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sexta-feira, julho 19, 2024

Um estranho aparelho de TV no início da era da televisão no filme 'The Twonky"



Cada invenção de um veículo de comunicação sempre foi recebida com estranhamento e resistência. E com a televisão não foi diferente: recebida com desconfiança e medo. Considerado um dos mais estranhos filmes de ficção científica, “The Twonky” (1953) é uma amostra do zeitgeist do início da era da televisão – um professor de filosofia se confronta com um estranho aparelho de TV comprado pela sua esposa. E que revela ter vida própria, revelando sua estratégia: no início parece benevolente, criando dependência. Para depois manipulá-lo, não conseguindo fazer mais nada por si mesmo. “The Twonky” é uma fábula divertida e maluca sobre a invenção que moldou a segunda metade do século passado. Mas com poderosas metáforas que pautarão os futuros filmes críticos à televisão. 

quinta-feira, abril 13, 2023

Filme 'Cidadão Kane', marcianos e pânico


“Cidadão Kane” (Citizen Kane, 1941) foi um milagre no cinema: um diretor estreante; um escritor cínico e alcoólatra; um diretor de fotografia inovador e um grupo de atores de teatro e rádio de Nova York receberam carta branca e controle total, e fizeram uma obra-prima. Da transmissão de rádio sobre uma invasão marciana que levou os EUA ao pânico em 1938, a um filme sobre um magnata da mídia, Orson Welles estimulou a reflexão sobre duas formas de poder: o da influência midiática e da propriedade das mídias. Na primeira, a descoberta de que o século XX estava preparado para o pânico; e na segunda, uma exploração freudiana do desejo pelo poder – basicamente poderia ser a busca para recuperar algo perdido na infância. O Poder como fantasia adulta regressiva a uma forma neurótica e compulsiva.

sábado, outubro 08, 2022

A invenção misteriosa e esotérica da fotografia no filme 'A Noiva'



Desde o início, com a invenção do daguerreótipo, a fotografia esteve envolvida com o misterioso e o esotérico: afinal, em todas as culturas, ver o próprio duplo é um evento misterioso podendo até mesmo ser o prenúncio da morte. Com a fotografia, para começar, a possibilidade de ter a própria alma roubada. E na Rússia? Onde a Ciência e antigas crenças conviveram no período czarista. Esse é o universo que inspira o terror russo “A Noiva” (Nevesta, 2017): uma garota está prestes a se casar com seu namorado e é levada por ele para conhecer sua família numa região remota que parece ter parado no tempo. Uma família de gerações de fotógrafos, especializados em fotografar mortos, antiga crença de que isso os manteria vivos. Logo será incomodada com a estranheza dos seus anfitriões: algum tipo de experimento deve ter saído do controle em algum momento da história daquela família.

quinta-feira, fevereiro 17, 2022

Filme 'A Nuvem Rosa' anteviu o presente capturando o espírito do tempo


De repente nuvens rosas tóxicas ocupam os céus e baixam à terra, envolvendo as grandes cidades do planeta – capazes de matar humanos após dez segundos de exposição. Todos ficam aprisionados onde quer que estejam: em casa, supermercados etc. Um jovem casal acorda em seu apartamento e toma pé da situação através da TV. O que deveria ser apenas um caso de uma noite, vira a única conexão humana por anos, numa espécie de prisão domiciliar. Escrito em 2017 e filmado em 2019, a produção brasileira “A Nuvem Rosa” (2021) é assustadoramente profética ao descrever com detalhes aquilo que hoje chamamos de “novo normal”. Após a estreia do Festival de Sundance em 2020, tornou-se um sucesso de crítica nos EUA pela forma como “A Nuvem Rosa” capturou o espírito do tempo: a coincidência da pandemia (ou a nuvem tóxica) acontecer quando a mediação tecnológica era possível; os processos psíquicos de negação e normalização; a apatia diante do desastre; e o quanto a nossa percepção do que chamamos por realidade pode ser moldável.

terça-feira, agosto 17, 2021

Documentário 'Generation Wealth': quando o império americano cair, levará o mundo junto



Um super-rico que ostenta uma casa que é a réplica da Casa Branca; um rapper que perambula com 14 quilos em ouro e pedras preciosas em anéis, colares e piercings, a bordo das maiores limousines da América; uma motorista de ônibus que perdeu as finanças e a família com caras cirurgias plásticas; um ganancioso especulador workholic condenado pela Justiça por fraude financeira e que vive recluso na Alemanha, longe da família. O documentário “Generation Wealth” (2018, disponível na Amazon Prime Video), da fotógrafa Lauren Greenfield, tenta montar o quebra-cabeças da mudança da noção de felicidade no capitalismo com um alerta:  a patologia social da busca da felicidade através da ostentação material e estética (que esconde a própria imobilidade social) esteve presente na queda dos grandes impérios na História. A diferença atual é que quando o império americano cair, levará o mundo inteiro junto.

sábado, dezembro 29, 2018

Esquerda desarmada diante das operações psicológicas "alt-right"

Fotos de Bolsonaro e do futuro ministro da Casa Civi, Onix Lorenzoni, cuja angulação e recorte sugerem ao fundo expressões como “anta” ou “traição governa”; vídeo do capitão reformado lavando roupas no tanque; outro vídeo do presidente eleito com a faca na mão em um churrasco debochando do próprio atentado que sofreu. Tudo material distribuído pela assessoria do presidente, pautando a grande mídia e a indignação da esquerda, como matéria-prima para os protestos que acabam virando apenas “metamemes”. Continua em ação uma estratégia muito mais de comunicação do que de propaganda. Uma operação psicológica baseada nos mecanismos de dissonância e ambiguidade diante da qual a esquerda está paralisada e desarmada, incapaz de compreender a linguagem “alt-right”, a ultradireita alternativa, surgida diretamente de sites como o “4chan” (EUA) ou do “Corrupção Brasileira Memes”(CBM, Brasil).  Uma linguagem cuja mão de obra criadora é farta: a geração NEET (Not currently engaged in Employment, Education or Training) ou “Nem-Nem”, cuja desesperança e niilismo ganharam expressão política depois de anos de animações politicamente incorretas como Os Simpsons, Beavis and Butt-head, South Park, American Dad e o Rei do Pedaço.

sábado, dezembro 08, 2018

"Coletes Amarelos" na França: a revolução não será televisionada!

Até aqui a grande mídia passa batida para “o déjà vu” dos protestos dos “coletes amarelos” na França: em 2013 as chamadas “Jornadas de Junho” no Brasil foram narradas da mesma maneira como hoje noticiam os protestos franceses – “espontâneos”, “apartidários” e que “começam de forma pacífica, mas que acabam tendo atos de vandalismo...”. Também como em 2013, surgem analistas que veem “o novo” na Política ou “quebra do monopólio da narrativa midiática”. Aqui no Brasil vimos no que deram as Revoluções Populares Híbridas. Na Europa estão sincronicamente conectadas com o tour de Steve Bannon (ex-assessor da campanha de Trump) pelo continente para unificar a direita num “movimento internacional de nacionalistas”. Os “coletes amarelos” são icônicos e as câmeras os amam, saturando de significados suas fotografias e vídeos. A revolução não será televisionada:  a mídia não está relatando o que as pessoas fazem; relatam apenas o que as pessoas fazem para obter a atenção da mídia para o Capitalismo dar um novo salto – o populismo de direita.

quarta-feira, outubro 10, 2018

Bolsonaro é um avatar. Como enfrentá-lo?


Estamos à beira do desfecho de uma guerra híbrida iniciada em 2013 com as chamadas “Jornadas de Junho”. Num mecanismo tão exato quanto um “tic-tac”, passo a passo, um depois do outro, irresistível, sistemático: a Política foi demonizada, um governo foi derrubado, o psiquismo nacional envenenado e a polarização despolitizou e travou qualquer debate racional. Tudo iniciado pelas bombas semióticas detonadas diariamente pelas mídias de massas. E nesse momento o desfecho ocorre na velocidade viral das redes sociais. Por isso, Bolsonaro converte-se em um “candidato-avatar”: a Nova Direita descobriu a tática do “Firehose” – a espiral de boatos e desmentidos pelos “fact-checking” cria paradoxalmente o subjetivismo e relativismo que blinda o próprio candidato-avatar. Apesar de toda essa pós-modernidade, a Nova Direita tem o mesmo elemento de estetização da política criada pelo fascismo histórico: a narrativa ficcional cômica – de programas de humor da TV, Bolsonaro despontou como um “mito” de quem ria-se e não se levava a sério. Por isso, circulou livremente. Hoje, é o protagonista do “gran finale” da guerra híbrida. Como enfrentar um avatar?

quarta-feira, maio 02, 2018

O mal-estar dos millennials diante do fim do mundo em "Bokeh"



Um jovem casal norte-americano em férias na Islândia. Que mal poderia acontecer? A não ser, acordar numa manhã e descobrir que todo mundo desapareceu e aparentemente só restaram eles? Celulares e Internet continuam funcionando, mas... não há ninguém do outro lado. Será que toda humanidade desapareceu? Esse é o filme "Bokeh" (2017, disponível na Netflix) no qual a atmosfera "Além da Imaginação” é apenas um pano de fundo para discutir questões geracionais e existenciais da chamada “Geração Y” ou “Millennials”. Ao invés de procurar uma resposta, ou mesmo sobreviventes, o casal de fecha ainda mais no mal-estar que emerge da relação: o estranhamento de estarem cara-a-cara, sem mediações tecnológicas, e o estranho nostalgismo pós-moderno: saudades de épocas que não foram vividas.

sexta-feira, julho 14, 2017

A condenação de Lula e a midiática "crítica nem-nem"


Após a sentença de condenação de Lula pelo juiz Sérgio Moro, a TV mostrou imagens de comemorações em frente à Vara de Curitiba por manifestantes em suas indefectíveis camisas amarelas da CBF. Ao mesmo tempo, tomadas da Avenida Paulista com mais manifestantes, agora de camisetas vermelhas, faixas e punhos erguidos em protesto contra a condenação de Lula. Ato contínuo, a grande mídia expõe os rostos dos magistrados que julgarão o recurso à condenação e uma canastríssima entrevista (com signos cenograficamente saturados) do presidente do TRF-4 que poderá finalmente impedir a candidatura presidencial do líder petista. Qual a relação entre esse ensaio de volta da polarização “coxinhas X mortadelas” e o jogo midiático de sedução/chantagem com magistrados? O velho semiólogo Roland Barthes responderia: a mitologia da “crítica nem-nem”. Ou simplesmente “ninismo” -  mecanismo retórico de dupla exclusão na qual se reduz a realidade a uma polaridade simples, equilibrando um com o outro, de modo a rejeitar os dois. “Nem” um, “nem” o outro - apenas o “bom-senso”, mito burguês na qual se baseia o moderno liberalismo: a Justiça como mecanismo de pesagem que foge de qualquer embate ideológico.

sexta-feira, junho 30, 2017

Quando sorrir soa parecido com gritar em "Helter Skelter"


Mais um filme japonês que trabalha com simbologias alquímicas de transmutação pessoal. Adaptado de um mangá homônimo e iconografia inspirada no filme “Beleza Americana”, “Helter Skelter”(Herutâ Sukerutâ, 2012) do diretor e fotografo Mika Ninagawa é um exemplo de como a cultura japonesa conseguiu filtrar a sociedade de consumo ocidental através de valores milenares, combinando tudo isso com cenários futuristas e distópicos: uma top model chamada Lilico, ícone dos adolescentes conectados 24 horas em dispositivos moveis atrás de mexericos de famosos, é uma celebridade de capas de revistas, publicidade e TV, cuja beleza esconde um sinistro segredo – uma clínica de estética com revolucionário método combinando tráfico de órgão e placentas humanas, no qual corpos são reconstruídos como verdadeiros frankenteins. Uma modelo que se transforma numa gueixa pós-moderna, uma máquina de processamento de  desejos de milhões. A beleza leva a juventude para o fundo do poço, onde destruir a si mesmo é a única saída: no caso de Lilico, quando sorri, na verdade está gritando.

domingo, dezembro 04, 2016

O "momento decisivo" na foto símbolo da aprovação da PEC 55


Nos dias recentes uma foto por câmera de telefone celular viralizou na Internet e redes sociais: no salão da Câmara dos Deputados alegres convivas entre comes e bebes, aparentemente indiferentes ao que estava acontecendo para além da ampla vidraça: do outro lado do espelho d’água a violenta repressão aos manifestantes contrários à PEC 55, em meio à fumaça das bombas de gás. Sua autora, proprietária de uma empresa de comunicação acostumada ao meio corporativo e relações com autoridades, não tinha a menor intenção de fazer uma foto de denúncia. Mas, involuntariamente, atingiu aquilo que o fotógrafo Cartier-Bresson chamava de “momento decisivo” e o semiólogo Roland Barthes de “punctum” -  produtos visuais ou audiovisuais podem, dadas certas condições, ganhar vida própria, tornarem-se autônomos e se desvencilhar das pretensões informativas ou propagandísticas dos seus emissores. E no Cinema e na Pintura também há vários exemplos disso. 

segunda-feira, julho 04, 2016

Curta da Semana: "The Nostalgist" - estamos viciados em nossas ilusões?


Se a vida de um ser humano é uma coleção de memórias, podemos enganar a nós mesmos fingindo algo que nunca aconteceu? Podemos aliviar do peso do passado através do nosso sentimento de nostalgia? Estas são as principais questões levantadas no curta “The Nostalgist” (2014) de Giacomo Cimini baseado no bestseller “Robopocalypse” do engenheiro de robótica e escritor Daniel H. Wilson. Combinando imersões em realidade virtual e realidade aumentada, o curta mostra pai e filho vivendo uma realidade idílica que, aos poucos, demonstra ser apenas uma fina interface sobre um mundo distópico. Assim como os protagonistas do filme, por meio da tecnologia estaríamos também criando falsas memórias de nós mesmos? Estamos também viciados em nossas próprias ilusões?

sexta-feira, maio 06, 2016

O despertar xamânico no filme "O Abraço da Serpente"


Uma jornada antropológica, científica, histórica, mística e espiritual. E conduzida pelo animal de poder da serpente, simbolismo central na cosmologia xamânica. Ela desceu da Via Láctea, criou o mundo e está presente em cada um de nós, adormecida, à espera de algo que a desperte e nos faça deixar de ser instrumentos de morte. Esse é o tema central do filme “O Abraço da Serpente” (2015) que teve por base os diários de dois cientistas cujas expedições na região amazônica contribuíram para a compreensão dos povos indígenas. O diretor colombiano Ciro Guerra consegue tratar o tema do misticismo xamânico de forma a direta e crua numa selva onde o homem branco em busca da borracha extermina povos indígenas, seja pela arma ou pela catequese religiosa. E a última esperança para Karamateke, o último sobrevivente do seu povo, é fazer aqueles cientistas conhecerem um flor sagrada que os faça “abraçar a serpente” (a gnose através da destruição do Ego) e levem essa sabedoria cósmica para a civilização.

sábado, novembro 29, 2014

"Veja São Paulo" detona bomba semiótica na Cracolândia

Feios, sujos, malvados e viciados retornam à Cracolândia, levantando uma mini favela em plena rua do Centro. A grande mídia esfrega as mãos para denunciar uma suposto fracasso do programa da Prefeitura de São Paulo “De Braços Abertos”. Assim como os black blocs (úteis na oportuna criação de imagens midiáticas de caos no País em ano eleitoral) foram glamurizados através de Dani Pantera e Emma, agora o “fracasso” na Cracolândia é midiatizado pela personagem da “Cinderela às avessas”, a ex-modelo Loemy que se tornou viciada em crack e vaga pelas ruas do Centro. Matéria da "Veja São Paulo" a transforma em mais uma bomba semiótica, assim como foi a “musa” black bloc Dani Pantera: a bomba da “good-bad girl”.  A matéria se mostra menos uma reportagem e muito mais um sintoma do DNA dos cursos internos de jornalismo da Editora Abril: a frenética busca por personagens que confirmem narrativas que o próprio Jornalismo já tem de si mesmo.

- Olá, querida - gritou Joe Louis a sua mulher ao vê-la o esperando no aeroporto de Los Angeles. Ela sorriu enquanto aproximava-se e quando estava a ponto de ficar na ponta dos pés para lhe dar um beijo, deteve-se de pronto.
- Joe, onde está sua gravata? - perguntou.
- Ai, querida - ele desculpou-se encolhendo os ombros - estive fora toda a noite em Nova York e não tive tempo... (...)

Houve uma época em que jornalistas buscavam personagens (como o protagonista desse diálogo, o boxeador Joe Louis) para mostrar o lado humano de figuras que o tradicional texto jornalístico não permitia. Nesse texto da revista Esquire em 1962, Gay Talese (um dos precursores do chamado Novo Jornalismo – gênero jornalístico do início dos anos 60 nos EUA que misturava narrativa jornalística com estilo literário) procurava mostrar o lado humano de um campeão de boxe capaz de expressar fragilidade ao encolher os ombros em uma pequena discussão com sua mulher no aeroporto.

quinta-feira, novembro 20, 2014

A fotografia pode roubar nossa alma no filme "Skew"


Aclamado em diversos festivais de filme de terror, o filme independente “Skew” (2011) parte de uma curiosa teoria da fotografia formulada pelo escritor francês Balzac no século XIX: toda fotografia é um “crime espectral” – cada exposição à câmera nos rouba uma das camadas espectrais que compõem o nosso ser. A cada fotografia morremos um pouco. Com essa premissa, o diretor Sevé Schelenz constrói uma narrativa com câmera na mão que no início parece se filiar a estilo de filmes como “Bruxa de Blair” ou “Rec”. Apenas parece. Ao se inspirar  no temor de Balzac, Schelenz não só leva a premissa às últimas consequências como também a atualiza: na verdade, as imagens estariam roubando não as nossas camadas espectrais, mas as camadas de memórias que compõem quem nós somos. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.

sábado, maio 31, 2014

A bomba semiótica Forte Apache

Depois de 14 anos das comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil onde os índios foram recebidos com armas e bombas pela polícia e a grande mídia relatou tudo de forma burocrática e irônica, repentinamente eles foram redescobertos e levados a sério. “Índios cercam o Palácio do Planalto” é o tom geral das manchetes com muitas fotos com flechas e índios em poses ameaçadores em contraste ao futurismo de Brasília. É a bomba semiótica Forte Apache. Esse conceito não tem nada de ironia ou deboche: o núcleo dessa bomba linguística são fotos onde poses e situações forçam a associação com o imaginário hollywoodiano do western. Seja apanhando, sejam fotografados, os indígenas brasileiros continuam estranhos em sua própria terra: às vésperas do campo de batalhas simbólico decisivo da Copa do Mundo, tornam-se, agora, suportes passivos dos signos construídos por espertos fotógrafos. São as “fotos-choques”, estado semiótico intermediário entre o fato real e o fato alterado.

O presidente eleito pelo colégio eleitoral em 1985, Tancredo Neves estava entre a vida e a morte no Hospital das Clínicas em São Paulo. E eu iniciava minha carreira no jornalismo como um "foca" na reportagem do jornal A Tribuna de Santos. Ficava impressionado como, apesar do caos que era uma redação, o jornal conseguia ser finalizado e chegava diariamente nas bancas. Aos poucos ia pegando os macetes: as notícias e os textos jornalísticos eram praticamente padronizados, bastando apenas preencher as variáveis: o que, quem, quando, como, onde e por que.

Enquanto Tancredo agonizava em São Paulo e o País torcia pela sua recuperação, descobri que a lógica de linha de produção das redações era fria e pragmática: nas gavetas da mesa do diretor da redação já estavam prontos obituários, biografia, editoriais, retrancas (palavra ou pequena frase sobre manchetes para apresentar o tema da matéria), fotos e páginas inteiras já diagramadas sobre vida e morte de Tancredo Neves.

Logo entendi todo o processo semiótico de produção noticiosa que permitia que aquela loucura de vai e vem na redação desse certo: editores e diretores produziam uma forma, uma estrutura de texto onde a reportagem apenas preenchia as lacunas com as variáveis da chamada “pirâmide invertida” da matéria jornalística. Tempo era racionalizado e as matérias prontas em minutos. Um processo tão técnico e pragmático que os repórteres não percebiam o viés, o enfoque ideológico que sempre estava nessa estrutura pré-fabricada que descia do "aquário" das reuniões de pauta para nós, os "focas".

segunda-feira, maio 26, 2014

Semiótica do amor revela o desencontro marcado

Dia dos Namorados se aproxima como mais uma data dentro da agenda comercial que envolve Páscoa, Dia das Mães, Black Friday etc. Os críticos mais ingênuos acusam de materialismo a imposição comercial da necessidade em demonstrar amor, afeto ou carinho com presentes caros. Mas a crítica perde de vista algo de mais profundo e perverso: se para a sociedade de consumo o amor é uma mercadoria, ela deve ser inserida na lógica básica mercantil: a escassez do produto conduz a sua valorização no mercado. Por isso, na atualidade estamos presenciando uma intensa estratégia semiótica de produção de, por assim dizer, desencontros marcados: frustrações afetivas, insatisfações sexuais e carências amorosas. Tudo para criar a percepção de que o amor é um bem precioso porque está em falta, agregando cada vez mais valor a jantares românticos, caixas de bom bons e joias. Dessa forma, o amor é mais um bem que se insere na lógica mais geral de criação de escassez para a criação de commodities como a água, meio ambiente, segurança e felicidade.

Dia dos namorados se aproxima, dessa vez ofuscada pela abertura da Copa do Mundo de futebol no Brasil. Celebrado como o dia dos casais apaixonados, surgiu até movimento publicitário de uma marca de cerveja para que o evento seja antecipado um dia antes e os namorados possam acompanhar a abertura da Copa.

Realmente, toda a publicidade e a sociedade de consumo sempre necessitaram do fluxo incessante de amor, paixão, afeto e desejos como matéria prima para a promoção de campanhas de produtos e serviços. Mas ao longo dos tempos o Dia dos Namorados na mídia não se contentou apenas em usar o amor como isca subliminar para vender carros, perfumes, chocolates, roupas e cosméticos. Mais do que isso, hoje o amor é oferecido como mercadoria: como algo que você busca, encontra, experimenta e conquista.

domingo, dezembro 29, 2013

Retrospectiva e perspectivas das bombas semióticas para 2014


Tudo leva a crer que 2013 foi uma espécie de campo de testes para o aprimoramento da tecnologia bélica semiótica. O jogo mais importante está sendo disputado no contínuo midiático, por meio da detonação de bombas criadoras de ondas e estilhaços de signos que moldam na percepção pública um “clima de opinião”. Em cada redação de veículo de grande imprensa e em cada ilha de edição das grandes emissoras de TV foi testado e consolidado um incrível arsenal de recursos retóricos, linguísticos e semiológicos.  Tudo orientado por um script simples composto por três plots que é a base da programação das bombas semióticas. Está tudo pronto para elas serem detonadas, dessa vez de forma sistemática, em 2014 em um ambiente midiático supercondutor de ondas de choque com a realização de megaeventos como Copa do Mundo e eleições. 


        Mesmo com toda a atmosfera de festas de final de ano que supostamente inspira nas pessoas generosidade e reflexão, a grande mídia não perdeu tempo e sinalizou de forma bem clara o que nos espera para o próximo ano:


(a) Em uma matéria de fatos diversos no último bloco no telejornal SPTV da TV Globo no dia 27/12 sobre rituais e supertições populares para atrair sorte no ano novo, um pai de santo é consultado pela repórter sobre as perspectivas para 2014. Os búzios são jogados e ele adverte: “esse ano foi de antagonismos e conflitos e o próximos será a mesma coisa, mas haverá transformações. E uma nuvem negra se afastará da cidade de São Paulo...”;

(b) uma enquete foi feita com colunistas do jornal O Globo para saber o que eles esperam para 2014: Carlos Alberto Sardenberg, Míriam Leitão e Zuenir Ventura torcem por mais protestos – “protestos vigorosos”, salienta Sardenberg;

(c) Jornais e emissoras de TV passaram os últimos dias antes do Natal fazendo acrobacias matemáticas para provar que, apesar das vendas terem aumentado 2,7% em relação ao mesmo período do ano passado, foi o Natal mais fraco em 11 anos;

(d) Elio Gaspari em sua coluna publicada em pleno dia de Natal na Folha e O Globo lembra que o próximo ano será de eleições, mas também lembra que nesse ano aprendemos que existe “uma forma mais direta de expressão”, e exorta: “vem pra a rua você também!”.

quarta-feira, dezembro 25, 2013

Semiótica das fotografias "newborn": que histórias elas contarão?

Era uma vez uma época em que os momentos mais íntimos dos filhos eram registrados por meio de fotografias e vídeos caseiros para serem mostrados aos vizinhos, parentes e amigos mais próximos. Isso tudo ficou muito chato. Agora no lugar temos uma autoconsciente e calculada produção de imagens, geralmente de crianças, com alcance global através redes sociais ou em produtos esteticamente sofisticados e profissionais como ensaios fotográficos publicados em photobooks, CDs ou em sites e blogs na Internet. Nesse contexto cresce o subgênero das fotos chamadas “newborn” (fotografias de recém-nascidos) onde, apesar do discurso da simplicidade e espontaneidade, são produzidas através de complexas estratégias técnicas e estéticas para simular cenas e poses enquanto, alheio a tudo, o bebê dorme. Que história essas fotos contarão para essas crianças no futuro?

As fotografias newborn (fotos de recém-nascidos em suas primeiras semanas de vida) é o novo baby boom fotográfico. Um mercado tão promissor que acabou sendo criada a Associação Brasileira de Fotógrafos de Recém-Nascidos (ABFRN) para zelar a filosofia, ética e segurança dos pequenos modelos. Tudo isso em meio a uma intensa agenda de Workshops e Conferências sobre o tema.

Se concordarmos com Woody Allen de que os três principais fatos da nossa existência são nascimento, sexo e morte, as fotos newborn (ao lado das fotos de casamento, pornográficas e todos os rituais e estrutura de serviços funerários) se revestem de grande importância para todos aqueles que estudam a semiótica da cultura: a forma como a Natureza é incorporada pela Cultura através de uma complexa rede de simbolismos e significados. E, principalmente, como essa rede semiótica revela como sintomas as mazelas da sociedade e dos indivíduos.

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