sexta-feira, agosto 30, 2024
O obscuro objeto da sexualidade em 'Sexo, Mentiras e Videotape'
sábado, agosto 24, 2024
Os Três Cavaleiros do Apocalipse pós-moderno no terror 'Oddity'
Discutir sobre a natureza da pós-modernidade implica falar sobre os chamados “Três Cavaleiros do Apocalipse”: Nietzsche, Marx e Freud – aqueles que tiraram a centralidade da Razão e colocaram no lugar, respectivamente, o demasiado humano, o peso do legado do passado e o inconsciente. O thriller irlandês de terror “Oddity” (2024) transforma essas armas do Apocalipse em um conto sobrenatural com um atrevido humor negro no qual a racionalidade científica se opõe ao sobrenatural e o Oculto. O confronto entre um médico psiquiatra de comanda um hospital psiquiátrico com criminosos dementes e uma sensitiva proprietária de uma loja de antiguidades que vende objetos amaldiçoados. Razão vs. sobrenatural na elucidação de um assassinato que expõe o destino da Razão: transformar-se em “racionalização”, isto é, em álibi para o demasiado humano.
quinta-feira, junho 27, 2024
'Divertida Mente 2' ou por que o coaching está em alta no mercado da felicidade
Em 2015, o argumento de Divertida Mente surgiu de uma conversa entre um animador e roteirista da Pixar com um professor de Psicologia da Universidade da Califórnia. Conversavam sobre seus filhos: como quando crescem há uma queda vertiginosa da felicidade e o aumento do medo e da ansiedade. “Divertida Mente 2” (Inside Out 2, 2024) vai além, transformando em animação o modelo cognitivo da inteligência emocional dominante. A animação Pixar reflete um novo tipo de conformismo: não o de seguir a regra certa, mas o do conformismo ansioso por tentar se adaptar ao meio social através de mapas emocionais ambíguos, esotéricos, enigmáticos. Assistir às emoções lutando pelo console da mente da protagonista ajuda a compreendermos por que o coaching motivacional está em alta no mercado da felicidade.
sexta-feira, março 15, 2024
'Beau Tem Medo': o adulto é uma criança crescida em um Édipo arrasado
Nascemos pelados, sem nenhum pelo no corpo, desdentados, descoordenados, meio cegos, pensamentos confusos e nos sentindo afogados até os pulmões começarem a funcionar através do nosso próprio grito de terror. Chegamos a esse mundo com medo e vamos embora também com medo. Tudo isso é descompactado nas três horas do humor negro surreal de “Beau Tem Medo” (Beau is Afraid, 2023) do diretor/roteirista Ari Aster (“Hereditário”, “Midsommar”). Joaquim Phoenix faz uma odisseia épica de seu apartamento solitário (em um bairro assustador com crimes à luz do dia) para uma visita a sua mãe no dia do aniversário da morte de seu pai. É o gatilho que faz disparar medo e ansiedade, além da culpa edipiana de um homem na meia idade. Ameaças e perigos pulam por todos os lados. Metáforas de uma consequência freudiana: o adulto não passa de uma criança crescida, carregando medos e culpas de um Édipo arrasado.
quinta-feira, março 07, 2024
A imortalidade de uma divindade hedonista enlouquecida em 'Divinity'
O que aconteceria com uma sociedade cuja tecnociência descobrisse a droga da imortalidade? Do corpo, não da mente, que continuaria em seu natural processo de envelhecimento. Resultado: o ser humano se tornaria uma divindade hedonista e enlouquecida através do poder fálico eterno proporcionado por uma droga vendida como produto para poucos em comerciais na TV. “Divinity” (2023) é uma estranha ficção científica em p&b, uma alegoria enigmática de horror corporal com uma estética que faz homenagem ao expressionismo alemão de Fritz Lang. Sobre a descoberta da imortalidade que, de alguma forma, prejudicará o equilíbrio cósmico. Que fará o acerto de contas contra o cientista inventor do elixir. Um filme estranho para cinéfilos aventureiros.
sábado, janeiro 06, 2024
Culpa e fúria nos 40 anos da série 'Chaves' no Brasil
Está fazendo 40 anos da estreia da série mexicana “Chaves” (El Chavo Del Ocho) aqui no Brasil Criado por Roberto Gómez Bolaños, falecido em 2014, era apelidado de Chespirito - “Pequeno Shakespeare”. Mas ele sempre esteve muito mais próximo de Stephen King e do escritor francês Camus. Se King dizia que o inferno era a repetição e Camus via no homem moderno atualização do mito de Sísifo, Bolaños vai mixar esses insights em uma pequena vila de pobres e remediados em algum lugar no Distrito Federal do México. Uma galeria de personagens que parecem condenados a repetir seus pecados na eternidade, assim como Sísifo rolava uma pedra montanha acima numa tragédia sem fim. Mas se fosse apenas isso, “Chaves” não seria tão cultuado por tantas gerações. Há algo mais: se por um lado a série revela um sentido auto moralizante onde cada personagem repete "ad aeternum" seus pecados mortais, do outro ninguém demonstra o menor respeito pela Ordem, seja a de Deus ou a do Diabo. A receita de um cult: a ambígua da mistura da culpa com a fúria.
sábado, dezembro 16, 2023
'Esqueceram de Mim': quando as festas de final no ano viraram o alívio cômico da família
Com a proximidade das festas de final de ano, a grande mídia é tomada matérias jornalísticas, filmes e séries repletas de contos motivacionais e morais com histórias de reformas íntimas e promessas de Ano Novo em se tornar uma pessoa melhor, mais empática e otimista. Nessa onda de final de ano certamente se destacam as indefectíveis reprises do clássico “Esqueceram de Mim” (Home Alone, 1990), mostrando que o filme resiste ao tempo e a cada exibição parece se tornar melhor. O que fez “Esqueceram de Mim” virar um clássico de Natal? Desde o seu lançamento, o filme mostrou que era muito mais do que um filme infantil de Natal – além de revisitar os arquétipos do abandono e separação ainda vivos na infância, a narrativa da negligência dos pais de Kevin reflete o drama da quebra do elo geracional das famílias modernas. O clássico oferece o alívio cômico em humor negro para o mal-estar das famílias no final de ano: rir de si mesma.
sábado, dezembro 09, 2023
A psicologia de massas do nazismo no filme "Jojo Rabbit"
terça-feira, setembro 19, 2023
Você não percebeu: quadro 'Ilha dos Mortos' apareceu em diversas obras midiáticas, por Claudio Siqueira
Adquirido por personagens históricos tão diversos como Hitler, Lenin e Freud, o quadro "Ilha dos Mortos", de Arnold Böcklin, marcou profundamente o imaginário coletivo. Alusões a essa obra apareceram em diversas cenas de obras midiáticas e quase sempre a figura do protagonista visita a ilha e retorna revigorado após um fatídico encontro consigo mesmo. Böcklin, pintor surrealista influenciado pelo romantismo pré-rafaelita, mesclava ambos os estilos para pintar figuras mitológicas em ambientes reais. Embora não soubesse, estava ajudando a fundar os alicerces do Clockpunk, Jungle Fantasy, Fantasia Medieval e tantos outros gêneros que procuram misturar o real e o fictício.É que, para ele, o real nada mais é do que uma projeção do imaginário. Realmente (com o perdão da piada paradoxal), não há critério para medi-lo e mesmo os fatos estão à mercê das interpretações. Cinegnósticos, bem-vindos à Ilha dos Mortos!
sábado, junho 17, 2023
A Natureza lentamente vinga-se da masculinidade patriarcal no terror 'Pollen'
Acompanhando a atual tendência do terror de gênero como “She Will” (Charlote Colbert) e “Men” (Alex Garland), o filme indie “Pollen” (2023), de D.W. Medoff, é um terror psicológico sobre problemas da agressão sexual, toxicidade no local de trabalho e trauma. “Pollen” lembra o clássico “Repulsa o Sexo” de Roman Polanski. Porém, com um toque, por assim dizer, botânico: depois que uma jovem vê o emprego dos seus sonhos se tornar um pesadelo (abuso sexual e relações de trabalho tóxicas) decide viver como uma planta e tem como única companhia um vaso com flores de papoula. Lentamente começa a se mover em direção à loucura completa na qual seu trauma começa a se misturar com poderes orgânicos do mundo botânico. É a Natureza lentamente gestando sua vingança contra a masculinidade patriarcal.
sábado, maio 20, 2023
'Sick of Myself': cultura do narcisismo ou como esquecer quem você já foi um dia
Até onde podemos chegar para ganhar atenção e aprovação dos outros? E se o custo para conseguir isso for performar um eu até você esquecer quem já foi um dia? A comédia dramática norueguesa “Sick of Myself” (2022, disponível na plataforma MUBI) discute a cultura do narcisismo contemporâneo que chega ao auge na cultura influencer das mídias sociais. O filme cria uma metáfora poderosa: o narcisismo como deflação do ego - quanto mais se aproxima da fama, mais literalmente o corpo se auto consome e se destrói; ou a fronteira com a ilegalidade desaparece. “Sick of Myself” joga com a reversibilidade irônica do narcisismo moderno: ao invés do excesso de ego, quanto mais procuramos o centro das atenções e a aprovação dos outros, mais somos ameaçados pela desintegração e o vazio interior.
quinta-feira, abril 13, 2023
Filme 'Cidadão Kane', marcianos e pânico
“Cidadão Kane” (Citizen Kane, 1941) foi um milagre no cinema: um diretor estreante; um escritor cínico e alcoólatra; um diretor de fotografia inovador e um grupo de atores de teatro e rádio de Nova York receberam carta branca e controle total, e fizeram uma obra-prima. Da transmissão de rádio sobre uma invasão marciana que levou os EUA ao pânico em 1938, a um filme sobre um magnata da mídia, Orson Welles estimulou a reflexão sobre duas formas de poder: o da influência midiática e da propriedade das mídias. Na primeira, a descoberta de que o século XX estava preparado para o pânico; e na segunda, uma exploração freudiana do desejo pelo poder – basicamente poderia ser a busca para recuperar algo perdido na infância. O Poder como fantasia adulta regressiva a uma forma neurótica e compulsiva.
sábado, fevereiro 25, 2023
Niilismo e ateísmo querem fazer acerto de contas com Religião e Filosofia em 'The Sunset Limited'
Dois homens sentados à mesa num pequeno apartamento em um bairro miserável de Nova York. Ele salvou um desconhecido que tentava se matar atirando-se de uma plataforma de metrô e o trouxe para sua casa. Como pastor, tentará salvá-lo também com as palavras da Bíblia. O desconhecido é um professor universitário desiludido e, aparentemente, ateu. “The Sunset Limited” (2011), adaptação da peça teatral homônima de Cormac McCarthy, lembra o velho confronto entre Fé e Razão. Mas vai muito mais além disso: aquele professor não é um ateu comum – sua firme posição suicida é o resultado de uma jornada de séculos da destruição do indivíduo na Filosofia ocidental. De repente, Deus é a parte do problema existencial ao lado de noções como “Logos”, “Ideia”, “Razão” – o niilismo desafiador daquele estranho que quer fazer um acerto de contas com toda a inutilidade da Filosofia e da Religião.
segunda-feira, setembro 05, 2022
O lado oculto do universo de Sandman, por Andreas Dao
"Sandman", a aclamada obra-prima em quadrinhos do genial escritor e roteirista Neil Gaiman, finalmente ganhou sua versão live action pela plataforma de streaming Netflix. Como admirador da obra me sinto honrado em poder escrever este artigo para os leitores do blog Cinegnose! Nas próximas linhas vamos entrar no universo de Sandman, analisando alguns aspectos ocultos da obra num contexto não linear, abrangendo diferentes campos do saber (Xamanismo, Hinduísmo, Budismo, Cabala, Psicanálise etc.) e como não poderia deixar de ser, o tema principal serão os sonhos!
quinta-feira, agosto 25, 2022
A masculinidade tóxica e líquida no filme 'Men'
Tradicionalmente inspirada na matriz freudiana do Édipo (inocência, culpa etc.), o gênero do terror nesse século está mexendo em um novo lugar nos porões do inconsciente: a má consciência. Como mostra, por exemplo, o terror racial de Jordan Peele. “Men” (2022), de Alex Garland, dessa vez ingressa no terror de gênero: um conto de fadas sombrio no qual a masculinidade tóxica assume uma forma mutante, informe, amoral numa ordem patriarcal que se tornou “líquida”, na acepção de Zygmunt Baumann. Uma jovem viaja para uma idílica vila rural para se recuperar do trauma da morte do seu marido. Não demora muito para ela descobrir que se colocou no centro de um tipo diferente de trauma. Há algo de errado com este lugar, com essas pessoas, que por acaso são em sua maioria... homens.
quinta-feira, agosto 18, 2022
Para entender a série "The Sandman" com a filosofia de Alfred Whitehead
A “Filosofia do Processo” de Alfred Whitehead e os mundos fantásticos da obra de Neil Gaiman têm mais coisas em comum do que podemos imaginar. Ambos pensam numa inusitada cosmologia que rompe com a dualidade cartesiana ao proporem universos (no caso de Whitehead, de elétrons a pessoas) no qual se ingressam entidades metafísicas que criam o potencial, a criação, o novo. Em “The Sandman”, de Neil Gaiman, Morpheus e o reino dos sonhos; em Whitehead, os “objetos eternos”. A série Netflix “The Sandman” (2022-), adaptada pelo próprio autor, repleto de seres míticos que governam seus reinos que tangenciam com o mundo “real”, figura o mundo dos sonhos e sua espécie de “Biblioteca Akáshica” (referência teosófica de Gaiman) que representam como a humanidade cria os seus objetos eternos, os Perpétuos, como o repositório de todos os desejos e potencialidades de um mundo muito além do cartesianismo.
quarta-feira, julho 27, 2022
Memórias, perdas e condicionadores de ar no filme 'Ar Condicionado'
sexta-feira, julho 22, 2022
'2046: Os Segredos do Amor': por que algo tão bom de repente não mais funciona?
Em 2011 o Partido Comunista Chinês proibiu o tema viagem no tempo em produções audiovisuais, sob alegação de que não eram “realistas”. Certamente, o filme “2046: Os Segredos do Amor” (“2046”, 2004), do diretor Wong Kar-wai (“In the Mood for Love”), fez parte dessa tendência de filmes sobre o tema que se tornaram popular na TV do país e irritou o governo. É um filme para cinéfilos corajosos cuja narrativa pula não só do futuro para o passado e vice-e-versa, como também confunde a realidade literária de um livro sci-fi escrito pelo protagonista com o seu próprio presente, cujos personagens reais se transformam em ficção no seu livro. Tentando capturar a experiência da memória de um grande amor perdido, o filme se trata da luta do homem contra o tempo que torna todo momento feliz passageiro. Por que algo tão bom de repente não mais funciona?
quinta-feira, julho 21, 2022
Solidão, incomunicabilidade e espectros no filme 'Aloners'
“Mais do que a morte, o que mais tememos é a solidão”, dizia Freud em 1921. O século XX teria criado a “multidão solitária”, vivendo o mal-estar da alienação. Porém, era ainda uma sociedade presencial, substituída no século XXI pela comunicação espectral, na qual a solidão se transformou em incomunicabilidade. Paradoxalmente, na era das comunicações globais em tempo real. O filme sul-coreano “Aloners” (2021) faz um perfeito diagnóstico dessa nova forma de solidão moderna onde, hipnotizada pela rotina mecânica do dia a dia, fezemos tudo para criar bolhas solipsistas. “Aloners” acompanha uma jovem que trabalha em um call center – o típico lugar sem alma, a própria expressão do paradoxo tecnológico entre a comunicação espectral e a incomunicabilidade. E como os fantasmas, imaginários e às vezes até reais, vão aos poucos furando a sua bolha de isolamento e revelando sua condição de alienação.
sexta-feira, julho 15, 2022
O terror emerge do sonho americano das redes sociais no filme 'Hatching'