A maior vítima do filme “Esquadrão Suicida” não foi a super-vilã do Outro Mundo Enchantress. Foi o Coringa de Jared Leto, vítima da diluição de todos os vilões do filme na estratégia ideológica do “good-bad evil”: maus, porém com bom coração. Os brutos também amam. Forma hollywoodiana de esvaziamento do Mal ontológico – o vilão não quer se vingar do herói, mas da sociedade hipócrita que o produziu. Em tempos de endurecimento da guerra contra o terrorismo, Hollywood não pode permitir mais um Coringa como o de Heath Ledger. Com a neutralização do arquétipo do Coringa, pelo menos Leto livrou-se da maldição sincromística que o palhaço do crime parece lançar sobre os atores que o encarnam.
Tecnicamente o
filme Esquadrão Suicida é perfeito: tem ação, efeitos especiais, edição, ritmo
acelerado e aventura. Porém sua narrativa é maciça, confusa e barulhenta. É
mais uma tentativa da DC Comics em criar uma série de filmes interligados como o bem sucedido universo cinemático da
Marvel.
Assim como no
universo Marvel, em Esquadrão Suicida
acompanhamos o típico heroísmo amoral onde a Justiça está sempre acima de Bem e
do Mal e os fins justificam os meios - toda escala de destruição e mortes não
passa de efeitos colaterais. Mas enquanto na Marvel essa amoralidade está no
plano da fantasia (e nem por isso menos ideológico), na DC Comics está
sombriamente próximo da realpolitik do combate ao terrorismo internacional.
Apesar dessas
semelhanças, Esquadrão Suicida
explora uma novidade na atual tendência das adaptações dos quadrinhos para as
telonas: por assim dizer, o “good-bad Evil”, o Mal simultaneamente bom e mau.
Os piores assassinos seriais, sociopatas, psicóticos, confinados nas prisões de
segurança máxima dos EUA, mas capazes de amar, ter compaixão, ser um bom pai e
desenvolver algum tipo de idealismo e espírito de ética... pelo menos entre os
vilões.
Como veremos
adiante, o pesquisador alemão Dieter Prokop chamava esse estratégia do “cinema
de monopólio” como “construção sígnica” a partir de uma tipologia baseada em
“fantasias modais” de acordo com predisposições médias extraídas do público por
meio de pesquisas.
Assim como a
amoralidade heroica, essa construção sígnica de personagens é mais uma
estratégia ideológica evitar que a “vilania” (sociopatia, psicose, sadismo
etc.) se sobressaia na narrativa como produção social, como se notalibilizou a
figura do Coringa de Christopher Nolan – o vilão como a contraparte do herói e como
a evidência viva de uma sociedade hipócrita.
Por isso, a maior
vítima do Esquadrão Suicida acabou
sendo o Coringa de Jared Leto cujo resultado final virou um mix de Scarface com
gangsta ostentação, diluindo a virulência desse arquetípico personagem. Ao
anular a letalidade do palhaço do crime, pelo menos Leto livrou-se da maldição
sincromística que acompanha atores que o encarnam – sobre isso clique aqui.
O Filme
Tudo inicia
quando vemos Will Smith em uma prisão na Lousiana como o exímio atirador sniper
Deadshot. Sob a música “Simpathy For the Devil” dos Rolling Stones vemos depois
a sombria figura de Amanda Waller (Viola Davis), agente da Inteligência do
Governo, com uma preocupante questão: “O que acontecerá se o próximo
Super-Homem for um terrorista?”.
Após a morte do
Super-Homem, a grande questão estratégica são os meta-humanos. E se um deles de
repente quiser tirar o presidente da Casa Branca? Super-Homem era um
meta-humano “bom”. Mas, e o próximo?
Meta-humanos não
são confiáveis. Por isso, Waller tenta convencer os militares da necessidade de
formar uma espécie de força-tarefa com os maiores super vilões do planeta para
enfrentar potenciais novos inimigos.
Novos personagens
menos conhecidos do que Batman e Super-Homem são introduzidos com rápidos
flashbacks: a sensual e enlouquecida Harley Quinn – no passado foi uma doutora
em uma prisão psiquiátrica na qual se apaixonou por um paciente muito especial:
o Coringa.
Outros vão
aparecendo como Killer Croc (que involuiu à condição de réptil), o tatuado
Diablo (amaldiçoado com o poder de criar fogo), Bumerangue (assaltou todos os
bancos da Austrália e tentava uma próspera carreira nos EUA), Katana
(assombrada pelo espírito do seu marido morto na sua espada samurai) e outros
de uma galeria de mercenários que ganharão muito pouco em troca da missão.
E para piorar,
uma super-arma secreta se rebela contra os militares: a antiga bruxa asteca,
Enchantress (cujo espírito possuiu o corpo de uma arqueóloga (June) e passou a
prestar serviços à espionagem dos EUA) libertou seu irmão incubus e juntos
planejam dominar a humanidade.
O estrago começa
em uma estação de metrô na cidade de Midway (uma grande Nova York gótica). A
cidade é evacuada e a força-tarefa do Esquadrão Suicida é convocada para entrar
na cidade e derrotar a vilã do Outro Mundo.
Girl Power?
As mulheres
parecem dar as cartas no filme: Waller e Enchantress são polos opostos de
poder. Enquanto Harley Quinn, a amante do Coringa, é a cara do filme, o
personagem disruptivo e mais ousado. E há ainda Katana, a samurai que com sua
espada absorve o espírito das suas vítimas.
Girl Power? Esse
é o início das camadas de aparência do filme. Waller é mulher e negra. Mas que
repete a mesma amoralidade do poder dos brancos: é capaz de matar friamente os
inocentes funcionários do FBI da sala de comando da força-tarefa para “apagar
arquivo” como um infeliz efeito colateral. Uma referência involuntária ao
presidente democrata Obama, senhor das armas e guerras que repete o mesmo
traquejo belicista dos presidentes republicanos?
Harley Quinn
veste-se e comporta-se como um fetiche ao voyeurismo masculino – parece ser o
complemento erótico para tanta testosterona de metralhadoras e explosões.
O personagem mais
interessante parece ser mesmo a deusa vilã Enchantress: ela revolta-se com um
mundo que não respeita mais deuses e apenas idolatra máquinas. Tenta mudar tudo
isso abrindo um portal para o Outro Mundo para criar uma máquina divina que
destrua as máquinas humanas.
Mas esse
interessante tema arquetípico é apenas sugerido em uma simples linha de
diálogo. Para depois ser diluído em sequências risíveis que lembram um pastiche
do filme Ghostbusters.
Vilões com bom coração
O que realmente
desaponta em Esquadrão Suicida é o
Coringa de Jared Leto. Como todos os outros vilões da força-tarefa suicida,
sofre a construção sígnica do good-bad evil.
O pesquisador
Dieter Prokop encontrou essa forma de diluição ideológica do vilões com o
exemplo da mulher fatal ou vamp. Surgida no cinema pré-monopolista das décadas
de 1910-20 era uma mulher autônoma, arruinava-se a si mesma e levava os homens à
destruição através da sua sensualidade, como bem representou o mito de Greta
Garbo.
A partir
dos anos 1930 temos um novo tipo de mulher: a good-bad girl (garota
boa-má), uma combinação de signos que jamais seria possível na realidade. Há um
processo de desmanche do antigo estereótipo da mulher vamp, onde os
pedaços dos filmes antigos (esquemas, sequências etc.) são juntados. A mulher vamp,
com personalidade forte, é, no cinema moderno, tão má como a antiga, mas no
decorrer da narrativa transforma-se, reconciliando-se com o mundo - veja
MARCONDES FILHO, Ciro. Dieter Prokop, coleção grandes cientistas
sociais. São Paulo: Ática, 1987.
A good-bad
girl fascina pela sua loucura, sensualidade e aparente desajustamento, mas
no fim descobrimos que podemos levá-la para casa e apresentarmos às nossas
mães.
Os brutos também amam
O Coringa de
Heath Ledger foi talvez uma exceção na construção da vilania nos filmes das
franquias Marvel e DC Comics: em Batman -
O Cavaleiro das Trevas, o Coringa é um produto social, o outro lado da
moeda da Ordem e da Justiça – a Ordem produz desordem, e a Justiça, injustiça.
Como a vilã vamp, quer vingar-se não do herói, mas do mundo nem que para isso
tenha que morrer no final. É o Mal ontológico.
Em Esquadrão Suicida, temos, ao contrário,
o vilão com bom coração. Tudo o que eles querem no final é canais de TV a cabo
nas suas celas ou um dia para Deadshot ajudar sua filha fazer lição de casa e
ser um bom pai.
Por isso, Jared Leto pode ficar tranquilo quanto
à maldição sincromística que o arquétipo do Coringa parece lançar aos atores
que o performam: o seu Coringa é, no final, um bruto que também ama.
Ficha Técnica |
Título: Esquadrão Suicida
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Diretor: David Ayer
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Roteiro: David Ayer
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Elenco: Will Smith, Jared Leto,
Margot Robbie, Viola Davis,
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Produção: DC Comics, Warner Bros.
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Distribuição: Warner Bros.
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Ano: 2016
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País: EUA |