sábado, maio 31, 2014
A bomba semiótica Forte Apache
sábado, maio 31, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Depois de 14
anos das comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil onde os índios
foram recebidos com armas e bombas pela polícia e a grande mídia relatou tudo
de forma burocrática e irônica, repentinamente eles foram redescobertos e
levados a sério. “Índios cercam o Palácio do Planalto” é o tom geral das
manchetes com muitas fotos com flechas e índios em poses ameaçadores em
contraste ao futurismo de Brasília. É a bomba semiótica Forte Apache. Esse
conceito não tem nada de ironia ou deboche: o núcleo dessa bomba linguística são fotos onde poses e situações forçam a associação com o imaginário hollywoodiano do
western. Seja apanhando, sejam fotografados, os indígenas brasileiros continuam
estranhos em sua própria terra: às vésperas do campo de batalhas simbólico
decisivo da Copa do Mundo, tornam-se, agora, suportes passivos dos signos construídos
por espertos fotógrafos. São as “fotos-choques”, estado semiótico intermediário
entre o fato real e o fato alterado.
O presidente
eleito pelo colégio eleitoral em 1985, Tancredo Neves estava entre a vida e a
morte no Hospital das Clínicas em São Paulo. E eu iniciava minha carreira no
jornalismo como um "foca" na reportagem do jornal A Tribuna de Santos. Ficava impressionado como, apesar do caos que
era uma redação, o jornal conseguia ser finalizado e chegava diariamente nas
bancas. Aos poucos ia pegando os macetes: as notícias e os textos jornalísticos
eram praticamente padronizados, bastando apenas preencher as variáveis: o que,
quem, quando, como, onde e por que.
Enquanto Tancredo
agonizava em São Paulo e o País torcia pela sua recuperação, descobri que a
lógica de linha de produção das redações era fria e pragmática: nas gavetas da
mesa do diretor da redação já estavam prontos obituários, biografia,
editoriais, retrancas (palavra ou pequena frase sobre manchetes para apresentar
o tema da matéria), fotos e páginas inteiras já diagramadas sobre vida e morte
de Tancredo Neves.
Logo entendi
todo o processo semiótico de produção noticiosa que permitia que aquela loucura
de vai e vem na redação desse certo: editores e diretores produziam uma forma,
uma estrutura de texto onde a reportagem apenas preenchia as lacunas com as
variáveis da chamada “pirâmide invertida” da matéria jornalística. Tempo era
racionalizado e as matérias prontas em minutos. Um processo tão técnico e
pragmático que os repórteres não percebiam o viés, o enfoque ideológico que
sempre estava nessa estrutura pré-fabricada que descia do "aquário" das reuniões
de pauta para nós, os "focas".
sexta-feira, maio 30, 2014
Em Observação: "Irreversível" (2002) - o tempo nos devora
sexta-feira, maio 30, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Quem não
conhece a célebre pintura de Goya de Saturno (Cronos na mitologia grega)
devorando seu próprio filho? Como filhos de Cronos, também somos devorados pelo
tempo, tornando cada tomada de decisão nossa em causas de efeitos que serão
irreversíveis. Esse é o tema do filme francês “Irreversível” de Gaspar Noé. “O
tempo destrói tudo” diz a frase de abertura, em um filme que lembra “Amnésia”
de Nolan: a história é contada no sentido inverso onde acompanhamos a
desconstrução de personagens que de selvagens e brutais vão se tornando sensíveis
e apaixonados. Noé propõe uma reflexão incômoda e brutal sobre o tempo, através
de duas cenas que já são consideradas antológicas na história do cinema: um
estupro e a briga em uma boate gay onde um rosto é desfigurado por um extintor
de incêndio. Filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.
Título:
Irreversível (2002)
Diretor: Gaspar Noé
Plot: Contado de
trás para frente, o filme narra a busca por vingança de Marcus e Pierre, depois
que Alex (Mônica Belucci) namorada de Marcus e ex de Pierre, é estuprada
violentamente.
Por que está
“Em Observação”? – O blog se interessa por filmes que exploram a questão do tempo
na narrativa. Irreversível, ao lado de Amnésia de Christopher Nolan, é um
desses filmes: a história é contada ao contrário e cada cena é rodada
totalmente sem cortes, até a câmera dar uma pirueta e jogar o espectador para
outra cena, a parte anterior da história. E por que? O sentido já é dado logo
no início do filme com a frase “o tempo destrói tudo”. Muitos críticos definem o filme como uma
fábula sobre o destino. A cada cena que passa o filme parece indagar porque as
coisas não tomaram outro rumo, porque somos vítimas do destino.
O plot é
extremamente simples, mas a grande atração é a edição e cenas violentas como a
do estupro e o estrago que o extintor de incêndio faz no rosto de um personagem
na sequência da briga em uma boate gay. Tudo no filme parece feito para criar
no espectador estranhamento, repulsa e incômodo. Na primeira exibição no
Festival de Cannes 2002 Irreversível foi definido como “repulsivo”, “doentio” e
“gratuito”. O enquadramento da câmera não centraliza ninguém na tela, gira de
forma desfocada e surreal para marcar o recuo no tempo da narrativa e a
narrativa parece desconstruir os personagens: à medida que o tempo passa (ou
volta) os protagonistas Pierre e Marcus vão se tornando totalmente diferente
daqueles seres brutais e selvagens do início do filme. De homens sedentos por
vingança, vão se transformando em seres apaixonados e bem menos agressivos,
incapazes de fazer mal a uma mosca.
Por isso, a
grande questão que o Gaspar Noé quer discutir: a irreversibilidade do tempo, o
porquê das nossas tomadas de decisões e como elas, a cada instante, influenciam
de forma irreversível, o futuro. De certa forma, o diretor francês parece
querer desconstruir um dos grandes mitos do cinema, principalmente
norte-americano: o mito da segunda chance, a possibilidade da vida nos oferecer
sempre uma segunda oportunidade para nos redimir de erros cometidos no passado.
Noé parece ter em mente o mito grego de Cronos devorando seus próprios filhos.
Como filhos do tempo que somos, também somos devorados por ele, vencidos pela
sua irreversibilidade. Tudo finda e é consumido, tornando nossas decisões
fatalidades.
Por isso essa
discussão do tempo é essencialmente gnóstica, já que para os gregos Cronos
refere-se a apenas uma faceta da existência: o tempo cronológico e linear das
coisas terrenas. É imperfeito e produz a entropia e caos. Ainda existiria Kairos (o momento indeterminado no tempo
onde algo de novo acontece) e Aeon (o
tempo divino onde as horas não passam cronologicamente, o tempo de Deus). Daí o
descompasso que sempre vivemos entre Cronos e o nosso psiquismo,o efêmero versus
o eterno.
Daí a linguagem
fílmica intensiva do diretor nas cenas: sem cortes, elas são pensadas para
serem impactantes e duradouras em nosso psiquismo, apesar da transitoriedade
que a linguagem fílmica impõe – a história tem que ser contada, o tempo deve
passar.
O
que esperar do filme? – A crítica afirma que a violência e o desconforto (produzido
pelo enquadramento e ausência da decupagem nas cenas) fazem muitos espectadores
abandonarem o filme na metade. Assim o crítico de cinema Tony Pugliesi
sintetiza o que o leitor do Cinegnose
pode esperar do filme Irreversível: “Incômodo.
Se tivéssemos que escolher apenas uma palavra para descrever Irreversível, com certeza, a palavra escolhida seria
"incômodo". Ou então poderíamos utilizar palavras similares como
intrigante e chocante. Entretanto, incômodo, como você irá perceber ao longo
desta análise, nada tem a ver com a possibilidade que o filme de Gaspar Noe
seja uma película ruim, muito pelo contrário. Chocante porque a produção possui
duas tomadas (seqüências) fantásticas que já entram para a história do cinema
devido a forma de como foram gravadas e, também, claro, pela coragem de Noé em
gravar essas seqüências. Acredite, elas são muito difíceis de serem até mesmo
assistidas. Intrigante, óbvio, pelo modo como a película fora filmada; edição
fantástica, brilhante. E ela que faz o filme.”
quarta-feira, maio 28, 2014
A bomba semiótica fashion da Ellus
quarta-feira, maio 28, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Modelos
vestindo uma camiseta onde se lia “Abaixo Este Brasil Atrasado”. Dessa forma
terminava o desfile da Ellus no último SPFW após um desfile repleto de signos
militares estilizados. Mais tarde, a irônica foto da mesma camiseta na vitrine
de uma loja da grife tendo ao lado um manequim carregando uma blusa com o
icônico Mickey Mouse estampado. Essa é a mais nova bomba semiótica, dessa vez
fashion. E por que? Porque o niilismo político é fashion, assim como os
radicais chics com o seu visual “heroin hero”. Desde que o dandismo morreu com
Oscar Wilde, a moda sente a necessidade de expiar o fantasma da sua suposta
futilidade e superficialidade. O niilismo político da camiseta que protesta contra
o “Brasil Atrasado” é a reedição da estratégia de tornar a moda supostamente sintonizada
com a realidade do seu tempo, assim como Viviene Westwood fez com o Punk. E
para isso, a Ellus foi buscar na atmosfera turva e tensa da atualidade o mote
para tentar mostrar que Moda possui alguma relevância política.
Em uma vitrine
de uma loja da grife Ellus em um shopping na Zona Sul do Rio de Janeiro vemos
vários manequins com modelos da marca. Chama a atenção uma camiseta preta com
os dizeres “Abaixo Este Brasil Atrasado”. Ironicamente, ao lado vemos outro
manequim com uma blusa em que vemos o icônico personagem do Mickey Mouse
estampado.
A engajada
camiseta teve sua estreia no desfile da coleção Primavera-Verão 2014-15 no São
Paulo Fashion Week (SPFW) em abril desse ano, com toda pompa e circunstância,
com direito até a “carta-manifesto”. Ciceroneado pelo galã global Cauã Reymond,
ele entra na passarela ao final com os fashionistas Adriana Bozon, Lea T., Laís
Ribeiro e Rodolfo Murilo, todos vestindo a engajada camiseta da Ellus, para
finalizar com uma selfie diante dos
fotógrafos.
A “carta-manifesto”
(na verdade uma colcha de retalhos com os principais mantras repercutidos por
redes sociais e nas colunas econômicas da grande mídia) fala em “Brasil=ineficiência,
improdutividade”, “custo Brasil”, “políticos e governos antiquados”,
“protecionismo” e a ameaça de ficarmos “isolados nas geleiras do Polo Sul”.
segunda-feira, maio 26, 2014
Semiótica do amor revela o desencontro marcado
segunda-feira, maio 26, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Dia dos
Namorados se aproxima como mais uma data dentro da agenda comercial que envolve
Páscoa, Dia das Mães, Black Friday etc. Os críticos mais ingênuos acusam de
materialismo a imposição comercial da necessidade em demonstrar amor, afeto ou
carinho com presentes caros. Mas a crítica perde de vista algo de mais profundo
e perverso: se para a sociedade de consumo o amor é uma mercadoria, ela deve ser
inserida na lógica básica mercantil: a escassez do produto conduz a sua
valorização no mercado. Por isso, na atualidade estamos presenciando uma
intensa estratégia semiótica de produção de, por assim dizer, desencontros
marcados: frustrações afetivas, insatisfações sexuais e carências amorosas.
Tudo para criar a percepção de que o amor é um bem precioso porque está em falta,
agregando cada vez mais valor a jantares românticos, caixas de bom bons e joias.
Dessa forma, o amor é mais um bem que se insere na lógica mais geral de criação
de escassez para a criação de commodities como a água, meio ambiente, segurança
e felicidade.
Dia dos
namorados se aproxima, dessa vez ofuscada pela abertura da Copa do Mundo de
futebol no Brasil. Celebrado como o dia dos casais apaixonados, surgiu até
movimento publicitário de uma marca de cerveja para que o evento seja antecipado
um dia antes e os namorados possam acompanhar a abertura da Copa.
Realmente, toda
a publicidade e a sociedade de consumo sempre necessitaram do fluxo incessante
de amor, paixão, afeto e desejos como matéria prima para a promoção de
campanhas de produtos e serviços. Mas ao longo dos tempos o Dia dos Namorados
na mídia não se contentou apenas em usar o amor como isca subliminar para
vender carros, perfumes, chocolates, roupas e cosméticos. Mais do que isso, hoje
o amor é oferecido como mercadoria: como algo que você busca, encontra,
experimenta e conquista.
quarta-feira, maio 21, 2014
O que matou Theodor W. Adorno?
quarta-feira, maio 21, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O sociólogo, musicólogo e pensador Theodor W. Adorno sempre foi um estrangeiro no seu próprio país e nos EUA para onde fugiu com a ascensão do nazifascismo na Alemanha. Expoente máximo da chamada Escola de Frankfurt, sua crítica da sociedade e da indústria cultural inspirou estudantes que em 1969 se levantavam em manifestações radicais de esquerda e que se inconformaram com a recusa de Adorno em ser uma espécie de guru do movimento. Quarenta e cinco anos depois, pesquisadores como Bill Niven da Notthingan Forest University afirmam que os conflitos pessoais de Adorno com líderes estudantis e a pecha em torno dele de “apocalíptico e pessimista” podem tê-lo matado. Ao contrário desse estereótipo, sua morte prematura interrompeu o seu projeto mais otimista e libertário onde através de uma via “negativa” (e gnóstica) tentava encontrar a “metafísica em queda” que o levaria a fazer uma arqueologia das oportunidades perdidas: a busca das experiências singulares impossíveis de serem dominadas pelos conceitos da Filosofia, ideologias e poderes.
domingo, maio 18, 2014
Por que roqueiros dos anos 80 se tornam neoconservadores?
domingo, maio 18, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Fazendo caras feias
e rostos vincados, roqueiros dos anos 80 se zangam e protestam dizendo que 30
anos depois, nada mudou no País. Artistas e bandas de rock que na década de
1980, inspirados no punk e pós-punk, se opunham ao regime militar e
reivindicavam pelas Diretas Já e democracia. Hoje, queixam-se para uma mídia
ávida por declarações conservadoras não só contra o Governo e o PT, mas contra a própria instituição da Política e dos
políticos. Por que só depois de 30 anos descobriram que o País “só patina ou
piora”? Oportunismo em meio de carreiras em declínio? Forma de ganhar
visibilidade midiática adotando o neoconservadorismo? Talvez a explicação não
seja tão simples: por trás do niilismo e pessimismo fashion desses roqueiros
talvez exista a repetição do trauma de uma geração que cresceu sob o impacto
da cultura hiperinflacionária dos anos 80. Presos a essa cena de décadas atrás,
de contemporâneos tornaram-se extemporâneos.
Em foto
promocional do 18° discos dos Titãs, o grupo posa com caras de maus e vestidos
de preto sobre lambretas. “São as caras feias de um Brasil que, vira e mexe não
muda”, dá legenda o jornal O Globo. E
na matéria o guitarrista (e colunista do próprio jornal) Tony Bellotto, 53,
fuzila: “é uma merda pensar como o Brasil há 30 anos ou patina, ou piora”.
É recorrente a
leva de roqueiros dos anos 80 como Lobão, Roger, Dinho Ouro Preto, Léo Jaime
entre outros que não só desfilam opiniões catastrofistas e de descrédito não só
ao Governo Federal e ao PT, mas em relação à própria instituição da Política em
redes sociais e grande mídia.
A ânsia em se portarem como críticos politicamente
incorretos algumas vezes beira ao protofascismo como no episódio da “pegadinha”
do colunista da Folha Antônio Prata que, simulando ter aderido ao
neoconservadorismo, escreveu sobre uma suposta conspiração de “gays, vândalos,
negros, índios e maconheiros” no Brasil do PT. O roqueiro Roger do “Ultraje a
Rigor” caiu na “pegadinha” e no twitter congratulou o articulista por “ter
culhões”. Roger não entendeu a ironia, na ansiedade de fazer parte da onda
neoconservadora na grande mídia.
sábado, maio 17, 2014
Um marco gnóstico no filme "Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças"
sábado, maio 17, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um marco entre
os filmes gnósticos. Se Matrix se tornou um clássico no Gnosticismo pop onde o
homem é prisioneiro em um cosmos simulado por máquinas, no filme “Brilho Eterno
de Uma Mente Sem Lembranças” (2004) temos uma mudança nas representações do
Gnosticismo no cinema: agora o homem é prisioneiro em um mundo interno, a própria
mente, através do sono do esquecimento induzido por uma tecnociência demiúrgica.
“Brilho Eterno” é profético em relação ao novo século que então se iniciava ao
fazer uma crítica às chamadas tecnologias do espírito (autoajuda, neurociências
etc.) e a sua popularização através da cultura Prozac que promete deletar nossas
inquietações (sonhos e memórias) por meios de recursos fármacos e neurocientíficos
para, em troca, nos proporcionar a paz dos cemitérios.
Ao lado do
filme Vanilla Sky (2001), o filme de
Michel Gondry Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004) é um marco na história
dos filmes gnósticos. Esses dois filmes representaram o fim do que chamamos
modelo Matrix de Gnosticismo pop: o mundo ilusório no qual o protagonista se
encontra aprisionado é mais uma simulação tecnológica perfeita produto de um
Demiurgo computacional como em Matrix
(1999), aliens como Cidade das Sombras
(Dark City, 1998) ou um diretor de TV
como em Show de Truman (1999); a
partir de Vanilla Sky e Brilho Eterno vemos o protagonista preso
em um mundo interior devido a alguma desordem neurológica ou psíquica,
conflitos interiores, alucinações ou sonhos.
Se no modelo
Matrix de Gnosticismo pop já era colocado a necessidade da gnose através de uma
busca interior ou reforma íntima para conseguir superar a ilusão aprisionadora,
agora a partir de filmes como Brilho Eterno, esse mergulho interior passa a ser
mais profundo, demonstrando que a prisão começa a partir dos próprias bloqueios
psíquicos como traumas, ressentimentos e angústias.
sexta-feira, maio 16, 2014
Linchamento no Guarujá revela sintoma do retrofascismo
sexta-feira, maio 16, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Para além do
horror diante da barbárie do linchamento de uma dona de casa por vizinhos e até
crianças em Guarujá/SP, o mais perturbador nesse episódio é a ambígua
declaração do governador do Estado de São Paulo Geraldo Alckmin, sugerindo que
o ato bárbaro era injustificável porque, afinal, “tudo não passou de boato”- então, se os boatos fossem verdadeiros o linchamento seria justificado? Essa surpreendente declaração para um governador confirmaria as sinistras
previsões de Arthur Kroker e Michael Weinstein nos anos 1990: uma integração
entre Estado, pan-capitalismo e violência sacrificial. O impulso primitivo
amplificado pelas redes digitais seria a fase “interativa” dos rituais de
sacrifício cotidianamente praticados pelos linchamentos midiáticos de
reputações ou dos refugos sociais (desempregados, velhos e pobres) oferecidos
como objeto sacrificial e bodes expiatórios em programas diários de TV. É o
retrofascismo à espera de uma tradução política para, mais uma vez na História,
ocupar o Estado.
“O homem preferirá ainda querer o nada ao nada querer” (Nietzsche)
O trágico episódio
do linchamento da dona de casa Fabiane de Jesus por vizinhos, amigos e até crianças
na cidade do Guarujá/SP provocado por um boato amplificado pela rede social
Facebook poderia ter passado despercebido como mais um caso num cotidiano de
chacinas e violências em bairros pobres e periféricos se não fosse por duas
características e um sintoma importante:
(a) Uma explosão
primitiva de violência motivada por um boato através de uma rede social produto
da alta tecnologia de comunicação digital desse início de século. Tecnologia
digital e primitivismo coexistindo como fossem dois lados de uma mesma moeda;
(b) O boato a
partir de um suposto retrato falado publicado em página do Facebook dava conta
de que Fabiane seria sequestradora de crianças para rituais de magia negra. Se
na sua origem primitiva o linchamento é um impulso sacrificial para esconjurar
o mal em uma comunidade, o episódio tem um quê de estranha ironia: um
linchamento (ritual de sacrifício) para punir uma pessoa que supostamente sequestrava
crianças para rituais que também visam esconjurar o mal ou/e compactuar como
ele;
segunda-feira, maio 12, 2014
O pós-humano no filme "The Machine"
segunda-feira, maio 12, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Do mito do Golem
do misticismo judaico, passando pelo robô Maria do clássico “Metrópolis” de
1927 até chegar ao computador HAL 9000 de “2001” de Kubrick, a Inteligência
Artificial (IA) é vista como ameaça ou realização máxima do homem, mas nunca
sua superação por supostamente faltar nela a essência da humanidade: a consciência
ou alma. Mas o filme inglês “The Machine” (2013) insere a discussão da IA em
outro patamar, desenvolvido no cinema desde os personagens dos replicantes
de “Blade Runner” (1982) de Ridley Scott: o do “pós-humano”. “The Machine” acrescenta
a essa novo enfoque da IA um componente místico que estaria motivando a agenda
tecnocientífica atual: o tecnognosticismo - a
ambição de nos livrarmos da carne e do orgânico através da transcendência espiritual
possibilitada pela tecnologia. Encontrar a imortalidade da alma através de upload
final para um banco de dados, “nuvem” de bits ou rede eletrônico-neuronal.
A Inteligência
Artificial (IA) é um dos grandes arquétipos do imaginário contemporâneo, capaz
de alimentar tanto as utopias mais luminosas quanto os maiores pesadelos
distópicos da literatura e do cinema.
Herdeiro direto
das mitologias do Golem (ser artificial associado ao misticismo judaico da
Cabala, trazido à vida através de processos mágicos), dos homunculus da Alquimia e de Frankenstein (a criação da escritora
Mary Shelley que materializou a advertência do pintor Goya de que o sono da
Razão produz monstros), a evolução da ambição tecnocientífica pela Inteligência
Artificial pode ser dividida em três etapas:
Primeira,
representada pelo filme Metrópolis de
Fritz Lang: através de uma estética cartesiana emblemática da vanguarda
artística da primeira metade do século XX apresenta a personagem robótica
Maria, comandada pelos malignos propósitos de uma elite que escraviza
trabalhadores – mas também o símbolo da necessidade do homem comandar a máquina
com o coração para mediar os conflitos entre a classe dominante e dominada. Em
si a máquina é benéfica, bastando ao homem buscar não a Razão, mas a sua
humanidade para controlá-la de forma sábia.
quarta-feira, maio 07, 2014
O logo da novela e a bomba semiótica da pararrealidade
quarta-feira, maio 07, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O logo da telenovela
“Geração Brasil” da TV Globo traria no seu design uma subliminar sugestão dos
números dos candidatos de oposição ao Governo? Delirante teoria conspiratória?
Prepotência dos jornalistas? Designers e profissionais criativos veem exagero
em tal acusação, já que toda marca produziria espontaneamente associações
visuais, já que para a Semiótica todo signo produziria uma imagem mental.
Posições ideológicas à esquerda, calejadas pela desconfiança em relação à
grande mídia, falam em manipulação subliminar. Mas parece que todas as posições
acabam se tornando vítimas da espiral das interpretações, a doença infantil da
Semiótica. A cura? Desconstruir o logo da telenovela através de técnicas as
mais objetivas possíveis como a de recorrência sincrônicas e diacrônicas,
comutação e Gestalt. E no final descobrirmos que, na verdade, o suposto poder
subliminar do logo não provém dele mesmo. Sua força é alimentada por uma
pararrealidade criada pela TV ao fundir diariamente ficção com não-ficção.
Surge a polêmica entre jornalistas, simpatizantes da esquerda e profissionais de design e criação de que logomarca da novela das 19h Geração Brasil (ou “G3R4Ç4O BR4S1L”) conteria “coincidentemente”
em sua linguagem “internetês” (ou Leet,
para ser mais preciso) os números dos candidatos de oposição: o “40” (PSB de
Eduardo Campos – PE) e “45” (PSDB de Aécio Neves – MG).
O problema de toda
análise semiótica ou gestalt é que, se tomarmos o objeto de forma isolada,
todas as análises podem se cancelarem como meras interpretações subjetivas: se todo
signo cria uma imagem mental no interpretante, logo o que estamos vendo poderia
ser apenas o signo de outro signo da realidade – e o que é “realidade” para a
Semiótica é uma questão metafísica, já que seu interesse é puramente
pragmático: entender as significações obtidas de acordo com a posição relativa
do interpretante.
terça-feira, maio 06, 2014
Palestra de executivo revela a secreta religião americana
terça-feira, maio 06, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O que há por trás da performance de uma palestra de um executivo norte-americano? Broadway, Hollywood, teatro vaudeville e todo um mix cultural único de um país que conseguiu fundir “business”, “show” e “entertainment”. Assistir ao discurso desses protagonistas corporativos é testemunhar o ineditismo de um país que conseguiu fundir a fé tecnológica, o espírito pioneiro dos puritanos e o triunfo do liberalismo comercial. O pesquisador canadense Arthur Kroker chamava isso de “capitalismo pentecostal”: a calculada canastrice da palestra de um executivo inspirada no pantheon dos simulacros da cultura pop , a crença no pragmatismo tecnológico como moralmente bom e a fé em um destino manifesto de levar a religião americana para todo o mundo.
domingo, maio 04, 2014
Em Observação: "La Hora Fría" (2006) - cineteratologia dos zumbis?
domingo, maio 04, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Oito pessoas,
isoladas no subterrâneo em um mundo pós-guerra química, vivem sob a ameaça de
zumbis mutantes e fantasmas. Mais do mesmo para os fãs de cinema
pós-apocalíptico e de zumbis? Isso é que o “Cinegnose” vai conferir: um filme
de uma época em que o cinema espanhol começa repentinamente a interessar-se
sobre o tema zumbis, ao lado de produções como “REC” e “[REC] 2”, com
interessantes variações sobre o tema. “La Hora Fría” é uma oportunidade para
verificar algumas hipóteses da chamada Cineteratologia – o estudo da morfologia
e natureza dos monstros no cinema como metáfora do espírito de uma determinada
época. Mais um filme indicado pelo nosso leitor Felipe Resende.
sábado, maio 03, 2014
Em Observação: "The Machine" (2013) - a ciência entre a humanidade e as sombras
sábado, maio 03, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Filme sugerido
pelo nosso leitor Felipe Resende. A crítica destaca que a produção britânica “The
Machine” combina temas do filme premiado pelo Oscar “Ela” e o clássico “Blade
Runner” de Ridley Scott (1982). Em meio a uma nova Guerra Fria, dessa vez entre
o Ocidente e a China, programadores de computador fazem pesquisas em
Inteligência Artificial e neurociência até desenvolverem um androide com alma e
consciência em um laboratório militar subterrâneo. O filme apresenta a
ambiguidade atual das tecnociências que enquanto mantém esperanças altruístas
nos benefícios humanos das descobertas científicas, convivem com a sombra de aplicações
muito mais sombrias pelos poderes que as mantêm.
quinta-feira, maio 01, 2014
Globo reage à crise de audiência e credibilidade com desespero metalinguístico
quinta-feira, maio 01, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Sai a estética
futurista de Hans Donner, entra os passos do funk e um visual menos high tech
onde até a icônica zebrinha dos anos 1970 que dava os resultados do futebol
parece renascer com nova roupagem. E tudo isso com muita auto-referência e metalinguagem. Essa é
a repaginada do programa dominical “Fantástico” e dos telejornais da emissora que
parecem sentir o golpe da perda de audiência e credibilidade. Uma simulação de
reunião de pauta com telespectadores dando palpites sobre temas
pré-estabelecidos no “Fantástico” é o desespero metalinguístico de criar uma
percepção de transparência e credibilidade de um jornalismo que tenta se
equilibrar entre o papel de oposição política assumido pela emissora e a
necessidade de aparentar objetividade noticiosa. A transformação da estética
Hans Donner na identidade visual da emissora parece apontar para o sintoma da sua perda
de relevância e o fim de uma utopia modernista que a TV Globo representou
durante da ditadura militar e não consegue mais sustentar diante do novo
cenário. E a resposta da emissora é autofágica.
Os tempos estão
mudando e a TV Globo já não é mais a mesma. As audiências vêm despencando há
muito tempo numa irresistível curva descendente para uma emissora que já chegou
a 100% de audiência com a novela Selva de Pedra em 1972 e o Jornal Nacional
dando 80% nos anos 1980. Bem diferentes são os tempos atuais: o Jornal Nacional desce aos 17%, a estreia
do Novo Fantástico no último domingo
registrou média de 16,5%, Silvio Santos supera os números de audiência do reality show musical SuperStar e assim por diante.
Paradoxalmente, o
faturamento da emissora é mantido em patamares elevados. Para os analistas,
graças ao impacto no mercado publicitário do famoso “incentivo”chamado BV
(Bonificação por Volume) – comissões repassadas da TV Globo para as agências de
publicidade que variam de acordo com o volume de propaganda negociado entre
elas. Seria o principal mecanismo que perpetuaria o monopólio midiático da
emissora.
Tecnologia do Blogger.