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sexta-feira, setembro 27, 2024

O Diabo brincalhão e perverso do gótico americano em 'Longlegs - Vínculo Mortal'


O Diabo é brincalhão e perverso. Se ele quer dominar mesmo o mundo porque não ataca de uma vez o Vaticano, possuindo cardeais e o Papa? Não! Ele prefere possuir crianças ou atormentar um vigário qualquer em uma paróquia distante. Por isso o Diabo é uma figura próspera no gótico americano, repleto de famílias puritanas e fundamentalistas cristãos imersos na castidade paranoica. Todo o hype em torno do thriller de terror “Longlegs - Vínculo Mortal” (Longlegs, 2024) era verdadeiro, ao combinar os tropos principais do gótico americano com a figura do Detetive pós-moderno, cuja lógica e intuição é incapaz de solucionar o enigma de um serial killer com motivações ocultistas satânicas. Porque o próprio detetive é a parte principal do problema. “Longlegs” lembra “O Silêncio dos Inocentes”. Mas sem a bússola que Lecter representava para a Clarice. O Detetive está só, sugado cada vez mais pelo “vínculo mortal”.

sexta-feira, agosto 30, 2024

O obscuro objeto da sexualidade em 'Sexo, Mentiras e Videotape'



Sexo, Mentiras e Videotape” (1989), o filme de estreia de Steven Sorderbergh e ganhador da Palma de Ouro em Cannes, era, na época, um filme otimista: a esperança de que as novas tecnologias de vídeo resgatassem a materialidade e o espontâneo num mundo dominado pelos simulacros. Mal se sabia o que viria no próximo século: a democratização dos simulacros através das selfies e redes sociais. O filme conta a história de quatro pessoas cujas vidas sexuais estão seriamente confusas em torno de mentira. Até que a chegada de um forasteiro com um fetiche incomum (colecionar VTs com entrevistas nas quais mulheres confessam suas fantasias sexuais) muda tudo. Ele procura ir para além das mentiras e jogos de aparências da sedução, tentando encontrar a verdade da sexualidade nos vídeos. Estamos na pós-sexualidade: o reino das palavras que tentam suturar feridas psíquicas.

sábado, agosto 24, 2024

Os Três Cavaleiros do Apocalipse pós-moderno no terror 'Oddity'


Discutir sobre a natureza da pós-modernidade implica falar sobre os chamados “Três Cavaleiros do Apocalipse”: Nietzsche, Marx e Freud – aqueles que tiraram a centralidade da Razão e colocaram no lugar, respectivamente, o demasiado humano, o peso do legado do passado e o inconsciente. O thriller irlandês de terror “Oddity” (2024) transforma essas armas do Apocalipse em um conto sobrenatural com um atrevido humor negro no qual a racionalidade científica se opõe ao sobrenatural e o Oculto. O confronto entre um médico psiquiatra de comanda um hospital psiquiátrico com criminosos dementes e uma sensitiva proprietária de uma loja de antiguidades que vende objetos amaldiçoados. Razão vs. sobrenatural na elucidação de um assassinato que expõe o destino da Razão: transformar-se em “racionalização”, isto é, em álibi para o demasiado humano.

quinta-feira, fevereiro 22, 2024

A sátira racial ao estereótipo afro-americano no filme 'Ficção Americana'


O filme “Ficção Americana” (American Fiction, 2023), com cinco indicações ao Oscar, é uma incisiva sátira racial sobre os estereótipos afro-americanos criados pela indústria literária e de entretenimento norte-americano para, como diz o protagonista a certa altura no filme, “absolver o sentimento de culpa dos brancos”. Um professor universitário e romancista negro está com dificuldades para encontrar uma editora que publique seu novo livro. “Escreva algo mais negro”, é o que sempre ouve de publishers brancos e liberais. Misturando raiva, frustração e copos de bourbon, ele escreve uma paródia exagerando todos os estereótipos negros dos guetos. Para sua surpresa, vira o acontecimento literário do ano. Ninguém entendeu a piada. “Ficção Americana” é uma reflexão sobre a impossibilidade encontrar uma exterioridade para fazer uma crítica. A não ser que o diretor quebre a quarta parede do cinema.

quinta-feira, janeiro 11, 2024

Filme 'Intruso' e o amor na era da inteligência artificial


A premissa de “Intruso” (Foe, 2023) soa familiar, sobre a ideia de robôs e androides se tornarem tão reais que percamos as fronteiras entre simulação e realidade. Mas, lembre-se! Não estamos mais diante de replicantes sencientes e autônomos. Mas agora lidamos com inteligência artificial machine learning – algoritmos que “aprendem” conosco e não mais emulam, mas imitam. Num futuro em que o planeta está ambientalmente agonizante e a saída é o espaço sideral, um casal que mora em uma fazenda remota no Centro-oeste americano recebe a visita de um representante do governo convocando o marido para uma missão em uma colônia em outro planeta. Para dar continuidade ao casamento, no lugar ficará um clone com o qual a esposa nem perceberá a diferença. Para garantir isso, um pesquisador deverá passar um tempo com o casal para recolher o máximo de informações para que o clone seja o mais real possível. Em “Intruso” acompanhamos o que poderá ser o amor em tempos de inteligência artificial. 

sábado, outubro 07, 2023

'Na Mira do Júri': da canastrice da percepção ao fim do reality show



Reality shows e dramas sobre tribunais do júri são duas fixações da TV dos EUA. E elas se encontram na minissérie Prime Vídeo “Na Mira do Júri” (Jury Duty, 2023). Aqui acompanhamos um mix entre o mockumentary e o “media Prank” (“pegadinhas”): um voluntário se inscreve num suposto reality show sobre os bastidores de um tribunal do júri em um condado de Los Angeles. Mas o que ele não sabe é que ele é o alvo do experimento – todos ao redor, dos membros do júri ao juiz, réu e advogados, são atores profissionais. A minissérie lembra a condição de Jim Carey em “Show de Truman”. Porém, com duas diferenças fundamentais: aqui, o protagonista não nasceu no reality show. Por que então ele não percebeu a artificialidade do evento? A condição pós-moderna da “canastrice da percepção” está por trás. E se “Show de Truman” tinha muito a dizer sobre a ascensão do reality show, talvez “Na Mira do Júri” possa ser considerado o fim do próprio gênero reality show.

sábado, julho 01, 2023

Sexta temporada de 'Black Mirror': o que resta à série dizer sobre nosso futuro?


Com três anos de atraso, chega a sexta temporada da série “Black Mirror” (2011-). Que enfrenta uma dúvida existencial: se o mundo real e a série atingiram um ponto tão elevado de convergência, o que resta à série dizer sobre o nosso futuro?  Parece que todos os dias vemos uma nova profecia de “Black Mirror” sendo realizada. Por isso, nessa sexta temporada há uma estranha atmosfera na maioria dos episódios: ao invés de imaginar futuros hipo-utópicos (futuros que projetam de forma exagerada mazelas já existentes no presente), vemos narrativas em uma espécie de futuro do passado ou histórias fora dos temas clássicos da série. O criador Charlie Brooker estaria encontrado seu limite: a estranheza do mundo parece superar a imaginação ficcional.

quinta-feira, junho 15, 2023

Chegamos sempre tarde no encontro com a vida no filme 'Já Era Hora'


A produção Netflix italiana “Já Era Hora” (Era Ora, 2022) é uma surpreendente comédia romântica, cujo argumento faz lembrar o clássico “O Feitiço do Tempo” e a comédia hollywoodiana “Click”: um workaholic, sem tempo para familiares e amigos, fica preso em um loop temporal no dia do seu aniversário, no qual ele sempre salta um ano no futuro. Busca uma saída para não perder aqueles que mais ama, enquanto percebe que, a cada salto, sua vida profissional é cada vez mais bem-sucedida. Uma comédia surpreendente porque o drama tragicômico do protagonista ecoa algumas reflexões do filósofo italiano Giacomo Marramao sobre o fenômeno moderno da “hipertrofia das expectativas”: a sensação de sempre estar chegando demasiadamente tarde no encontro com a vida.

quinta-feira, abril 06, 2023

Cada movimento da cultura pop cria seu próprio assassino na série 'Enxame'


“Esta NÃO é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, NÃO é mera coincidência”. Com esse alerta abrasivo começa cada episódio da série da Prime Video “Enxame” (Swarm, 2023), inspirado na cultura da base de fãs da celebridade pop Beyoncé. A “Abelha Rainha” da comunidade de fãs chamada “Colmeia”. No século XX fãs se limitavam a rasgar roupas dos ídolos ou, eventualmente, assassiná-los. Agora vemos a ascensão da chamada “cultura stan” das redes sociais cujas comunidades de fãs geram haters. Que decidem fazer justiça rápida, agindo como um enxame contra qualquer um que sequer sugira ofender a “rainha”. Cada movimento na cultura pop cria seu próprio assassino. Esse é o tema da série de humor negro “Enxame”.

sexta-feira, novembro 04, 2022

Da positividade hipócrita ao riso maligno e viral no filme 'Sorria'


No terror “Sorria” (Smile, 2022) há duas linhas de diálogo que são chaves de compreensão do filme: ““Faça uma cara feliz. Você fica mais bonita quando sorri” e na cena clássica da protagonista diante do monstro: “por que você está fazendo isso comigo?” “Porque sua mente é tão convidativa!”, responde a entidade com um sorriso psicótico. Dessa maneira, “Sorria” incorpora as origens antropológica ambíguas do riso: de um lado como inversão e desestabilização diante da positividade hipócrita da sociedade; e do outro, as origens sardônicas do riso na violência e crueldade: o riso como fenômeno demoníaco. Mas numa sociedade mediada pela Internet e redes sociais, o riso maligno só pode ser infeccioso e viral, cuja força está no trauma, culpa e ressentimento.

sábado, outubro 29, 2022

Lula descobre as estratégias alt-right de desconstrução de debates. Será tarde?


Nervoso, numa noite particularmente beligerante, perdendo o controle e exigindo até um inédito direito de reposta do mediador William Bonner. Pisando em falso e quase se desequilibrando. Procurava sempre na palma da mão a colinha com duas palavras chaves fatais que teimava em esquecer: “décimo terceiro” e “férias”. Um candidato visivelmente incomodado, porque viu o oponente Lula utilizando as mesmas técnicas de desconstrução trumpista e pós-moderna que a alt-right sempre se primou: metalinguagem, comunicação indireta, técnica de dissociação e desautorização do interlocutor. Talvez, um reflexo do “efeito Janones”: apropriar-se do mesmo ímpeto desconstrutivista do adversário e lutar no mesmo campo semiótico que sempre a extrema direita atuava sem ninguém incomodar. Até agora. Resta saber se essa novidade tardia veio a tempo suficiente para evitar o pior.

sexta-feira, março 11, 2022

Seria a guerra na Ucrânia um filme mal produzido?


Na cobertura jornalística da Guerra na Ucrânia, a grande mídia vem falando muito em “guerra de narrativas” e “propaganda de guerra”, além da “verdade como a primeira vítima”. Claro, que tudo isso só se aplica aos russos. Porém, na utilização dessas expressões de “desconstrução” existe um ardil: oculta uma coisa mais grave do que “narrativas” – o fato de que na guerra atual não há mais dissimulações, mas simulações: “eventos-encenação”. Não importam as narrativas de dissimulações, sejam da OTAN ou de Putin. O ponto de partida já é simulado. Dois exemplos: o vídeo-diário do “Illusion Warfare Report” e o site “Anti-Spigel” que denunciam como a Ucrânia está se tornando um estúdio de TV a céu aberto para a produção de vídeo especialmente roteirizados para serem posteriormente segmentados em pequenos clipes pelos telejornais – para serem exibidos em lopping nas inúmeras entrevistas ao vivo com especialistas.

terça-feira, fevereiro 22, 2022

Resposta anticíclica de Putin é auge da guerra semiótica entre Rússia e o modelo de Deep State


Algo saiu do script! De repente, pareceu que algum release que viria diretamente da OTAN para o ponto eletrônico dos repórteres cessou. Deixando-os gaguejantes, consternados, sem ter o que dizer ao vivo após um irritado e impaciente Putin ter reconhecido a independência e soberania das regiões separatistas da Ucrânia. Para depois, enviar “tropas de paz” para as regiões. Biden aproveitou o feriado e se fechou na Casa Branca, e, no vácuo, aliados prometeram “uma reposta rápida a Putin”. A resposta anticíclica de Putin, rompendo a “política do megafone” de Biden é a culminância aos primeiros sinais das diferenças semióticas EUA/Rússia: o salão oval versus a gigante mesa oval de reuniões do Putin, p. ex.. As diferenças não são meramente estéticas: Putin explora muitos elementos do teatro de vanguarda, sob a influência do “Rasputin” Vladislav Surkov, trabalhando na linha tênue entre ficção e realidade. Nada do que o Ocidente também não faça. Porém, com uma diferença: enquanto o Deep State ocidental precisa criar uma cena ficcional com atores que acreditam ser os próprios personagens que encenam, Putin é a própria realpolitik russa. Mas, também, essa diferença oculta uma ameaça mortífera.

quarta-feira, fevereiro 02, 2022

Todo adolescente é um alien na série 'Nada é o que Parece Ser'


Quando nos deparamos com uma produção audiovisual nórdica sobre adolescentes, temos que prestar melhor atenção. Ao contrário dos congêneres hollywoodianos, centrados em dramas escolares com valentões, bullying e “losers” ansiando pela aceitação no grupo, filmes e séries nórdicas elevam os temas “teens” ao existencial e aos dramas da própria espécie humana. A série Netflix dinamarquesa “Nada É o que Parece Ser” ("Chosen", 2022- ) mantém esse tom ao se filiar ao sub-gênero indie “alt.sci-fi”: os temas da ficção científica são apenas pano de fundo para discutir as questões que cercam a adolescência: identidade, gênero, sexo, autoconhecimento etc. Um meteorito caiu numa pequena cidade há 17 anos e se transformou numa atração turística. Jovens acreditam que tudo é uma conspiração para esconder aliens que ali moram, confundindo-se com humanos. Jovens que encarnam a narrativa mítica de Detetives e Estrangeiros, tanto no cinema quanto na literatura. Afinal, todo adolescente já parece se sentir como um alienígena nesse mundo.

quarta-feira, janeiro 05, 2022

A incerteza do detetive gnóstico e pós-moderno na série 'Gente Ansiosa'


Conan Doyle e Agatha Christie criaram os detetives arquetípicos da Modernidade: Sherlock Holmes e Hercule Poirot: embora conhecedores da natureza humana, tratam a investigação como uma ciência exata - lógica e raciocínio. Porém, a descoberta do princípio quântico da incerteza do observador, mais do que uma descoberta da Física, impactou a cultura do século XX. E, principalmente, a figura literária do Detetive: a tentativa de solucionar um enigma sempre se volta para ele mesmo. O Detetive sempre será também uma peça do mistério que tenta solucionar. A série Netflix sueca de humor negro “Gente Ansiosa” (Folk Med Ångest, 2021) é mais um exemplo desse Detetive pós-moderno e gnóstico, cuja solução de um enigma (um assalto frustrado que terminou com reféns improváveis) passa pela compreensão de uma ferida psíquica da juventude de um obsessivo investigador da polícia.

quinta-feira, dezembro 30, 2021

'Matrix Resurrections' faz narrativa cyberpunk em abismo respondendo a crítica e extrema-direita


Três coisas incomodaram as irmãs Wachowski após a “Trilogia Matrix” (1999-2003): a crítica frontal do pensador francês Jean Baudrillard (uma das fontes de inspiração da Trilogia) de que “Matrix é o filme que a Matriz teria sido capaz de produzir”; a apropriação da extrema-direita dos simbolismos de “Matrix”; e as intromissões da Warner Bros na produção do filme. Por isso, Lana Wachowski retomou para si a narrativa de Matrix na continuação “Matrix Resurrections” (2021), não só recriando o clássico universo cyberpunk, mas tornando-o ainda mais complexo na chamada "narrativa em abismo": muita metalinguagem e autorreferências: um filme dentro de um game de computador criado pela empresa que na verdade é o estúdio que produziu o filme que assistimos. Além de atualizar a mitologia gnóstica original (do CosmoGnóstico ao PsicoGnóstico), Lana fugiu da crueza esquemática de 1999 (Matrix versus deserto do real) para mergulhar na complexidade do mix hiper-real da ficção com a realidade. Incorporou as críticas de Baudrillard, além de tentar blindar o filme de quaisquer apropriações reacionárias através de uma narrativa ambígua. 

quarta-feira, dezembro 22, 2021

Extrema-direita é a tradução política da ética sobrevivencialista em 'O Declínio'




Antoine vive a obsessão de salvar a si mesmo e sua família de algum tipo de catástrofe que virá: crise econômica, invasão de refugiados climáticos, tirania de algum governo totalitário comunista ou do “Estado profundo” etc. Assiste a um canal de um youtuber ultradireitista que faz vídeos que são tutoriais de técnicas de sobrevivência para uma futura catástrofe. Decide fazer um curso de final de semana com o youtuber em um remoto centro de treinamento nas montanhas geladas do Quebec com uma meia dúzia de participantes, todos armados até os dentes. Essa é a produção franco-canadense Netflix “O Declínio” ("Jusqu'au Déclin", 2020), que é mais do que um olhar irônico ao fetiche por armas e autodefesa. Mas, principalmente, como a atual extrema-direita tornou-se a tradução política da chamada “ética do sobrevivencialismo”, forma de resignação em relação futuro através do individualismo e despolitização.

sexta-feira, dezembro 17, 2021

A desconstrução da mitologia política e masculina do cowboy em 'Ataque dos Cães'


Um homem coberto de sujeira da cabeça aos pés que encarna um personagem em crise masculina. Ele tem uma necessidade constante de provar que é o líder mais rude e duro dentro de uma estufa masculina de cowboys. Provavelmente para ocultar sua adoração e afeição pelo homem que o ensinou muito mais do que montar um cavalo. “Ataque dos Cães” ("The Power of the Dog", 2021, disponível na Netflix), de Jane Campion, mostra a melhor atuação de Benedicte Cumberbatch na sua carreira representando um personagem que desconstrói não apenas a si mesmo. Mas toda a mitologia do cowboy e do Western cinematográfico. O filme começa com todos os ingredientes do gênero, para lentamente se transformar em um gótico americano sombrio, ecoando a atmosfera hitchcokiana de “Psicose”. 

terça-feira, dezembro 07, 2021

'A disputa de Natal': documentário sobre o Natal 'alt-right' do passado que jamais existiu


Jeremy Morris acredita que tem uma missão: compartilhar o “espírito do Natal” com o maior número de pessoas possível. Por isso, todo ano transforma sua casa num enorme presépio com camelo, coral de 35 vozes, milhares de lâmpadas e inúmeras bugigangas festivas que atrai milhares de turistas. Nem que seja ao custo de uma batalha judicial (marcada pelo "lawfare" de Jeremy Morris - ele é advogado) contra a Associação de Moradores que viu um subúrbio residencial pacato virar uma caótica atração das festas de final de ano. Uma batalha que atraiu a simpatia de grupos de extrema-direita que viram em Morris um herói que lutava contra a intolerância religiosa de... comunistas e ateus! Esse é o documentário Apple TV+ “A Disputa de Natal” (“Twas The Fight Before Christmas”, 2021), um microcosmo que mostra como a América Profunda fez emergir o fenômeno alt-right do Trumpismo, depois irradiado para todo o planeta. Principalmente pela hiper-realidade midiática que enxerta a nostalgia de um passado que jamais existiu.

quarta-feira, novembro 24, 2021

"Noite Passada em Soho": por que temos saudades de épocas que não vivemos?



Por que a nostalgia pós-moderna nos domina? Cada geração sempre tem saudades de épocas que não foram vividas, como se para obtermos alguma sensação de futuro precisássemos roubá-la do passado. “Noite Passada em Soho” (“Last Night in Soho”, 2021) até parece se alinhar a outros filmes que desconstruíram essa nostalgia do “futuro do passado” como “Meia Noite em Paris” (2011), de Woody Allen, ou “La Belle Époque” (2019) ao acompanhar uma jovem interiorana obcecada pela “swinging London” dos anos 1960 e que vai para Londres estudar design de Moda. Na medida em que o drama romântico começa a mergulhar no terror (sonhos lúcidos de viagem no tempo ao Soho dos 60’s começam a se fundir com a realidade trazendo seus fantasmas), o filme acaba caindo no plot do conto de amadurecimento por transgressão e punição – quebra-da-ordem-e-retorno-a-ordem.

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