O cinema gnóstico. Gnosticismo nas ciências e nos jogos digitais e o Universo como um game de computador. As mito-narrativas gnósticas e as transformações da Jornada do Herói nas HQs e no Cinema. As semióticas das narrativas como ferramentas de produção textual, de roteiros e apresentações. Esses foram alguns dos temas discutidos por esse humilde blogueiro na 9a. Fatecnologia na Faculdade de Tecnologia de São Caetano do Sul (SP) na noite dessa última quinta-feira para uma plateia de interessados e participativos estudantes. E com uma conclusão final após diversas indagações: o Herói, assim como nós mesmos, não enfrenta “vilões”. Mas a nossa própria Sombra interior projetada na ilusão do mundo. Veja o vídeo e os slides do evento.
Este humilde blogueiro fez a palestra de encerramento da 9a
Fatecnologia na noite dessa última quinta-feira (11/05) na Faculdade de
Tecnologia de São Caetano do Sul, São Paulo. Com um auditório tomado
majoritariamente por alunos dos cursos de Jogos Digitais e Segurança da
Informação, foi apresentado o tema “Transformações da Jornada do Herói – do
monomito à mitologia contemporânea nas HQs, Cinema e Audiovisual” - veja no final da postagem os slides e o vídeo da apresentação.
A apresentação tinha dois objetivos principais: primeiro, discutir
o conceito de “narrativa” e como essa verdadeira ferramenta de comunicação - mostrar como a teoria semiótica encontra sempre
o mesmo “monomito” em todas as formas narrativas, seja em uma apresentação
acadêmica, em um texto científico, em um filme, nas HQs e jogos digitais.
E o segundo objetivo, mostrar como esse monomito que fundamenta
todas as narrativas sofre na atualidade transformações com o desenvolvimento
das mito-narrativas gnósticas, a partir do “Gnosticismo Pop” no cinema.
Diante de um público que se mostrou bastante interessado e
participante (mesmo sendo a última palestra de uma semana de intensas
atividades com minicursos, workshops e palestras), iniciei apresentando o
conceito histórico de Gnosticismo (o conjunto de seitas sincréticas, surgidas
no início da Era Cristã, que combinavam neoplatonismo, hermetismo e influências
orientais como sufismo e budismo para interpretar de maneira mística a missão
de Cristo nesse planeta) – a Paixão de Cristo, a própria narrativa e monomito da
Jornada do Herói.
Como as seitas gnósticas se desenvolveram e se espelharam pelo
Ocidente, criando uma Cosmogonia e uma Filosofia cuja síntese popular está
presente nos filmes gnósticos clássicos como Show de Truman e na trilogia Matrix
dos Wachowski.
A palestra traçou ainda o percurso tecnocientífico do Gnosticismo
no século XX desde a física quântica até chegar no surgimento do
Tecnognosticismo, conjunto de narrativas sobre a imortalidade e as analogias da
mente com os computadores que atualmente anima os pesquisadores e startups do
Vale do Silício.
Jogos digitais e o Universo como um game de computador
Para chegarmos ao século XXI
com as teses do filósofo e matemático da Universidade de Oxford, Nick
Bostrom, de que o Universo é finito é que todas as suas características
(principalmente os fenômenos quânticos e tempo, espaço, volume pixelados)
apontam para um gigantesco game de computador cósmico. E como muitos físico
estão na atualidade levando a sério essa suspeita.
Com essa discussão, formulei uma hipótese que perpassou toda a
palestra: seria a atual intensa atividade em produção e pesquisas em torno de
games digitais online uma forma de criar um nível meta sobre a própria
realidade? Citando o filme “O Décimo Terceiro Andar” (1999), estaríamos criando
games no interior de outro game gigantesco no qual vivemos como uma nova forma de
narrativa religiosa?
Semiótica da narrativa
Lançada essas questões, o autor dessas mal traçadas linhas partiu
para a semiótica da narrativa, tentando estabelecer esse conceito de
“monomito”. Ou em outras palavras, apresentar esse modelo canônico presente nas
mais diversas narrativas.
Começamos com a tarefa nada fácil de sintetizar as ideias
principais da Semiótica da Cultura de Julius Greimas: “trama narrativa”
(Sujeito, Objeto de Valor, Ajudante, Oponente etc.) e “Programa Narrativo”
(Estado e Transformação).
Também transitamos pela “Morfologia do Conto Maravilhoso” de V.
Propp até chegarmos à Jornada do Herói do mitólogo Joseph Campbell.
Apresentamos o “case” das animações da Walt Disney e Pixar: como
as narrativas dessas produções evoluíram da morfologia do conto maravilhoso de
Propp para a Jornada do Herói a partir de Toy
Story (1995). E vimos, passo a passo, a construção do bem sucedido
“Paradigma Disney” baseado no monomito dos personagens e etapas narrativas da
Jornada do Herói.
As mutações do Herói
Nesse ponto, nos concentramos no personagem arquetípico do Herói e
as suas transformações na cultura: dos Herói Épico e Trágico da antiguidade
grega ao surgimento do Super-Herói no século XX. Mas principalmente as
implicações éticas e morais dessa nova personalidade heroica – suas origens nos
esforços de propaganda nazista na Segunda Guerra Mundial e a contrapropaganda
dos EUA com os super-heróis da Marvel e DC Comics – Super-Homem, Capitão
América etc.
A criação do Supe-Herói amoral, aquele cujo heroísmo é
proporcional a ausência do sentimento de culpa, compaixão ou empatia – seu
senso de Verdade e Justiça estaria acima do Bem e do Mal.
E por fim, a palestra acompanhou as atuais transformações da
narrativa da Jornada do Herói com a popularização dos filmes gnósticos e sua
mito-narrativa baseada em três tipos de protagonistas: o Viajante, o Detetive e o Estrangeiro.
Mitologia contemporânea
Vimos como, não só esses protagonistas se conectam aos três
estados alterados de consciência que possibilitariam a Gnose (suspensão,
paranoia e melancolia), como também se ligam a três episódios históricos que
criaram as bases da mitologia contemporânea: as explosões experimentais das
bombas H no deserto de Nevada nos EUA, o incidente supostamente ufológico em
Roswell e a Área 51 e a surgimento da cidade de Las Vegas, irradiando uma
visão de mundo hedonista e niilista para todo o planeta.
E sincronicamente, esses três episódios aconteceram no Deserto de
Nevada – o Deserto como o arquétipo contemporâneo da condição humana: o cosmos
hostil e inóspito que aprisionaria a humanidade por obra de um deus (o
Demiurgo) que não nos ama.
Além do cinema hollywoodiano vimos como alguns filmes brasileiros
exploram essa mitologia gnóstico-contemporânea como Insolação (2009, clique aqui) e Os Famosos e os Duendes da Morte (2010, clique aqui).
Nas perguntas finais o público teve intensa participação, o que
ajudou a esclarecer o principais pontos discutidos. Principalmente a evolução
histórica da figura do herói e a conclusão: nunca existiu o Vilão – ele é a
própria projeção da Sombra do Herói.
O que se contrapõe ao maniqueísmo, principalmente da propaganda
política e do cinema manipulado por ela.
Por isso, a narrativa da Jornada do Herói é uma jornada interna,
psíquica, na qual cada personagem da narrativa (o Mentor, o Guardião do Limiar,
o Arauto etc.) são personas do psiquismo. Assim como as cartas do Tarot são
representações de arquétipos do inconsciente coletivo que se conectam com essas
personas pessoais.
Por tanto, a mito-narrativa gnóstica (a mitologia contemporânea)
transforma a Jornada do Herói: o protagonista deve enfrentar aquilo que ele mais
teme, a sua própria Sombra. O Herói teme que a própria ilusão do mundo seja
revelada e coloque em xeque a si mesmo.
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