segunda-feira, maio 27, 2019
Parques de diversões, espelhos e a morte no filme "Nós"
segunda-feira, maio 27, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O filme “Nós” (Us, 2019) de Jordan Peele (“Corra!”) é um complexo de mitologias (milenares e modernas) e crítica social. Para começar, o diretor pediu aos atores assistirem a dez filmes (entre eles “O Iluminado”, “Deixe Ela Entrar” e “Além da Imaginação”) para compreenderem o argumento da produção e a verdadeira avalanche de alusões fílmicas. Crítica social se mistura com um complexo mitológico: do simbolismo demiúrgico dos parques de diversões ao medo milenar pelos duplos e espelhos. Cada imagem em “Nós” é uma pista para tentarmos entender por que duplicatas assassinas de uma família põem em perigo a vida dos seus “originais”. Peele sugere visões múltiplas, num misto da distopia de George Orwell, o ocultismo de Lewis Carroll e a crítica social de James Baldwin.
sábado, maio 25, 2019
Com Trump e Bolsonaro, o video game molda a política
sábado, maio 25, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Depois de Trump e Bolsonaro a política nunca mais será a mesma: são duas figuras que despontaram na superfície de um movimento mais profundo que vem intrigando pesquisadores que estudam as transformações da política através da tecnologia: como na nossa sociedade os elementos lúdicos vem invadindo diversas esferas com a proliferação dos jogos, principalmente os eletrônicos. O cinismo e desilusão com a democracia representativa combinados com elementos inerentemente lúdicos das tecnologias digitais, plataformas e aplicativos estariam gerando uma “gamecracia”, “casual política” ou simplesmente uma “neodemocracia”. Assim como nos games, a política estaria sendo moldada por uma irresponsabilidade lúdica, como se tudo fosse apenas um jogo eletrônico no qual as consequências do erro são minimizadas para dar fluência à partida. Afinal, num videogame temos muitas vidas para perder. E até aqui, no espectro político, a direita é aquela que está mais antenada nessas transformações.
domingo, maio 19, 2019
Black blocs, Chomsky e o não-acontecimento do "manifesto do apocalipse" de Bolsonaro
domingo, maio 19, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Cadê os black blocs? De 2013 a 2016, em toda manifestação de rua, lá estavam eles fazendo poses épicas para câmera e cinegrafistas em meio a chamas e destruição, enquanto eram incensados por alguns pesquisadores e artistas como “linda anarquia” antiglobalização. Por que desapareceram? Onde estavam nas grandes manifestações de rua, no dia 15, por todo o País contra os cortes na educação? Talvez suas ausências tenham uma relação direta com o atual governo que ocupa Brasília, embora o “manifesto do apocalipse” compartilhado por Bolsonaro nas redes sociais aponte para um governo vítima dos “interesses corporativos”. Ironicamente, um “manifesto” escrito por um espécime do mercado financeiro com seus interesses bem corporativos – um “não-acontecimento”. Sem black blocs, Bolsonaro responde às ruas através de um manifesto semioticamente criptografado para elevar o moral das milícias virtuais e reais. Numa estratégia de manter-se sempre no centro das atenções, seja como herói ou “boi de piranha”. Um discurso monofásico e repetitivo, como apontou o linguista Noam Chomsky em relação à estratégia midiática de Donald Trump, emulada por Bolsonaro.
sábado, maio 18, 2019
Cegos e surdos esquecemos daquilo que buscamos na vida em "A Grande Beleza"
sábado, maio 18, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2014, muitos críticos consideram "A Grande Beleza" (2013), de Paolo Sorrentino, quase uma refilmagem de “A Doce Vida”, filme de Fellini de 1960. Roma, a “Cidade Eterna”, vista pelos olhos de Jep Ganbardella, um escritor de apenas um livro que vive no centro de uma vida mundana de festas e exposições de artistas, intelectuais, jornalistas e editores de revistas culturais. Cínico, zomba de todos, mas principalmente de si mesmo pelo vazio, desilusão e niilismo. Todos parecem zumbis, vagando em festas barulhentas e ensurdecedoras atrás da “grande beleza” esquecida, lá atrás na juventude. Cegos e surdos pelas distrações que criamos, esquecemos daquilo que passamos uma vida inteira procurando. No clássico filme “Cidadão Kane” era o “Rosebud”. E o que Jep Gambardella procura em “A Grande Beleza”?
domingo, maio 12, 2019
Tino conspiratório da guerra semiótica de Bolsonaro é lição para a esquerda
domingo, maio 12, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A esquerda sempre foi kantiana. Enquanto historicamente a extrema-direita teve um, por assim dizer, "tino conspiratório". Se a esquerda sempre foi regida por um kantiano imperativo categórico da racionalidade universal da Razão, do Direito e da Ética, ao contrário, a extrema-direita é movida pela urgência de enfrentar conspirações, desde a propagandística queima pública dos livros pelos nazistas em 1933. É o élan que sempre faltou para a esquerda. Mais preocupada em ser levada a sério pela elite pensante e ser aceita na Casa Grande, a esquerda sempre rechaçou as teorias conspiratórias como paranoia irracional. Bem diferente (como demonstra o início do governo Bolsonaro), a extrema-direita pula imediatamente na jugular da Educação, Ciência e Conhecimento para enfrentar as conspirações dos “marxistas culturais”, “globalistas” e até de “banqueiros comunistas” (?!?!). É a guerra semiótica criptografada incompreensível para a esquerda, que tenta liquidar rapidamente o problema estereotipando o clã Bolsonaro como “napoleões de hospício”.
quinta-feira, maio 09, 2019
Sartre, angústia existencial e mecânica quântica no filme "+1"
quinta-feira, maio 09, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
E se você tivesse a chance de voltar no tempo e corrigir um erro terrível, embora soubesse estar moralmente errado porque o resultado anterior era o que teria de realmente acontecer? Voltando ao passado, como reagiria ao se defrontar com seu próprio clone que tem todas suas memórias, porém limitadas por um delay de 15 minutos? Essas são algumas questões morais levantadas pelo filme “+1” (aka “Plus One, 2013), do diretor grego Dennis Iliadis. Não é propriamente um filme sobre “viagem no tempo”, mas a proposta de transformar uma festa universitária numa espécie de “Caixa de Schrödinger” (experimento imaginário de mecânica quântica do físico austríaco) no qual os mesmos eventos duplicados ocupam o mesmo espaço, porém com um delay a partir de 15 minutos progressivamente diminuindo. Tudo em decorrência de um misterioso fenômeno elétrico-astronômico. É mais um filme sobre o mito da “segunda chance”, mas dessa vez revelando que essa recorrência no cinema é o sintoma do atual espírito de época – a crescente angústia existencial humana, tal como descreveu o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre. Filme sugerido pelo nosso leitor Fábio Hofnik.
terça-feira, maio 07, 2019
Um dia as meninas serão devoradoras de homens em "Grave"
terça-feira, maio 07, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Uma história de
amadurecimento de uma personagem desgarrada em uma hora e meia manchada de
sangue”, dessa maneira a diretora francesa Julia Ducournau define seu filme "Grave"(Raw, 2016), co-produção França/Bélgica. Se “Corra” (“Get Out”, 2017) foi um
filme de terror racial, aqui em “Grave” encontramos uma espécie de terror de
gênero: como se a protagonista descobrisse a sensação de poder no cruzamento da
linha de um tabu. Ducournau parece querer dizer às espectadoras: meninas, um
dia vocês serão devoradoras de homens! Uma brilhante e inocente adolescente
entra num curso superior de veterinária e se defronta com um sistemático trote
de humilhação e doutrinação dos veteranos. Até despertar algo de primitivo nela – uma
fome insaciável que nunca percebeu estar lá. Uma violenta narrativa de auto-afirmação e descoberta de identidade
através de sangue, canibalismo e luxúria.
domingo, maio 05, 2019
Construção semiótica da meganhagem nacional prepara próximo golpe
domingo, maio 05, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O “Hilbert da Polícia Federal”, o policial “hipster lenhador”, a agente federal que posa de biquíni em redes sociais. São exemplos de uma glamourização midiática diária de policiais e agentes federais, com suas armas negras reluzentes, lubrificadas, coldres, metralhadoras empunhadas ao nível da virilha prontas para entrar em ação. Em tudo se assemelha àquilo que em cinema chama-se “product placement” (inserção de produtos de forma natural em cenas) - sistemática construção semiótica da “meganhagem” (o uso do poder de polícia para fins políticos) como diagnóstico e solução para as mazelas nacionais. Assim como fez a SS na Alemanha, transformando-se em poder paralelo no Estado. E a pedra de toque dessa estratégia é a freudiana fetichização das armas - ganhar apoio da opinião pública para o golpe dentro do golpe que se prepara: o Estado policial que manterá nas rédeas a Justiça, a Política e o povo.
sexta-feira, maio 03, 2019
O inferno sempre ficará cheio de boas intenções em "O Homem nas Trevas"
sexta-feira, maio 03, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Mais um filme
ambientado na Detroit decadente habitada por jovens sem futuro cujo único sonho
é cair fora dali. Três jovens marginalizados vivem de pequenos roubos em
subúrbios de classe média. Até que surge a chance da fazerem o grande assalto
que mude a vida de todos para sempre: o casarão de um solitário veterano de
guerra cego, cujo cofre guarda milhares de dólares, fruto de uma indenização. O
que poderia dar errado em um assalto aparentemente tão fácil? No filme “O Homem
nas Trevas” (“Don’t Breathe, 2016) vemos os dilemas morais envolvendo culpa e
racionalizações. Uma batalha entre vontades de pessoas que tomaram decisões
muito ruins, mas que encontraram justificativas a si mesmos para seguir em frente convivendo com a culpa. Um filme que aborda dois temas de fundo sucessivamente freudiano e existencial: o homem não é racional, ele apenas racionaliza; e que,
por isso mesmo, o inferno sempre ficará cheio de boas intenções. Filme sugerido pelo
leitor Felipe Resende.
quarta-feira, maio 01, 2019
O Mal jamais conjurado pela civilização em "Suspiria: A Dança do Medo"
quarta-feira, maio 01, 2019
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Em um cenário aparentemente acolhedor escondem-se terríveis segredos do passado que estão vivos e ameaçadores até hoje. Desde “O Bebê de Rosemary” (1968), de Roman Polanski, o gênero terror repetidas vezes aborda esse tema. Mas em “Suspiria: A Dança do Medo” (2018), remake do clássico de terror de 1977 de Dario Argento, o tema é elevado a uma jornada pelo inconsciente coletivo: em plena modernidade urbana, o ancestral, o mítico e o arquetípico retornam de forma explosiva e perversa. O Mal, ignorado e jamais conjurado ou expiado pelo mundo contemporâneo. Apenas esquecido. Uma bailarina se torna aluna de uma prestigiosa escola de dança em Berlim, que esconde um milenar propósito ocultista assassino num país que tenta se recuperar dos traumas do nazismo em plena Guerra Fria. Mas os problemas é que as pessoas teimam sempre em acreditar que o pior já passou.
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