
de Dilma Rousseff – clique aqui.
Enquanto isso, os intervalos comerciais desses plantões da Globo
estavam recheados de comerciais de empresas de investimento e grandes bancos de
varejo.
Nas crises políticas e econômicas os grandes beneficiados são a
grande mídia e a banca financeira. E os delatores da JBS que antes de jogar
tudo no ventilador, compraram “considerável quantia de dólares” sabendo que o
dia seguinte seria de pânico e disparada do dólar.
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