quinta-feira, maio 30, 2024
'O Podcast': MacGuffin, luta de classes e paranoia viral audível
sexta-feira, abril 26, 2024
'Tarde da Noite Com o Diabo': a TV oculta e misteriosa dos anos 1970-80
"Tarde da Noite com o Diabo” (Late Night With The Devil, 2023) é outra produção ao lado de “Poltergeist”, “Videodrome” ou “Ring: O Chamado”: o imaginário da TV dos anos 1970-80 que criou uma aura misteriosa e oculta em torno dela. Uma época que a TV terminava a programação e saia do ar, deixando ruídos na tela. Para onde vai o mundo quando a TV sai do ar? Nos EUA fez crescer o “cinema da meia noite”, para insones em busca de filmes bizarros e experimentais. As TV abertas responderam com os talk shows da meia-noite. “Tarde da Noite com o Diabo” é um mockumentary em torno de um programa chamado “Night Owls With Jack Delroy" estamos prestes a assistir às imagens historicamente infames de uma noite que “chocou toda uma nação”. Um programa especial de Halloween de 1977 com uma perigosa combinação: médiuns, parapsicólogos e... uma garota possuída pelo demônio. O filme é uma deliciosa combinação de simbolismos que vão do parapolítico ao gnóstico: um acordo faustiano entre o programa, a simbologia da Coruja e a infame irmandade secreta californiana conhecida como “Bohemian Grove” e o simbolismo do “Abraxas” na cosmogonia gnóstica.
sexta-feira, janeiro 20, 2023
Vampiros e gnosticismo vão à ficção científica no subestimado '2019 - O Ano da Extinção'
A Era “Crepúsculo” acabou dominando o mercado dos vampiros que caminham durante o dia na primeira década desse século. O que deixou a produção australiana "2019 - O Ano da Extinção" (Daybreakers”, 2009) em busca de um público. Acabando esquecida com o passar dos anos. É um filme extremamente subestimado no qual os vampiros passam para o campo sci-fi – um futuro em que eles estão no controle do mundo. Na maioria das narrativas vampiros são seres que se escondem nas trevas e têm vidas secretas. Mas nesse filme tudo se inverte: são os humanos que escondem sua humanidade numa sociedade em que foram transformados em rebanho para colheita de sangue, algo parecido com “Matrix”. Vampiros, assim como zumbis, são fascinantes porque lembram para nós a própria condição gnóstica humana: nem a morte é suficiente para escaparmos desse mundo. Mas em “Daybreakers’ eles passam para o outro lado: são entidades inteligentes e demiúrgicas que controlam os humanos.
sábado, abril 16, 2022
Filme 'Nitram': Nietzsche, Schopenhauer e atiradores em massa
Schopenhauer acreditava que num mundo sem sentido, a vontade seria a fonte de todo sofrimento. Nietzsche não concordava: “não há vida fora da vontade”, acreditava o filósofo. Nem que seja para ter vontade do nada quando não há nada mais para querer. O filme australiano “Nitram” (2021), do cineasta Justin Kurzel, confirma essa tese de Nietzsche ao fazer uma perturbadora radiografia do atirador em massa do trágico episódio conhecido como “massacre de Port Arthur”, na Austrália, em 1996. Kurzel revisita todas as teses mais batidas em filmes e documentários sobre atiradores em massa (bullying, a “criança diabólica”, pais insensíveis etc.) para se concentrar na responsabilidade das instituições, legislações e nos “efeitos copycat” desencadeados pela cobertura midiática sensacionalista. As formas como a sociedade pode desencadear mecanismos que canalizem a “vontade do nada” presente na doença humana.
Nietzsche considerava o homem um animal doente. E a sua doença é perceber que o mundo não tem sentido. E o ascetismo é uma tentativa de cura. O ideal ascético (humildade, pobreza e castidade) é uma tentativa de o sofredor manter-se vivo, criando um sentido para a existência através do próprio sofrimento.
Com isso, Nietzsche queria dar uma resposta a Schopenhauer em seu “Mundo como Vontade e Representação:” para o filósofo, o ascetismo seria uma forma de tentar anular a vontade que, ao final, seria a fonte de todo o sofrimento numa existência sem sentido.
Porém Nietzsche discordava: a vontade pelo nada pode ser o último lugar para onde se queira apontar, a última salvação. Para Nietzsche, não há vida fora da vontade: é possível querer o nada, mas é impossível deixar de querer.
O ascetismo pode ser uma faca de dois gumes: a solidão pode dar o poder de se concentrar, “onde os espíritos fortes, os homens cultos, precisam se isolar”. Mas também a vida ascética pode ser dominada pelo ressentimento – o desejo de dominar a própria vontade pode se revoltar na repressão fisiológica, autoflagelo e autossacrifício, pode resultar na destruição da própria existência como o último objeto da vontade.
O filme australiano Nitram (2021), do cineasta Justin Kurzel (Snowtown), faz lembrar essas reflexões nietzschianas sobre a vontade e o nada. Kurzel retorna ao subgênero dos filmes sobre atiradores em massa com uma inquietante dissecação dos motivos que levaram Martin Bryant a cometer uma onde de assassinatos, conhecidos como o Massacre de Port Arthur, Austrália, 1996.
O massacre, no qual morreram 35 pessoas e mais 23 feridas, ocorreu principalmente na antiga colônia penal de Port Arthur, que foi recuperado e se tornou uma local turístico popular no sudoeste da Tasmânia – o único caso de atirador na história do país.
Em quase duas horas de duração, Kurzel revisita todos os tropos dos filmes e documentários sobre atiradores em massa como Elephant (Guz Van Sant) e Precisamos Falar Sobre Kevin (Lynne Ramsay), tornando o roteiro de Shaun Grant uma narrativa autoconsciente.
Para começar, o nome do atirador nunca é mencionado no filme, apenas o seu apelido, refletindo a abordagem atual que visa evitar a notoriedade aos agressores. Ao longo do filme vai revisitando todas as teses clássicas: Nitram queria comprar uma prancha de surf e a mãe o desencorajou de forma ambígua: “eu te amo, mas surfar não é para você”. Será que isso teria um significado especial? Assim como, se Hitler fosse admitido na escola de arte, não ocorreria a Segunda Guerra Mundial?
Há a questão dos problemas psiquiátricos: Nitram tomava antidepressivos – a doença mental poderia ser uma justificativa? Uma pária menosprezado vítima de bullying? Ou a ideia de que, desde tenra idade, era uma “criança demoníaca” – a ideia do Mal sugerida pelo filme do diretor Lynne Ramsay.
Kurzel atravessa todas essas possibilidades, de forma cerebral e autoconsciente, sem tomar partido. Porém, o diretor destaca a questão da violência em si, como o único objetivo ou sentido que restou ao protagonista. Como fica claro na sequência em que seu pai está deitado no sofá em um estupor depressivo, após um negócio malsucedido. Nitram ataca violentamente seu pai com tapas e socos. Quando a mãe lhe pergunta por que fez isso, ele responde de forma enigmática: “Isso é o que você deveria fazer... Então, é isso que você faz”.
Nitram é um estudo arrepiante desse tipo de mentalidade simplista que vê a violência como uma maneira de desencadear algum tipo de resposta. Por isso, o estudo de Kurzel lembra o diagnóstico nietzschiano: de repente a vontade do nada através da violência pode conceder sentido a uma existência sem sentido.
O Filme
Na primeira sequência vemos o menino Bryant, na ala de queimado de um hospital, sendo indagado se aprendeu a lição sobre brincar com fogos de artifício. “Sim... mas ainda continuo brincando com eles”, responde o menino. É um toque inteligente, porque, desde o início, o filme estabelece que o protagonista entende as repercussões de suas ações, colocando-se a questão da amoralidade.
O personagem principal é chamado "Nitram" (o primeiro nome do criminoso real soletrado ao inverso) é interpretado por Caleb Landry Jones. Nitram mora com seus pais (Judy Davis e Anthony LaPaglia), ambos cansados do esforço de manter um olho vigilante em seu filho crescido perigosamente errático. Incapaz de manter um emprego convencional, Nitram conhece Helen (Essie Davis) quando está rondando o bairro, oferecendo cortar grama em troca de dinheiro. Ao contrário da maioria das pessoas que ele encontra, Helen - uma excêntrica ex-atriz, embora menos ameaçadora - o convida a morar na sua casa, e os dois embarcam em um romance incomum. Por um tempo, os dois desajustados alcançam um equilíbrio frágil.
Então a tragédia se abate, deixando Nitram sozinho em um grande casarão na companhia de vários cães. Ele herda de Helen mais de meio milhão de dólares. Mas isso torna o protagonista ainda mais errático – ele decide conhecer Los Angeles e Hollywood. E na volta, após o traumático suicídio do pai depressivo, começa a alimentar a ideia de que a violência é a única maneira de conseguir uma resposta em uma existência vazia.
A partir de então, Nitram marcha inflexivelmente em direção ao final que sabemos que está chegando.
Nitram de Justin Kurzel caracteriza-se pela neutralidade e isenção emocional. Preocupações da crítica de que o filme teria pena do assassino, que ele se tornaria algum tipo de herói incompreendido que não teria escolhido um caminho tão terrível se não tivesse sofrido bullying na escola ou fosse mais amado por seus pais, rapidamente se provam infundadas.
Nitram também não trata o seu protagonista como alguém perturbado ou caricaturalmente maligno. Nunca temos a sensação de que Kurzel está tentando nos impor como deveríamos sentir em relação a Nitram. Somos apenas solicitados a observar, não a julgar. Em um filme centrado em um evento tão traumático, a manutenção de uma perspectiva não ofuscada pela intensidade da emoção é uma característica notável da narrativa.
Outra armadilha potencial evitada está no retrato dos pais de Nitram, a quem o filme trata com muito mais simpatia do que culpa. Desde o instante em que os conhecemos, a pura exaustão de cuidar constantemente de seu filho aterrorizante está estampada em seus rostos. Embora a mãe de Nitram seja severa e seu pai permissivo (pais exaustos e incompatíveis), ambos claramente amam seu filho. Eles tentam fazee o melhor para ele, enquanto lutam com a crescente percepção de que seu melhor nunca será bom o suficiente.
Efeito Copycat
Na verdade, o foco de Nitram está num sistema que permitiu que um jovem claramente desequilibrado com uma mochila contendo meio milhão de dólares saísse de uma loja de armas com armamento suficiente para um pequeno exército. A sequência central da loja de armas se destaca por sua banalidade repugnante; a amabilidade descontraída dos vendedores é quase tão desconcertante quanto as poucas cenas de violência aberta.
Aqui e ali no filme, Kurzel sugere o fator midiático na influência comportamental do atirador em massa. De início, o desejo do protagonista querer conhecer Hollywood, após a morte de sua companheira e de ter herdado sua fortuna. Em outra passagem, percebemos que a TV da casa dos pais de Nitram está transmitindo um telejornal que dá notícias de um massacre famoso naquele momento: o massacre da escola de Dunblane, na Escócia, em que um atirador matou 16 crianças e uma professora. Muitos acreditam num “efeito copycat” (efeito de imitação), teoria de que o efeito de saturação da cobertura sensacionalista da mídia dá o incentivo a que indivíduos disfuncionais repitam o crime – clique aqui.
E no final do filme, antes do protagonista iniciar o massacre, ele coloca uma filmadora na mesa do restaurante e liga. Dando início ao atentado.
A descrição de vida de Nitram como uma espécie de monotonia claustrofóbica é a chave de compreensão do filme: seu isolamento e ascetismo (reforçado ainda pelo antagonista mundano, um surfista bem-sucedido cuja namorada o esnobou em uma importante cena que sugere o ressentimento) são cuidadosamente cultivados até se transformar na vontade nietzschiana pelo nada final.
A mensagem de Kurzel está nos créditos finais do filme mostrando as consequências: como o massacre estimulou na Austrália a “Lei de Implementação do Programa Nacional de Armas de Fogo de 1996”, restringindo a propriedade privada de espingardas semiautomáticas de alta capacidade, espingardas de caça semiautomáticas e espingardas de pressão, assim como introduziu a licença padronizada para compra de armas de fogo.
Ficha Técnica
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Título: Nitram |
Diretor: Justin Kurzel |
Roteiro: Shaun Grant |
Elenco: Caleb Landry Jones, Judy Davis, Anthony LaPaglia, Essie Davis |
Produção: GoodThings Productions, Melbourne International Film Festival |
Distribuição: IFC Films |
Ano: 2021 |
País: Austrália |
sexta-feira, julho 24, 2020
Em "Relic" a perda do elo geracional cria fantasmas que aterrorizam as novas gerações
As paredes são testemunhas das nossas mágoas, ressentimentos, ódio e paixões. Absorvem suas energias, fazendo ambientes vibrarem chegando a criar o fenômeno das casas mal-assombradas. Espiritualistas e esotéricos creem nesse fenômeno que seria mais natural do que coisa do outro mundo. E o cinema também. A produção australiana “Relic” (2020) mostra três gerações de mulheres enfrentando manifestações de demência da avó, viúva solitária em um casarão repleto de objetos que representam as memórias de uma vida inteira. Ou será que há algo além, assombrando a todos? Mais do que um filme de terror, “Relic” tematiza a condição dos idosos numa sociedade de obsolescência programada – a sociedade que perdeu o “elo geracional”: numa cultura na qual a novidade e a juventude são mais importantes do que a sabedoria e o conhecimento, o passado e as memórias se tornam aterrorizantes. Filme sugerido pelo nosso colaborador Felipe Resende.
sábado, julho 27, 2019
A angústia humana diante do Tempo e das escolhas em "O Homem Infinito"
domingo, junho 23, 2019
Filme "I Am Mother" é o "Matrix" do século XXI?
domingo, setembro 16, 2018
A tecnologia deixou de ser uma extensão humana em "Upgrade"
sábado, abril 07, 2018
A última interface da humanidade no filme "OtherLife"
domingo, outubro 29, 2017
Curta da Semana: "Dive" - o espelho muito além de Narciso
segunda-feira, outubro 16, 2017
Curta da Semana: "The Disappearance of Willie Bingham" - quando a justiça é privatizada
sábado, março 04, 2017
"Terminus": o sci-fi que anteviu Era Trump
quarta-feira, agosto 31, 2016
Um Triângulo das Bermudas quântico no filme "Triângulo do Medo"
sábado, abril 02, 2016
Em "O Predestinado" somos todos prisioneiros dos paradoxos do Tempo
sábado, junho 20, 2015
Entrelaçamento quântico, moral e livre-arbítrio em "Frequencies"
quarta-feira, janeiro 21, 2015
O estranho clássico cult "The Cars That Ate Paris"
domingo, setembro 29, 2013
De Hitler aos Hippies: a Kombi no cinema em dez filmes
sábado, junho 30, 2012
O sentido do lazer e o lazer sem sentido no curta "Leisure"
domingo, dezembro 11, 2011
A Princesa não quer acordar em "A Bela Adormecida"