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terça-feira, novembro 19, 2024

Desconstruindo os novos yuppies das startups tecnológicas no filme 'A Hipnose'


Lá nos distantes dos anos 1980-90 tínhamos os jovens profissionais urbanos de sucesso chamados “Yuppies” – agressivos, amorais e politicamente incorretos, cujo ícone é Donald Trump. Hoje, foram substituídos pelos noviços das startups tecnológicas, éticos e sustentáveis. Mas com um forte filtro linguístico de eufemismos e jargões que obscurecem o imediatismo nada sustentável e ético dos financiadores. O filme sueco “A Hipnose” (Hypnosen, 2023, disponível na MUBI) é uma sátira sombria desse universo. Antes de participar de um evento nacional de startups, Vera decide deixar de fumar através de uma terapia por hipnose. Junto com seu parceiro André, vão ao evento apresentar o seu aplicativo de saúde para “países emergentes” aos ricos financiadores. Mas ela está diferente: mais assertiva, crítica, dando vazão a sua “criança interior”. Colocando em xeque a falsa autenticidade daquele universo. 

sexta-feira, novembro 15, 2024

'A Besta': somos como atores em um fundo verde contracenando com o vazio


Um amor que não consegue se consumar através dos tempos. Um romance interdimensional condenado a repetir o mesmo erro, sob roupagens diferentes. Um casal prisioneiro naquilo que o budismo chama de “Roda do Samsara”: o ciclo vicioso de lágrimas e sofrimento das sucessivas encarnações. Vivemos no esquecimento de quem já fomos, cuja melhor metáfora é a do ator atuando num fundo verde sendo dirigidos por uma voz fora do plano que vai nos descrevendo os monstros e os perigos para atuarmos com o vazio. Essa é a metáfora do diretor francês Bertrand Bonello no audacioso sci-fi  " A Besta” (“La Bête”, 2023) sobre um romance preso em um loop entre 1910, 2014 e 2044 – o mundo futuro de trabalhos precarizados. Para ter uma melhor oportunidade, deve-se se submeter ao “processo de purificação”: deletar os traumas e emoções das outras vidas que carregamos inconscientemente. Para nos tornar tão assertivos quanto uma IA.  

quinta-feira, outubro 17, 2024

'Daaaaaalí!': surrealismo com começo, meio e fim, mas não necessariamente nessa ordem


“Uma história deve ter um começo, um meio e um fim, mas não necessariamente nessa ordem”, disse Goddard. E o diretor de cinema mais surrealista da atualidade, o francês Quantin Dupieux, levou ao limite essa frase no filme sobre o gênio surrealista Salvador Dalí. “Daaaaaalí!” (2023) não é um filme biográfico – Dupieux ele adotou na montagem e edição fílmica a mesma abordagem do pintor surrealista para entregar um conto particularmente louco. Os surrealistas viam no cinema a expressão do inconsciente que revolucionaria uma sociedade burguesa e careta. Ironicamente, virou a matéria-prima da revolução publicitária, do pop e entretenimento. E ao ver a realidade superando o surrealismo de suas telas, no final da vida Dalí agarrou-se no personagem que criou para si mesmo.

sexta-feira, outubro 04, 2024

Pós-meritocracia: grande mídia foi traída pela Faria Lima


Poucos estão percebendo uma sutil ironia que envolve o crescimento desse novo ecossistema digital composto, de um lado, pelas apostas e cassinos online; e do outro, a atração da classe média pela diversificação das carteiras de investimentos no alcance dos dedos na tela de um smartphone. “Colonistas” da grande mídia estão se sentindo traídos pelo seu maior aliado e patrocinador, a Faria Lima, a “elite irresponsável” que se apaixonou pelo “forasteiro” Pablo Marçal. Mais do que um hype, Marçal é um sintoma do zeitgeist desse novo ecossistema digital: a pós-meritocracia e a gameficação. Que coloca em xeque a ideologia do mérito-empreendedorismo que o jornalismo corporativo abraçou como a terra prometida pós golpe de 2016. Não chegamos a nenhuma terra prometida, enquanto a Faria Lima descobriu que está no mesmo negócio de apostas e cassinos. Pós-meritocracia: o povo não quer mais empreender, quer jogar!

sábado, setembro 21, 2024

O horror da tentação darwinista social no filme 'Cuckoo'


Todo filme de terror explora os simbolismos mais recônditos da humanidade. Mas “Cuckoo” (2024), escrito e dirigido pelo alemão Tilman Singer, vai resgatar um simbolismo inusitado: o do passarinho cuco, notabilizado pelo relógio clássico – uma ave parasita e imitadora. Uma adolescente se muda para os Alpes alemães com o pai, madrasta e meia-irmã. Ao lado de um resort remoto e vazio. Sabemos que desde “O Iluminado” isso não traz bons pressentimentos. “Cuckoo” é um conto humano-aviário fantasmagórico que se transforma em puro show de aberrações e horror corporal. Mas que dá uma alerta: a tentação darwinista social presente nas formas mais inesperadas e surpreendentes na História – a aspiração totalitária pela busca de uma suposta pureza deixada por nós em algum paraíso natural perdido. E que a todo custo teria que ser recuperado.  

sexta-feira, setembro 13, 2024

A subversão contra a fascinação e o tédio no entretenimento em 'Yannick'


Desde que filmou um pneu serial killer rodando pelo deserto se vingando dos humanos que o descartaram em “Rubber” (2010), o diretor francês Quantin Dupieux é obcecado pela ideia da desconstrução todas as regras que regem o roteiro de cinema (principalmente a ideia de verossimilhança). Em "Yannick" (2023, em exibição na MUBI), dessa vez Dupieux volta a desconstrução para a relação do público com o entretenimento – no caso, uma plateia e os atores no palco de um pequeno teatro em Paris. Um espectador insatisfeito resolve fazer justiça com as próprias mãos – confronta os atores e, num ousado exercício metalinguístico, decide reescrever a peça em tempo real e dirigir os atores. Com uma arma na mão, pega todos como reféns da sua fúria crítica. Um filme deliciosamente subversivo que tematiza os sentimentos conflitantes de fascinação e tédio que envolvem o consumo do entretenimento comercial.

sábado, agosto 24, 2024

Os Três Cavaleiros do Apocalipse pós-moderno no terror 'Oddity'


Discutir sobre a natureza da pós-modernidade implica falar sobre os chamados “Três Cavaleiros do Apocalipse”: Nietzsche, Marx e Freud – aqueles que tiraram a centralidade da Razão e colocaram no lugar, respectivamente, o demasiado humano, o peso do legado do passado e o inconsciente. O thriller irlandês de terror “Oddity” (2024) transforma essas armas do Apocalipse em um conto sobrenatural com um atrevido humor negro no qual a racionalidade científica se opõe ao sobrenatural e o Oculto. O confronto entre um médico psiquiatra de comanda um hospital psiquiátrico com criminosos dementes e uma sensitiva proprietária de uma loja de antiguidades que vende objetos amaldiçoados. Razão vs. sobrenatural na elucidação de um assassinato que expõe o destino da Razão: transformar-se em “racionalização”, isto é, em álibi para o demasiado humano.

sexta-feira, agosto 02, 2024

'As Bicicletas de Belleville': a animação que anteviu o que viria nesse século


Imagine se o Monsieur Hulot (personagem icônico de Jacques Tati) conhecesse Tim Burton; e Marquês de Sade se encontrasse com o infame ciclista flagrado dopado na Tour de France, Lance Armstrong. O resultado é a excêntrica, estranha, selvagem e mágica animação francesa “As Bicicletas de Belleville” (Les Triplettes de Belleville, 2003). É uma animação muito estranha para ser enquadrada em qualquer tradição estabelecida. A máfia francesa monta em “Belleville” (uma representação expressionista de Nova York) uma bizarra casa de apostas com ciclistas sequestrados da Tour de France. O animador Sylvain Chomet parece ter antevisto muitos aspectos do século que se iniciava: a hipertrofia comercial da Tour de France, a cooptação geopolítica da França (e de resto, da Europa inteira) pelos EUA na Guerra Fria 2.0 atual contra a Rússia, e a ascensão do universo das apostas com o domínio da tecnologia e financeirização.

sábado, julho 06, 2024

A modernidade, o vampiro e o patriarcado no filme 'Le Vourdalak'



O patriarca de uma família no interior da Sérvia volta do campo de batalha. Mas ele volta transformado. Tornou-se um “Voudarlak”. Um vampiro com uma peculiaridade: quer o sangue apenas dos parentes próximos e amigos íntimos. Baseado no conto de escritor russo Aleksei Tolstói (o “outro Tolstói”), o filme francês “Le Vourdalak” (2023) vai às raízes da mitologia do vampiro, muito antes do cânone criado por “Drácula” de Bram Stoker. Um enviado da corte francesa é roubado e pede ajuda a uma estranha família cujo patriarca está fora, combatendo os turcos. Uma fábula gótica orgulhosamente antiquada e com um sutil humor sombrio. Baseado em um conto que faz uma dupla crítica metafórica: o fim da velha ordem monárquica com a modernidade representada pelo vampiro; e a ordem patriarcal: primeiro o escraviza, para depois devorá-lo.

sexta-feira, junho 28, 2024

Uma guerrilha epistemológica entre a mesa e o fogão no filme 'Histórias de Cozinha'


Cozinha é um lugar alquímico: ingredientes são mixados para transmutar em algo totalmente outro. Um espaço confessional onde conversas e conexões acontecem. Como, então, transformar esse espaço num objeto de observação científica: um observador “neutro” do alto de um cadeirão observando movimentos e ergonomia doméstica para tabular os dados em rígidos modelos matemáticos numa pesquisa industrial da década de 1950. Esse é o filme escandinavo “Histórias de Cozinha” (Salmer fra kjøkkenet, 2003). Uma espécie de rali científico levado com um humor sutil, no qual o observador estoicamente tenta manter a neutralidade para não comprometer os dados que coleta, enquanto o observado conspira num tipo de guerrilha epistemológica para sabotar o experimento.

quinta-feira, junho 20, 2024

O Medo e a ansiedade coletiva europeia no filme 'Sob as Águas do Sena'


A premissa da produção Netflix francesa “Sob as Águas do Sena” (Sous la Seine, 2024) é seriamente abusurda. Mas esse é praticamente um pré-requisito dos filmes de tubarões nos dias de hoje - em um mundo pós-Jaws (premiado clássico de Spielberg), não há chance de fazer o maior filme de tubarões de todos os tempos. Então, em vez disso, os cineastas apostam em argumentos involuntariamente engraçados: fugindo das mudanças climáticas e do plástico jogado nos oceanos, um enorme tubarão evolui, adapta-se à agua doce, e aparece no rio Sena, em plena Paris, às vésperas de uma competição de triatlo com cobertura mundial. Filme-catástrofe é um subgênero hollywoodiano por excelência. Mas quando vemos uma produção francesa abraçando todo os tropos do subgênero, torna-se significativo: é o reflexo de um zeitgeist que assola a Europa: medo e ansiedade coletiva de um continente na sombra da ameaça da conflagração de uma Guerra Fria que poderá se tornar muito quente num futuro próximo.

sexta-feira, junho 14, 2024

Por que a extrema-direita cresce? Assista ao filme 'Não Espere Muito do Fim do Mundo'


Se no passado era a religião, hoje quem cria as imagens do Apocalipse é Hollywood. Com um ponto em comum em suas variações: um fato marcante como guerra nuclear, uma pandemia etc. Mas e se o apocalipse for uma fato tão banal e cotidiano que não percebemos, fruto da nossa capacidade hercúlea de normalizar e racionalizar? Essa é a visão diretor romeno Radu Jude em “Não Espere Muito do Fim do Mundo” (Nu astepta prea mult de la sfârsitul lumii, 2023,  disponível na MUBI): a luz se apagará tão sutilmente que não perceberemos até que tudo esteja escuro como breu. O filme acompanha um dia de trabalho da produtora de vídeo corporativo precarizada, condenada a horas extras mal remuneradas e que desconta todo o seu ódio e resentimento no seu alterego obsceno ultra-macho no TikTok, com um humor duvidoso em torno de estupro, xenofobia, misoginia e ódio. Quer saber por que a extrema-direita internacional está crescendo? Assista a este filme.

quinta-feira, junho 06, 2024

Alienígenas, acobertamento geopolítico e privatização no espaço na série 'O Sinal'


Enquanto o Oriente faz pousos bem-sucedidos de sondas na Lua, o Ocidente aposta na privatização das missões espaciais por bilionários como Musk, Bezos e Branson. Desde “Alien” (1979), o cinema e audiovisual vem narrando as consequências muitas vezes catastróficas dos interesses corporativos nas missões espaciais. A minissérie alemã Netflix “O Sinal” (Das Signal, 2024) é outra produção que entra nessa lista, colocando mais um ingrediente: no meio de uma missão privada na Estação Espacial Internacional (financiada por uma bilionária indiana), um sinal repetido chega do espaço profundo, uma voz infantil falando “olá”. É o início de conspirações no melhor estilo “Arquivo-X” que revela uma questão fundamental: como um mundo dividido entre interesses geopolíticos dos governos e a concentração da riqueza planetária numa casta de bilionários, como esse mundo poderá criar um consenso em torno de quem representará a Terra num possível contato com uma inteligência extraterrestre? 

quinta-feira, maio 23, 2024

'Alice Através do Espelho' de Lewis Carroll vai ao multiverso quântico na série 'Constelação'


Vários efeitos colaterais da viagem ao espaço são estudados, dos efeitos da radiação cósmica na cognição e visão dos astronautas, à perda de massa óssea, muscular e alto risco de câncer. Além de misteriosos relatos de visões de luzes cegantes provenientes de aparições no espaço semelhantes a anjos. A série Apple TV+ “Constelação” (2024-) dá a sua interpretação para tudo isso. E na atual onda de produções sci-fi, somente pode ser dentro do campo dos multiversos quânticos. Mas aqui, a “sobreposição quântica” na verdade é a sobreposição da ficção-científica com o conto de fadas: a Alice de “Alice Através do Espelho” de Lewis Carroll encontra-se com o experimento imaginário de Schödinger do gato numa caixa ao mesmo tempo morto e vivo.

sexta-feira, maio 03, 2024

Em 'Track 29' a Europa é a consciência de culpa da América



Nos anos 1980 um curioso subgênero prosperou em Hollywood: o “desconstruindo o Yuppie”: um protagonista certinho, careta e financeiramente bem-sucedido que tem a sua rotina quebrada por uma figura disruptiva ou sequência de eventos descontrolados que o desorienta e o desconstrói. “Track 29” (1988), do britânico Nicolas Roeg e produzido pelo ex-Beatle George Harrison, trouxe novidades: um olhar europeu para a América profunda a partir do olhar de um estrangeiro que chega a uma pequena cidade para literalmente fazer tudo sair dos trilhos: uma dona de casa entediada e frustrada é casada com um médico bem-sucedido e respeitável que só tem olhares para sua amante dominatrix e o ferromodelismo como uma metáfora nostálgica de uma América que deve “voltar aos trilhos”. “Track 29” é a Europa como consciência de culpa da América.

quinta-feira, maio 02, 2024

'Stopmotion': se somos modelos de animação, quem nos controla?


O século XXI está testemunhando o despertar da antiga e trabalhosa técnica de animação chamada “stop-motion”. De simples efeito especial no século XX, agora se torna uma expressão animada em longa-metragem. Por um lado, o páthos da stop-motion reside em dar vida àquilo que é inanimado, como no mito de Golem e Pigmaleão. Mas também se conecta com a simbologia de bonecos e fantoches como expressão da condição gnóstica nesse mundo. O filme britânico “Stopmotion” (2023) é uma espécie de terror metalinguístico que tem como atração principal a fusão de live action com a stop-motion na qual inocentes fantoches sem vida passam a ganhar propriedades sobrenaturais que começam a invadir a vida de uma animadora que fica à mercê das suas criaturas artesanais. Um filme PsicoGnóstico no qual não é o mundo onírico e alucinações que borram as fronteiras com a realidade: é a stop-motion que invade a vida cotidiana, sugerindo que todos nós poderíamos ser meros modelos de animação. Mas controlados por quem?

quinta-feira, abril 18, 2024

Filme 'State of Consciousness' e o zeitgeist neurocientífico do século XXI


State of Consciousness” (2022) é uma curiosa produção B italiana, uma espécie de mistura de “Amnésia” de Christopher Nolan e “Westworld”. Um homem se vê injustamente condenado por assassinato. Para escapar da pena de morte, aceita ser diagnosticado como “esquizofrênico paranoico” e é enviado para um manicômio judiciário. Acorda 18 meses depois sem se lembrar de nada, mas pronto para ser reintegrado à sociedade. Mas algo está errado quando se vê prisioneiro num pesadelo PsicoGnóstico. “State of Consciousness” retorna ao tema da “Técnica Ludovico” do clássico “Laranja Mecânica”. Porém, com uma abordagem diferente que representa o atual zeitgeist neurocientífico que domina as abordagens cognitivas humanas no século XXI.

sexta-feira, março 29, 2024

Viagem no tempo vira ferramenta para consertar a vida ordinária em 'Questão de Tempo'


Richard Curtis é um especialista em filmes levemente românticos e supostamente cômicos como “Notting Hill”, “Quatro Casamentos e um Funeral” e “O Diário de Bridget Jones”. Quando o tema da viagem no tempo cai nas suas mãos, o desfecho não poderia ser outro. Um tema potencialmente tão disruptivo acaba se diluindo naquilo que exatamente o tema desafia: a realidade institucional. No filme de Curtis “Questão de Tempo” (About Time, 2013) a viagem no tempo se transforma numa ferramenta para consertar as desordens da vida ordinária do presente, incorrendo no velho clichê da “quebra-da-ordem-retorno-à-ordem”. Tão conservador que a mecânica temporal do filme ainda funciona dentro da causalidade newtoniana, ignorando os paradoxos quânticos que caracterizam a abordagem fílmica e literária contemporâneas do tema. Tim descobre que os homens da sua família têm o exclusivo poder de viajar para o passado. Então, decide transformar o mundo num lugar melhor. Para começar arranjando uma namorada.

quinta-feira, março 28, 2024

O drama hermenêutico da incomunicabilidade semiótica em 'Anatomia de uma Queda'


O filme francês premiado pelo Oscar “Anatomia de uma Queda” (Anatomie d’une Chute, 2023) é mais precisamente uma anatomia da incomunicabilidade – drama hermenêutico sobre a impossibilidade de se encontrar a verdade sob camadas e camadas de signos e interpretações.  Um casal alemão e francês que vê no inglês o ponto comum para haver comunicação. E um tribunal que tenta julgar o caso equilibrando-se entre o francês e o inglês com tradução (traição) simultânea. Choque e incomunicabilidade por todos os lados, seja na esfera conjugal quanto jurídica. Uma escritora famosa é acusada de ter matado o marido, enquanto seu filho deficiente visual tem que enfrentar um dilema moral como testemunha. Tal qual o signo na Semiótica, cada um tem um interpretante particular da realidade. Porém, a verdade não é a soma desse todo. 

terça-feira, março 19, 2024

"Zona de Interesse": quando a banalidade do mal vira 'banalidade do bem' na sociedade atual


Oscar de Melhor Filme Internacional, “Zona de Interesse” (The Zone of Interest, 2023) se diferencia de todas outras produções premiadas sobre o nazismo e o Holocausto como A Vida é Bela, O Pianista, O Filho de Saul etc. Vai além da época que pretende retratar. E a fala do diretor Jonathan Glazer na cerimônia do Oscar foi totalmente coerente com o seu filme: “Todas as nossas escolhas foram feitas para refletir e nos confrontar no presente. Não para dizer ‘olhe o que fizeram na época’, mas para olhar o que fazemos agora”, criticando o genocídio de Israel em Gaza. A família de um oficial da SS vive uma vida bucólica e pastoral, indiferentes ao que ocorre do outro lado do muro da propriedade: o genocídio de Auschwitz. A poucos metros do Holocausto, acompanhamos uma típica vida de classe média de comerciais de margarina na TV. Glazer tem um conceito radical: e se a banalidade do mal se transformou em uma “banalidade do bem” na sociedade de consumo pós-guerra?

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