sábado, novembro 30, 2019

A tecnologia toma o lugar do sobrenatural no gótico norte-americano em "The Room"


O gênero Gótico tem suas origens no Velho Mundo europeu com seus castelos e masmorras de sociedades que desapareceram. Já o gótico norte-americano é um interessante subgênero originado numa sociedade puritana que produziu ficções em torno de culpa, pecado original, abominações humanas decorrentes da miscigenação racial, incesto etc. E ainda mais interessante quando um filme desse subgênero é escrito e dirigido por um olhar europeu. Esse é o filme franco-belga “The Room” (2019): cansado de viver em Nova York, um jovem casal muda-se para um casarão vitoriano no interior de New Hampshire. Lá encontrarão não o sobrenatural, mas o horror produzido por uma misteriosa tecnologia por trás das paredes daquele casarão, capaz de materializar qualquer desejo que for dito. Mas, como em todo conto fantástico há um alerta: “A única coisa mais perigosa do que alguém que não consegue o que quer, é uma pessoa que possa ter tudo o que quiser”. Filme sugerido pelo nosso colaborador Felipe Resende.

quarta-feira, novembro 27, 2019

O Chile é aqui: Bolsonaro e grande mídia inflam o balão de ensaio da esquerda nas ruas


“Esquerda pode pegar nas armas”... “alguma resposta terá que ser dada”... “se a esquerda radicalizar?”... “novo AI-5”... Mas quem falou que as esquerdas secretamente planejam tomar as ruas? Logo agora que os movimentos sociais estão enfraquecidos e desorganizados? Logo agora que a esquerda está dividida e o povo apático, apenas de olho nos aplicativos para fazer seus corres e ver se o ano termina? O clã Bolsonaro e o super ministro Paulo Guedes se dizem preocupados com uma possível contaminação do Brasil pelos protestos do Chile, Equador e Colômbia. Mas na verdade estão morrendo de inveja: simplesmente, a inércia, passividade e a incapacidade da esquerda em mobilizar as ruas estão incomodando Bolsonaro. Ele precisa urgentemente de um oponente, uma crise, uma situação de urgência para mobilizar seu núcleo duro de fundamentalistas. Principalmente quando o dólar dispara e a grana dos fundos de investimentos estrangeiros fogem do País. Por isso a grande mídia começa a inflar o balão de ensaio dos Bolsonaros – eles anseiam um incêndio do Reichstag que justifique o punho de ferro sobre as instituições democráticas. É a economia, estúpido! 

segunda-feira, novembro 25, 2019

Temporada final de "The Man in The High Castle": a banalidade do Mal e os mundos quânticos


Mundos paralelos quânticos nos quais encontramos as melhores versões de nós mesmos e a permanência da estrutura que reproduz a banalidade do Mal, não importa o mundo ou o governo que ocupe o Estado. Com esses temas a série da Amazon “The Man in The High Castle” amarra a narrativas das três temporadas anteriores e encerra com o episódio final “Fire from the Gods”. Baseada no livro homônimo no escritor gnóstico sci-fi Philip K. Dick, a série figura um mundo alternativo no qual o Terceiro Reich e o Império Japonês ganharam a Segunda Guerra Mundial e mudaram a face da História. Mas há um fantasma que assusta os vencedores e inspira a Resistência: a descoberta da existência de mundos quânticos paralelos onde a História foi diferente e encontramos nossas próprias versões alternativas que tomaram decisões diferentes. Mas há algo que permanece: nossas almas permanecem prisioneiras na banalidade do Mal. 

quarta-feira, novembro 20, 2019

Curta da Semana: "Animal Behaviour" - animais humanizados, sociedade animalizada


Estamos em mais uma sessão semanal de psicoterapia. Só que ao invés de humanos, encontramos animais atormentados por obsessões, compulsões, culpa, agressividade e ansiedade. E o terapeuta é o Dr. Clement, um cão que conseguiu sublimar muitos impulsos instintivos como, por exemplo, cheirar o traseiro de outros cachorros. Até que chega um novo paciente: um macaco agressivo e antissocial que irá inverter todos os papéis daquela sessão. Esse é o curta de animação, indicado ao Oscar desse ano, “Animal Behaviour” (2018) – uma narrativa em tom adulto de uma fórmula que o selo Disney/Pixar explora costumeiramente em suas animações: a antropomorfização dos animais. Porém aqui os animais funcionam como o nosso reflexo invertido: enquanto humanizamos os animais, animalizamos os distúrbios psíquicos na sociedade.

sábado, novembro 16, 2019

Bike elétrica é a resposta neoliberal à resistência do ciclismo


Inconformismo, revolta, veículos de libertação da tediosa rotina diária, liberdade... Essas são as representações mais comuns que o cinema faz sobre as bicicletas. Principalmente porque as bikes andaram, por assim dizer, na contramão da modernidade industrial: recusou-se a ser transformada em máquina, mantendo-se como ferramenta cuja fonte de energia e equilíbrio é exclusivamente o corpo humano. As bikes resistem à queda de braço do controle do Tempo entre Capital e Trabalho. Porém, vemos agora bikes elétricas circulando por ruas e ciclovias. Com a expansão da solução ciclística como resposta à crise neoliberal urbana (concessão privada dos transportes e colapso do transporte individual automobilístico), o neoliberalismo contra-ataca ao se apropriar de um veículo que resistia ao imaginário maquínico – com a motorização elétrica, as bicicletas se rendem ao ritmo do trabalho, ao sedentarismo e parasitismo humano tecnológico, ao mito da energia limpa ecologicamente correta e ao consumo bárbaro como símbolo de distinção e prestígio social

quinta-feira, novembro 14, 2019

O que Roland Barthes diria sobre Lula versus Bolsonaro?


Dentro da guerra simbólica, a libertação de Lula foi semioticamente perfeita: refez de maneira inversa o trajeto que o levou à prisão do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo a Curitiba no ano passado. Mas enquanto Lula falava para os convertidos, a grande mídia começou a contra-atacar para a maioria silenciosa, no seu habitual modo alarme: analistas começaram a alertar para os perigos da “radicalização” e “polarização” que representa a volta de Lula ao jogo. Está no início a criação de uma cilada simbólica que o semiólogo francês Roland Barthes chamava de “mitologia da crítica Nem-nem” ou “ninismo”. Colocar Bolsonaro e Lula num mecanismo de dupla exclusão – reduzir a realidade histórica a uma polaridade simples, quantificar o qualitativo em uma dualidade e equilibrar um com o outro, de modo a rejeitar os dois. Qualificar ambos através de palavras com culpabilidade prévia. Mas também está em início uma revolução semântica nos telejornais para despolitizar a política, preparando a chegada da conclusão do silogismo “Nem-nem”, depois que as premissas Bolsonaro e Lula mutuamente se excluírem: o paradigma Luciano Huck.

quarta-feira, novembro 13, 2019

O estranho mundo crepuscular que envolve os vivos em "O Fantasma da Sicília"


Em 1993 um jovem de 14 anos foi sequestrado pela Máfia siciliana como resposta ao seu pai, ex-membro da organização criminosa, que passou a delatar companheiros para a polícia. “O Fantasma da Sicília” (“Sicilian Ghost Story”, 2017) traz ao cinema essa história de uma forma inusitada, misturando a realidade brutal com fantasia onírica: elementos de romance adolescente, psicodrama gótico, fantástico e suspense político. A namorada do jovem estranha porque todos naquele vilarejo (da polícia local aos colegas de escola) são complacentes com o sequestro. Então ela passa a procura-lo não só no mundo físico, mas também com os olhos da mente. “O Fantasma da Sicília” abre para o espectador um estranho mundo crepuscular que envolve o mundo dos vivos: onde o mundo onírico se encontra com o plano astral. 

domingo, novembro 10, 2019

O "lixo branco" Ocidental na série "The End of the F***ing World"


Filmes e series cada vez mais estão escolhendo o “White Crap” Ocidental como anti-herois: o “lixo branco” – depois de negros, hispânicos e imigrantes terem sido explorados até o bagaço, agora é a vez dos brancos caucasianos, filhos de uma classe média que acreditou no sonho que deu errado. São niilistas, ressentidos e cheios de raiva. Esperando apenas que o mundo acabe ou que apareça algum tipo de botão “eject”. Essa é a série Netflix “The End of the F***ing World” (2017-): um jovem tem certeza de que é um psicopata. E escolhe como vítima de estreia uma garota da escola, tão ou mais niilista e cínica que ele. Também à espera do fim do mundo para acabar com uma vida suburbana medíocre. Surge uma improvável estória de amor. Uma espécie de Romeu e Julieta pós-moderna que evolui para Bonnie e Clyde, com assassinatos e fugas. Jovens que vivem numa espécie de “Nowhere” psíquico sem um plano: não querem ficar onde estão, e muito menos chegar a parte alguma.

sábado, novembro 09, 2019

Irrealidade midiática cotidiana: onda de protestos no mundo e o fiasco do leilão que deu certo

Dois didáticos episódios para dissecar as operações semióticas do atual jornalismo corporativo: a cobertura dos protestos no Chile e do megaleilão do pré-sal. No primeiro, tenta-se encaixar a grave crise social chilena no script da “onda de protestos pelo mundo”: Hong Kong, Jordânia, Líbano e... Quito, Chile. Propositalmente misturando Revolução Popular Híbrida (RPH) com protestos genuínos – operação semiótica de “naturalização” para dissimular o significado politico bem diferente dos protestos sul-americanos. E o megaleilão do pré-sal: de um lado, a esquerda e mercado petroleiro falando em “fiasco”; e do outro a grande mídia falando em sucesso do “maior leilão do mundo”. Um “fiasco” muito bem-sucedido dentro da guerra semiótica criptografada: jogar com informações dissonantes para esconder o objetivo mais sombrio do mercado internacional que financiou a guerra híbrida brasileira: não colocar mais um centavo no País para, pacientemente, esperar a hora da xepa. 

quarta-feira, novembro 06, 2019

Os sinistros arquétipos dos hospitais em "Fratura"

Ao lado de parques de parques de diversões, hospitais e suas variações (asilos, manicômios e enfermarias) são um dos principais “locus” de ação nos filmes de terror ou thrillers. Assim como os parques de diversões, hospitais também perpetuam arquétipos das suas origens medievais brutais e violentas. A produção Netflix “Fratura” (Fractured, 2019) é mais um filme que renova essa mitologia, acrescentando a paranoia contemporânea, típico traço das sociedades burocratizadas cujos propósitos fogem do nosso controle. Pais desesperados levam sua pequena filha com suspeita de fratura a um hospital. Lá, mãe e filha desaparecem. Ninguém lembra da entrada delas no hospital enquanto o pai suspeita de que está ocorrendo algum tipo de conspiração. Ou ele está enlouquecendo? Mais uma sugestão do nosso onisciente colaborador Felipe Resende. 

domingo, novembro 03, 2019

O terror e o mal vêm de nós mesmos em "Midsommar: O Mal Não Espera a Noite"


Um relacionamento que se desintegra em dor, culpa e ressentimento no meio de um festival pagão de nove dias de sagração ao solstício do verão e à fertilidade, num vilarejo remoto no interior da Suécia. Como o terror se manifestaria em meio a tanto sol, brilho e cores de um campo aberto com flores campestres alucinógenas, festa, dança com homens e mulheres em túnicas brancas de linho cantando e tocando flautas? Esse é o “terror pastoral” (“folk terror”) do diretor e escritor Ari Aster ("Hereditário") no seu novo filme “Midsommar: O Mal Não Espera a Noite”, 2019. A ambição de Aster é criar um novo subgênero no terror: o Mal que vem à tona de dentro de nós mesmos, na incomunicabilidade dos relacionamentos, fazendo aflorar o nosso mal-estar diante da própria civilização, da morte, alteridade e do outro. E, quando determinados eventos convergem, encontramos o horror. 

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