terça-feira, novembro 29, 2011
Será a Realidade um Filme Mal Produzido? (Parte 2) - Umberto Eco
terça-feira, novembro 29, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O italiano Umberto Eco no seu livro "Travels in Hyperreality" de 1983 (no Brasil, “Viagens na Irrealidade Cotidiana”) fez uma série de observações extremas que, três décadas depois foram confirmadas e, em alguns casos, até superadas: imitações e réplicas ficarão tecnologicamente superioras à própria realidade a tal ponto iriam contaminar o real e a História. Isso Umberto Eco verificou no mundo dos museus e do turismo, mas é na TV que essa tendência seria mais dramática: de janela aberta para o mundo e testemunha ocular da História, a TV se transformaria em uma entidade autista e em um aparato criador de realidades: os chamados "eventos-encenação".
Ao lado do norte-americano Daniel Boorstin (discutido na
postagem anterior), o escritor e semiólogo italiano Umberto Eco foi um dos
primeiros teóricos da simulação. Nos anos 70 Eco empreendeu uma excursão pelos
EUA para obter, em primeira mão, um olhar para as imitações e réplicas que
estavam expostas em museus e parques temáticos e turísticos no país. O
resultado foi uma série de ensaios que resultou no livro clássico “Travels in
Hiperreality”.
Lendo hoje, percebemos no trabalho uma estranha qualidade: a combinação de filosofia pós-moderna com o estilo das colunas de turismo dos
jornais de final de semana, porém, cheio de descrições sardônicas.
Desempenhando o
papel simultâneo de crítico cultural e guia turístico, leva o leitor através da paisagem
americana que, ele diz, estaria recriando uma falsa História, uma falsa arte,
natureza e cidades. Ao longo do caminho, ele
examina uma reprodução do Salão Oval do ex-presidente Lyndon Johnson, e passa
por uma reconstrução do laboratório de uma bruxa medieval, onde gritos gravados
do que parecem ser de bruxas na fogueira podem ser ouvidos ao fundo. Ele visita museus de cera onde
obras de arte são recriadas e, muitas vezes, reinventadas de forma inesperada,
resultando em mutações culturais como uma estátua de cera da Mona Lisa e uma cópia
da Vênus de Milo "restaurada", com braços.
O mais notável nesses ensaios é que, três décadas
depois de publicados, muito das suas observações extremas foram confirmadas e,
em alguns casos, superadas.
O melhor exemplo é o do ensaio “Televisão: a
Transparência Perdida” onde cria dois conceitos hoje clássicos na Teoria da
Comunicação – Paleotevê e Neotevê.
domingo, novembro 27, 2011
Será a Realidade um Filme Mal Produzido? (Parte 1)
domingo, novembro 27, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Daniel Boorstin |
“(...) a sociologia, a análise econômica, a análise de poder
etc. Sem prejuízo do que todas essas veneráveis ciências são capazes, incorrem
elas num erro fundamental. Não consideram a possibilidade de que a própria
realidade, inclusive toda a sociologia, a ciência econômica etc., possa ser um
filme mal produzido.” (GROYS, Boris. “Deuses Escravizados”).
E se considerarmos
que a própria realidade, cercada por um ambiente altamente midiatizado pelas tecnologias
de comunicação e informação, estivesse se tornando, ela própria, um campo de eventos
cada vez mais artificiais? Explicando melhor, e se a própria estrutura dos
acontecimentos fosse cada vez mais moldada ou influenciada pela presença
massiva dessas tecnologias ao ponto de que os eventos progressivamente se
esvaziassem em seu estatuto ontológico, isto é, como fatos fechados em si
mesmo, espontâneos, históricos?
O “erro fundamental” a que se refere a citação acima do teórico de mídia e filósofo Boris Groys seria o de que as metodologias das ciências humanas ainda
não perceberam esta espécie de paradoxo quântico na relação das mídias diante
da própria realidade: o olhar do observador altera o transcorrer dos próprios
fenômenos que ele quer observar. E se o social, o político e o econômico
tiverem o seu vir-a-ser determinado pela existência das mídias que os observam?
Ao Consumir as imagens dos eventos através das mídias ainda as tomamos pela
tradicional noção ontológica de realidade, mas, ao contrário, há muito tempo deixaram
de serem imagens da realidade para se tornarem cada vez mais representações de
representações (simulacros) que tomamos como o próprio real. O que chamamos de
realidade já teria se reduzido a uma fina interface gerada pelos códigos
midiáticos.
Essa dúvida
epistemológica levantada por Groys em relação às ciências sociais de que o próprio
objeto de estudos estaria perdendo o status ontológico se insere em toda a
discussão dos pós-modernos sobre os conceitos de Simulacro e Simulação e a
suspeita de que a realidade é um “constructo” ao melhor estilo “Show de Truman”
ou “Matrix”.
sábado, novembro 26, 2011
Alquimia e Morte em "Perfume: a História de um Assassino"
sábado, novembro 26, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Considerado inadaptável à linguagem cinematográfica,
o livro “Das Parfum” de Patrick Süskind foi finalmente roteirizado para o
cinema em 2006. O resultado foi o filme “Perfume:
a História de um Assassino” (Das Parfum) pelo diretor Tom Tykwer
de “Corra, Lola, Corra” (1998). O filme narra como a busca alquímica da
quintessência dos perfumes (a soma das flagrâncias das mais belas mulheres do
mundo) pode resultar em uma série de assassinatos. O anseio pela experiência do
sublime e do espiritual pode se converter no seu oposto: a morte e o horror.
“Perfume:
a história de um assassino” é um filme baseado no livro "Perfume" de Patrick
Süskind de 1985. Vendeu mais de 15 milhões de cópias e foi traduzido para
quarenta línguas. Süskind acreditava que somente dois diretores de cinema
poderiam fazer justiça ao seu livro: Stanley Kubrick e Milos Forman. Mas o livro
foi considerado inadaptável para a linguagem cinematográfica. No depoimento do
roteirista do filme Bernd Eichinger: “o protagonista da estória não se
expressa. Um escritor pode usar a narrativa para compensar isso; mas não é
possível em um filme. O espectador só pode ter algum sentimento por um
personagem se ele fala.”
Isso porque o protagonista (Jean-Baptiste Grenouille) é a própria encarnação do
Absoluto no sentido metafísico.
Jean-Baptiste nasceu com um poder espacial: o sentido do olfato apuradíssimo,
capaz de distinguir flagrâncias as mais refinadas e etérias em meio ao caos de
percepções do cotidiano. Ele tinha um olfato extremamente desenvolvido, o que
lhe permitia reconhecer os odores mais imperceptíveis. Conseguia cheirá–los por
mais longe que estivessem e armazenava–os todos em sua memória, também
excepcional para relembrar aromas. Nascido em um fétido mercado de peixes de
Paris e jogado pela mãe, ainda recém-nascido, no meio de vísceras e escamas
apodrecidas, o poder do protagonista é dotado de um simbolismo: a necessidade
da transcendência do humano em meio ao caos disforme da matéria bruta.
quinta-feira, novembro 24, 2011
No Filme "Zelig" Woody Allen faz uma Fábula sobre a Psicologia de Massas do Século XX
quinta-feira, novembro 24, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Woody Allen conseguiu transformar o seu filme “Zelig” (1983)
em uma narrativa que se mantém sempre atual: por meio do humor sardônico do gênero
pseudo-documentário conseguiu didaticamente apresentar as origens da cultura narcísica das celebridades contemporâneas e, através da personagem da doutora Eudora
Fletcher (Mia Farrow) descrever as principais teses do século XX sobre a
Psicologia de Massas.
“Zelig” talvez seja o primeiro filme do gênero "mockmentary" ou pseudo-documentário. Satírico por natureza, nesse gênero o diretor tem a
liberdade de construir argumentos baseando-se em falsas premissas para, dessa
forma, criar um fato hipotético. O semiólogo italiano Umberto Eco chamaria isso
de “verdade parabólica”: criar uma relação indireta com o real por meio de
simbolismos, paródias, paráfrases etc. É um gênero que ganha cada vez mais
força como o controverso “Borat” (2006), “Cloverfield: Monstro” (Cloverfield, 2008)
e “A Bruxa de Blair” (The Blair Witch Project, 1999).
Mas o filme “Zelig” estava à frente do seu tempo. O pseudo-documentário
é ambientado na década de 1920 e 30 e fala sobre Leonard Zelig (Woody Allen),
um homem pacato e desinteressante que passaria anônimo na história, não fosse a
estranha capacidade de transformar sua aparência na das pessoas que o cercam
(na presença de chineses adquire traços orientais, na presença de judeus
transforma-se num rabino etc.). É o “camaleão humano”, estranho caso que
intriga psicólogos, psiquiatras e neurologistas que não conseguem chegar a um
diagnóstico. Com o auxílio da técnica do “croma key” Woody Allen inseriu seu
personagem e outros atores em imagens reais de cinejornais da época,
antecipando técnicas usadas em filmes como “Forrest Gump” (1994).
Para diluir ainda mais os limites entre realidade e ficção,
o filme conta ainda com a participação de figuras reais do mundo acadêmico como
a ensaísta Susan Sontag, o psicólogo Bruno Bettelheim e o escritor vencedor do
prêmio Nobel Saul Bellow, entre outros.
quarta-feira, novembro 23, 2011
O Futuro como Profecia Auto-Realizadora no filme "O Pagamento"
quarta-feira, novembro 23, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Embora seja a pior adaptação no cinema de uma obra do escritor norte-americano de sci fi Phip K. Dick, o Pagamento (Paycheck, 2003) propõe a discussão de um interessante paradoxo temporal: a profecia auto-realizadora como tática de engenharia de opinião pública para que futuros alternativos sejam induzidos e manipulados. Mentiras ou boatos podem paradoxalmente se auto-realizarem como verdades. Isaac Assimov chamava isso de "Psicohistória".
Desde o filme “O Caçador de Andróides” (Blade Runner, 1982),
Hollywood descobriu o escritor de ficção científica assumidamente gnóstico
Philip K. Dick. A maioria das adaptações de seus contos ou livros completos
obtiveram sucesso comercial ou crítico: “O Caçador de Andróides”, “O Vingador
do Futuro”, “Screamers”, “Minority Report”, “Scanner Darkly” e o recente "Agentes do Destino". Porém, o
filme “O Pagamento” foi certamente a pior das adaptações.
Logicamente, a culpa não foi de K. Dick mas dos produtores
por convidarem John Woo, diretor que se notabilizou pela prioridade às cenas de
ação em seus filmes (“A Outra Face” e “Missão Impossível 2”). Para quem está
familiarizado com a obra e filmes baseados em Philip K. Dick facilmente reconhecemos em “O Pagamento” alguns dos seus temas mais caros: perda da memória e paradoxos
temporais. Mas John Woo, ao adaptar a estória de ficção científica
transformou-a, no final, em uma mera narrativa de ação.
Por isso, vamos resgatar nessa postagem o tema que acreditamos
seja o principal na obra “Paycheck” e que foi pouco desenvolvido pela direção
de John Woo: o paradoxo do tempo recursivo.
Primeiro vamos fazer uma breve sinopse: Michael Jennings
(Ben Affleck) é um especialista em engenharia reversa: analisa o produto da
empresa concorrente e desenha uma nova versão que excede as características
originais. Ao finalizar esse trabalho, suas memórias correspondentes ao período
de tempo em que trabalhou são apagadas com a ajuda técnica do seu amigo Shorty
(Paul Giamatti) para proteger a propriedade intelectual de seus clientes.
James Hethrick (Aaron Eckhart), CEO da empresa Allcom,
oferece um misterioso trabalho que envolve um projeto ultra-secreto da área de
ótica, com uma duração de no mínimo três anos. Em troca do apagamento das
memórias desse período, Hethrick oferece participação nas ações da empresa. Ele
completa o trabalho e descobre que desistiu dos milhões de dólares em ações em
troca de um enigmático envelope contendo uma série 20 diferentes objetos,
aparentemente sem nenhum nexo: chave, um maço de cigarros, óculos de sol, uma
bala de revólver.
Por que desistiu de uma fortuna em ações por um envelope
contendo esses prosaicos objetos? Perplexo, Jennings se vê numa situação onde a
Allcom tenta matá-lo, ao mesmo tempo em que agentes do FBI tentam capturá-lo
por suspeita de um crime que não lembra ter cometido.
sábado, novembro 19, 2011
O Western Espiritual "Dead Man"
sábado, novembro 19, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
De todos os subgêneros
e revisionismos criados a partir do western clássico, o que mais chama a
atenção é o “acid western” pelo seu caráter “underground” místico e messiânico:
todos os personagens do gênero estão lá (caçadores de recompensas, prostitutas,
cowboys errantes etc.), porém eles não lutam mais por vingança, conquista ou
justiça: buscam a iluminação espiritual. “Dead Man” (1995) do diretor Jim
Jarmuch se insere nesse subgênero ao rechear as linhas de diálogos com inúmeras
referências ao poeta e pintor inglês místico e herético William Blake e construir uma narrativa
hipnótica como um mantra ao som da guitarra de Neil Young.
O gênero western é um produto tipicamente norte-americano
que passou por uma série de renovações, sempre com a preocupação da indústria
do entretenimento universalizá-lo para torná-lo um produto com um mercado
globalizado: do western clássico desde a era do cinema mudo que retrata a luta
do homem para conquistar a natureza infestada por índios e animais selvagens,
passando pelo diretor John Ford (culturalmente mais neutro onde os nativos
passam a ter um melhor tratamento) que vai construir aprofundamentos
psicológicos em toda a galeria dos personagens do gênero (caçadores de
recompensas, cowboys errantes etc.) até chegar a autoconsciência paródica do
chamado “spaghetti western”de Sérgio Leone e o revisionismo de Sam Peckinpah
onde pretendia arrancar poesia da violência representada em câmera lenta.
Para além dessa trajetória “mainstream”, o crítico de cinema
Jonathan Rosenbaun aponta para um subgênero underground: o “acid western”subgênero
que se inicia com o filme “El Topo” (The Mole, 1970), um western místico Cult recheado
de referências ao tarot, messianismo e referências bíblicas em linguagem
lisérgica. “Dead Man” de Jim Jarmuch se insere claramente nessa linha ao criar
um protagonista que não busca mais conquista, vingança ou justiça, mas
iluminação espiritual através de uma “poesia escrita com sangue”.
É a estória de um jovem homem que realiza uma jornada espiritual em uma
terra estranha para ele, nas fronteiras extremas do oeste americano, em algum
momento da segunda metade do século XIX. William Blake (Johnny Deep) é um
contador que recebe convite para trabalhar em uma metalúrgica em uma cidade
chamada Machine. Em seus bolsos alguns dólares e a carta de promessa de emprego
na metalúrgica. Chegando lá, descobre que outro homem já ocupava a vaga de
contador e que ele, Blake, chegou com um mês de atraso.
Deprimido, vai para um saloon, onde encontra com uma mulher,
ex-prostituta, Thel (Mili Avital). Defende-a da agressividade dos homens do
local, sendo convidado por ela para ir até seu quarto. Lá, ambos são flagrados
pelo noivo Charlie Dickinson (Gabriel Byrne) que dispara um revólver, atingindo
os dois. Em legítima defesa, Blake o mata e foge, depois de constatar que Thel
estava morta. A partir desse ponto, começa o purgatório de Blake: Charlie era,
na verdade, filho do proprietário da metalúrgica, que contrata três pistoleiros
para matá-lo em vingança.
sábado, novembro 12, 2011
Editor do Blog “Cinema Secreto: Cinegnose” sofre acidente
sábado, novembro 12, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Vejam o estado do capacete |
Esse blog ficará temporariamente sem atualizações devido a
acidente ciclístico sofrido por mim neste último domingo. Treinava, como de
rotina, no Rodoanel aqui da Grande São Paulo. Na saída de um túnel que dá
acesso ao Rodoanel Sul e a Régis Bittencourt fui pego de surpresa com um
desnível entre as placas de concreto do pavimento (alías, placas que estão
progressivamente se deteriorando com o peso dos caminhões, em todo Rodoanel). A
roda dianteira travou e fui projetado para frente em cambalhota.
Um dia após a cirurgia, internado |
Resultado: uma fratura grave na coluna sob risco de ficar
paraplégico. Fui submetido a cirurgia ontem (11/11) no Hospital Leforte, em São
Paulo. A cirurgia foi um sucesso e estou no quarto onde digito essas mal
traçadas linhas.
Portanto, leitores e seguidores, as atividades do blog estão
temporariamente suspensas. Segundo o prognóstico da junta médica, uma semana;
Abraços e até a volta, porque o pior já passou.
quinta-feira, novembro 03, 2011
A Ilusão do Mundo e o Mundo da Ilusão no filme "O Fundo do Coração"
quinta-feira, novembro 03, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
À época do seu lançamento o filme "O Fundo do Coração" (One From the Heart, 1982) foi fracasso de crítica e de público e a falência do diretor Coppola. Ninguém entendeu nada. Não é para menos, pois o filme estava à frente da sua época: um musical romântico hiper-estilizado e metalinguístico reproduzindo Las Vegas em estúdio com um assombroso número de cenários antevia a sensibilidade atual onde, com a proliferação das tecnologias das imagens e virtualização do real, passamos a conviver com a suspeita de que o mundo possa ser uma ilusão fabricada, como um gigantesco estúdio. Parece que Coppola anteviu "Show de Truman" e "Matrix".
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