sábado, junho 30, 2012
O sentido do lazer e o lazer sem sentido no curta "Leisure"
sábado, junho 30, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O curta australiano de
animação premiado com o Oscar “Leisure” (1976) e o filme italiano “A Classe
Operária Vai ao Paraíso” (1971) foram repercussões audiovisuais das discussões
da chamada “New Left” (Nova esquerda) nos anos 1960-70 quando, diante do enfraquecimento do movimento operário no capitalismo avançado, sentiu a necessidade de
politizar o “lazer” como a resultante da dominação do tempo livre pela
indústria do entretenimento. Ambos os filmes exploram a situação paradoxal onde
trabalho e lazer ao mesmo tempo se opõem e tornam-se semelhantes.
Muito tempo antes de se falar em “ócio criativo” e as
conexões entre lazer e ócio na sociedade pós-industrial, um curta de animação
era premiado em 1976 antecipando essas discussões. É o curta
chamado “Leisure” do animador e cartunista político australiano Bruce Petty,
premiado com Oscar de melhor curta de animação. Depois o filme ganhou vários
prêmios em festivais internacionais de cinema.
O estilo de animação lembra muito a dos filmes do grupo
inglês de humor Monty Python. O filme traça a trajetória do lazer ou tempo
livre desde a pré-história, mais precisamente a partir do momento em que o
aprimoramento do pensamento racional resultou em uma divisão nas sociedades
humanas entre dois grupos: os que ficam sentados sonhando e resolvendo problemas
e os que ficam em pé trabalhando. Elite e trabalhadores. Esses que ficam
sentados começam a produzir arte e cultura para consumo próprio: surge o
“lazer”.
Com o Iluminismo e a formulação dos direitos e a igualdade
humana, esses trabalhadores são levados para dentro do universo do lazer por
meio da industrialização do entretenimento. Com a popularização da eletricidade
desenvolve-se a indústria de massa de entretenimento nos grandes centros
urbanos o que trará um resultado paradoxal: lazer e trabalho serão
experimentados simultaneamente como opostos e semelhantes – o primeiro mais
prazeroso do que o segundo e as formas de lazer e do próprio estilo de vida nos
centros urbanos serão tão passivos e sem imaginação quanto o trabalho
rotinizado.
quinta-feira, junho 28, 2012
A crise da utopia espacial no curta "Waltz For One"
quinta-feira, junho 28, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Enquanto EUA e URSS
disputam a corrida espacial dos anos 1960, um excêntrico milionário financia
sua própria viagem espacial buscando quebrar o recorde de permanência solitária
em orbita da Terra. Mas um irritante “beep” de mau funcionamento do sistema
somado à claustrofobia e delírio no interior de uma minúscula cápsula ameaçam a
missão. Esse é a sinopse do curta “Waltz For One” (“Valsa para Um”, em uma tradução literal) lançado
esse mês pelo coletivo de artistas “Intellectual Propaganda” que é muito mais
do que uma paródia a clichês e filmes do gênero (entre eles, “2001” de Kubrick):
é uma melancólica desconstrução do gênero ficção científica, enfraquecido na
pós-modernidade porque perdeu a própria essência que o constituía: a visão
confiante e utópica no futuro. Veja o curta no final desse post.
Em uma alternativa década de 1960, enquanto americanos e soviéticos
se engalfinhavam em uma competição política pela conquista da vanguarda na
corrida espacial, um excêntrico milionário chamado Arthur Whitman procura por
sua própria conta a glória estelar. Através de uma viagem espacial
autofinanciada, Whithman pretende quebrar o recorde de permanência no espaço ao
tentar ficar em órbita da Terra por uma semana, solitário em uma claustrofóbica
cápsula.
Cair nas profundezas do espaço já é perigoso o suficiente,
ainda mais solitário e ainda mais quando as coisas começam a dar errado: no
meio da tensa contagem regressiva das horas pelo painel da cápsula em seu teste
de resistência, Whitman perde diversas vezes contato com a base e um irritante
aviso sonoro de mau funcionamento do sistema toca continuamente. Whitman mal
consegue se mexer ou respirar na apertada cápsula.
segunda-feira, junho 25, 2012
A privatização das relações humanas no filme "Amor Por Contrato"
segunda-feira, junho 25, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Mesmo confinado dentro dos limites de um gênero hollywoodiano, "Amor Por Contrato" (The Joneses, 2009) tematiza o resultado de táticas híbridas de publicidade que cruzam conceitos como de "marketing invisível" e "reality show": a privatização das relações humanas. Influenciar "alvos" sem parecer ser uma informação comercial por meio de "agentes" ("trendsetters", atores ou perfil fake), o chamado "marketing invisível" exploraria o endosso da credibilidade e autenticidades das relações pessoais em uma época onde os consumidores cada vez menos confiam na publicidade tradicional.
Leia essas duas afirmações abaixo:
(a) “Já estamos cansados de atores com
emoções falsas. Cansados de pirotecnias e efeitos especiais. Aqui não há
roteiros. Não é sempre um Shakespeare, mas é genuíno. É uma vida. Para mim,
vidas particular e pública são iguais. É tudo verdade, tudo real, nada aqui é
falso”
(b) “Sem colocar o produto na vida
real, não há marketing invisível que possa ajudar. Você verá pessoas reais
sendo patrocinadas por companhias. Elas não são superstars, mas pessoas comuns,
e isso será barato, efetivo e com mais credibilidade”
A afirmação (a) pertence ao mundo da ficção e a (b) ao mundo
real. Na primeira afirmação temos a fala de abertura do filme “Show de Truman”
onde Christoff, o produtor de um gigantesco reality show, justifica o programa;
e na segunda afirmação, temos a fala de Jonathan Ressler, pioneiro da
estratégia de “marketing invisível”. Apesar das afirmações provirem de mundos
diferentes, o leitor percebeu a semelhança entre elas?
Tanto e (a) quanto em (b) temos exemplos de “privatizações”
de relações humanas. A diferença está na escala: em Show de Truman, Christoff
privatiza a vida de um indivíduo (confina Truman em um “reality show desde o
seu nascimento) para conseguir audiência de TV; enquanto em (b) temos uma
estratégia de privatização de relações humanas em larga escala por meio de
redes sociais e relações sociais face-a-face para o lucro de empresas e
corporações.
Assistindo a uma revista de notícias na TV, Derrick Borte
(um artista plástico que virou jornalista e depois virou produtor e diretor de
comerciais) viu uma matéria sobre “marketing invisível”: pessoas não sabiam que
turistas mostrando uma nova câmera casualmente em abientes públicos ou uma
menina bonita pedindo determinada marca de vodka em um bar eram atores
contratados para expor produtos a clientes em potencial. Somado ao seu fascínio
por “reality shows”, Borte acabou tendo a ideia do roteiro e dirigiu o filme
“Amor por Contrato”, o seu primeiro filme.
quinta-feira, junho 21, 2012
Os deuses estão mortos no filme "Prometheus"
quinta-feira, junho 21, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
A crítica especializada e os fãs de sci fi e da franquia de filmes “Alien” têm se demonstrado decepcionados com “Prometheus” (2012) onde Ridley Scott retorna ao gênero que o consagrou. Todos procuraram nesse filme as explicações para o que se sucedeu antes da chegada da nave Nostromo naquele planeta perdido onde a morte estava à espreita no clássico “Alien” de 1979. Mas parece que Ridley Scott pregou uma peça em todos. “Prometheus” aproxima-se muito mais dos temas do outro clássico “Blade Runner” (1982) que também dirigiu: assim como o replicante Roy buscava seu criador em uma sombria Los Angeles, em “Prometheus” arqueólogos procuram os “Engenheiros” da humanidade. Como em “Blade Runner”, humanos e androides vão encontrar demiurgos tão desiludidos quanto eles mesmos. Descobrirão isso da pior maneira possível.
terça-feira, junho 19, 2012
Edgar Allan Poe, a tortura e a ditadura militar
terça-feira, junho 19, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Dando sequência às adaptações dos contos de Edgar Allan Poe realizadas pelos alunos da disciplina
Estrutura de Roteiro da Escola de Comunicações da Universidade Anhembi Morumbi,
temos o vídeo “Somos Todos Filhos de Deus”. Inspirado na música “Deus lhe Pague”
de Chico Buarque, transpõe o terror e delírio do protagonista do conto “O Poço
e o Pêndulo” para os porões da tortura durante os “anos de chumbo” da ditadura
militar brasileira. O vídeo consegue captar dois elementos universais do conto
de Allan Poe: a manipulação do tempo e espaço como técnica histórica nas torturas
e inquisições e o simbolismo metafísico do poço, que o autor norte-americano
apenas sugere no conto, mas o vídeo vai explorar até as últimas consequências.
O conto “O Poço e o Pêndulo” do escritor norte-americano
Edgar Allan Poe é um típico exemplo clássico do estilo gótico e de terror
psicológico no qual era mestre. Ao contrário dos demais autores que se
concentrava no terror externo, Poe prestava atenção ao terror originado no
interior do próprio protagonista. Como era do seu estilo, o conto inicia com
uma descrição objetiva de tempo e espaço que vai, aos poucos, misturando-se com
o delírio e terror da gradiente de sentidos do personagem (visual e auditivo no
caso desse conto). Tempo e espaço objetivos misturam-se com tempo/espaço
psicológicos.
“O Poço e o Pêndulo” narra o julgamento e a condenação de um
rebelde que, após receber a sentença dos inquisidores, é atirado inconsciente
em um calabouço onde sofrerá diversas torturas físicas e psicológicas. Ao
tentar reconhecer o lugar onde estava se depara com um poço que lhe desperta os
mais terríveis pressentimentos quanto ao seu destino naquela cela.
domingo, junho 17, 2012
Reflexões sobre um filme da Sessão da Tarde
domingo, junho 17, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Uma cidadezinha chamada Redbud tenta imitar os personagens e cenários das famosas capas da revista "The Saturday Evening Post" feitas pelo conhecido ilustrador Norman Rockwell. Objetivo: transformar a cidade num cartão postal para atrair incautos compradores de uma fazenda. "Uma Fazenda do Barulho" (Funny Farm, 1988) é uma das típicas comédias românticas de Sessão da Tarde da TV, mas encontramos na sua narrativa uma sequência antológica que apresenta de forma hilária e sintética todas as discussões acadêmicas sobre a contaminação da realidade pelos simulacros e hiper-realidade da civilização das imagens. Redbud tenta tornar-se nostálgica de uma época que jamais existiu.
“Uma Fazenda do Barulho” é uma dessas comédias românticas
que passavam nas sessões da tarde da TV brasileira. O ator Chevy Chase, famoso
na TV americana trabalhando no “Saturday Night Live” durante os anos setenta,
já era um astro que tentava repetir com esse filme o sucesso de “Férias
Frustradas”. Mas acabou sendo um fracasso, embora dirigido por George Roy Hill
de “Butch Cassidy” e “Golpe de Mestre”.
Porém, em “Uma Fazenda do Barulho” há uma sequência ao mesmo
tempo hilária e antológica onde, para tentar desesperadamente atrair
compradores para sua fazenda, o casal de potagonistas Andy (Chevy Chase) e Elizabeth (Madolyn Osborne) elabora
um irônico plano baseado no hiperrealismo das ilustrações do famoso artista
plástico Norman Rockwell, autor das célebres capas da revista norte-americana
“Saturday Evening Post” (veja video abaixo). Essa sequência acabou tornando-se um didático exemplo
para ilustrar as discussões acadêmicas em torno dos conceitos de “simulacro” e
“hiper-realismo” e como, na prática, essas noções invadem o cotidiano.
quinta-feira, junho 14, 2012
Uma Disneylândia mortal no filme "Westworld"
quinta-feira, junho 14, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Uma Disneylândia hightech para adultos milionários onde todos podem realizar suas fantasias de sexo e violência. Reproduções de mundos do passado habitados por ciborgues programados para serem assassinados ou seduzidos. Do mesmo autor do livro "Jurassic Park", o filme "Westworld - Onde Ningém Tem Alma" (1973) de Michael Crichton parece prenunciar a necessidade ideológica de um mundo onde os parques temáticos esconderiam a infantilidade que já estaria em toda parte. Coincidentemente, esse clássico surge dois anos depois da inauguração da Walt Disney World nos EUA e do "Nixon Shock", conjunto de decisões do então presidente que criaram as bases da transformação do mundo financeiro em um verdadeiro cassino.
“Westworld”, onde nada pode dar errado... exceto quando uma
estranha forma viral de erro na programação das máquinas começa a produzir
disfunções generalizadas no parque e, gradualmente, os ciborgues começam a
adquirir autonomia e passam a se vingar dos milionários turistas. Todos liderados
por um insólito Yul Brynner robótico que revive seu famoso personagem pistoleiro
do filme “Sete Homens e Um Destino” (1960) e que persegue obsessivamente um dos
turistas com sede de vingança.
sábado, junho 09, 2012
Edgar Allan Poe Gnóstico: os vídeos
sábado, junho 09, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Vamos dar início a uma série de postagens com vídeos produzidos pelos meus alunos
da Disciplina Estrutura de Roteiro da Escola de Comunicação na Universidade
Anhembi Morumbi. Foi proposto para eles o seguinte desafio: fazer roteiros literários livremente
adaptados de contos do escritor norte-americano Edgar Allan Poe. Porém,
deveriam manter o núcleo do argumento, ou seja, as atmosferas góticas e reflexões
metafísicas e gnósticas do autor. Esses são os primeiros vídeos resultantes desses roteiros.
Edgar Allan Poe (1809 - 1849) foi o primeiro escritor do continente
americano a influenciar os rumos da literatura para além do seu país. Se Freud
ao visitar os EUA e avistar a Estátua da Liberdade teria dito “não sabem que
estamos lhes trazendo a peste”, um século antes Allan Poe já havia contaminado
o mundo com o seu gótico “impulso pelo perverso” cuja psicanálise é um dos seus
frutos.
Seus contos e poemas estão repletos de uma metafísica
gnóstica: um dualismo radical que vê a alma como aprisionada na materialidade
do mundo como uma prisão e a única forma de escapar é através de um supremo ato
de autoconhecimento, a gnose. Daí o fascínio de Allan Poe por personalidades
divididas, pela Queda, desamparo, saudades, latência, dormência, intoxicação.
Seus relatos sempre começam como relatos sóbrios e verídicos
que logo mergulham em atmosferas de horror crescente até adquirir tons
fantásticos e metafísicos. Allan Poe tinha o talento para descrever situações
intoleráveis onde sua clareza analítica revelava o prazer mórbido do autor em
se aprofundar nas origens dos impulsos da natureza humana e na sua condição de
estrangeira ou de exilada em um mundo cujo Deus é o do Abismo.
quinta-feira, junho 07, 2012
A controvérsia dos games violentos
quinta-feira, junho 07, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Você joga games? Não?
Então, como quer criticá-los”, defendem-se os usuários de jogos por computador
diante das velhas e moralistas críticas de pesquisadores ainda presos a
conceitos como “influência”, “comportamento” e “efeito subliminar”. Ambos os
lados da controvérsia em torno dos games violentos não conseguem se
desvencilhar de duas armadilhas que travam o debate: de um lado a defesa
reflexa do “gosto não se discute” e, do outro, críticas ainda presas a modelos
mecanicistas e comportamentais de comunicação. Uma pesquisa realizada por
alunos da Escola de Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi (UAM/São Paulo)
a partir de uma enquete feita com desenvolvedores de jogos e especialistas na
área de sociologia e psicologia apontou para um enfoque alternativo a essa
controvérsia: o problema dos games violentos não estaria na “influência” mas na
alteração cognitiva da percepção da realidade.
Na controvérsia em torno da suposta influência em jovens e
adolescentes dos games de computador violentos, ambos os lados apresentam
argumentos ou como mecanismos de defesa ou com modelos científicos defasados
que ainda tentam hoje aplicar em mídias digitais e interativas.
De um lado os usuários de games. Tente articular algum
pensamento mais crítico a respeito e logo ouvirá a pergunta: “Você joga games?
Não! Então, como quer criticá-los”. Essa defesa reflexa faz lembrar a mesma
reação que jornalistas tiveram quando o sociólogo francês Pierre Bourdieu
lançou o livro “Sobre a Televisão” com precisas e cortantes críticas ao campo
jornalístico: “Como Bourdieu pode nos criticar, ele não é jornalista!”, diziam
a maioria dos jornalistas à época. É como se diante desse espírito
corporativista fosse impossível qualquer pensamento científico ou crítico a
partir de fora.
Do outro lado, os pesquisadores com os velhos modelos
científicos de comunicação baseados em noções como os de “influência”,
“comportamento”, “efeito subliminar” etc.
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