Esse humilde blogueiro resolveu dar uma pequena contribuição à Antropologia Corporativa. No momento em que escolas e faculdades estão sendo
rapidamente adquiridas por grupos educacionais nacionais e internacionais,
oligopolizando o setor, a cultura organizacional escolar cada vez mais se
assemelha à cultura corporativa. Principalmente naqueles sinais que indicam que o professor vai ser demitido como um mal necessário na implantação das novas e
revolucionárias ferramentas organizacionais e educacionais trazidas por
messiânicos gestores e CEOs. Fique atento a esses sete sinais. Eles podem também
ser estendidos ao mundo corporativo em geral.
1. Sua escola/faculdade foi adquirida por algum grupo educacional estrangeiro ou nacional
A instituição
onde leciona é a mais nova unidade dentro de um grupo educacional. Como
primeiro passo, certamente terá sua estrutura organizacional rapidamente
hierarquizada e verticalizada. Isso requer muito atrito e desgaste político e
pessoal dos gestores. Principalmente porque a instituição escolar vai adquirir
o cacoete corporativo (mudanças culturais e organizacionais) e se chocará com
uma tradicional cultura acadêmica.
Por isso, o
comportamento dos gestores e CEOs se assemelha muito ao dos leões machos
recém-chegados: quando entram em cena e desposam a leoa, matam os filhotes da
cria anterior em um chocante infanticídio. Dentro da lógica evolutiva, tem a
ver com a sobrevivência da espécie para que os novos pais não gastem energia
cuidando da cria anterior.
Gestores verão
professores mais antigos, ou pelo menos anteriores ao “desposamento”, como
ameaças em potencial de atritos. Às favas experiência, títulos, proficiência
etc. Sistemas corporativos tornam-se tão hierarquizados e repletos de gestores,
controllers, diretores (sob deliciosos eufemismos como “reitor”, “pro-reitoria”
etc.) que fecham-se em si mesmos. Pouco importa o insumo (in put) ou o
produto (out put): o sistema de
auto-reproduz simplificando o que entra (professores) e o que sai (educação).
2. Você leciona há muito tempo na escola/faculdade
Se o professor
estiver há pelo menos uma década na instituição adquirida, será visto pelos
gestores como alguém frustrado, desmotivado e
com benefícios e prerrogativas que poderão se tornar uma pedra no sapato
para as novas “revoluções” organizacionais, trabalhistas e pedagógicas.
Gestores
educacionais veem a si mesmos como orgulhosos messias dos novos tempos. Por
isso, tornam-se seres perigosamente impulsivos, acima do bem e do mal, imbuídos
de um emergencial espírito de justiça.
Certamente essas
revoluções messiânicas organizacionais (terceirizações, contratos de curto
prazo etc.) e pedagógicas (metodologias ativas, educação por competências)
entrarão em choque com os saberes da trajetória acadêmica tradicional –
mestrado, doutorado, pós-doc.
O psicólogo
Alberto Merani em seu livro clássico de crítica à Human Engineering, Psicologia
e Alienação (Paz e Terra, 1977) já demonstrou como a alta capacitação
educacional entra em choque com a moderna organização do trabalho:
profissionais com formação elevada têm muita expectativa de realização no
trabalho. Muitas vezes frustram-se ao se verem num cargo/função com uma
atividade tão simplificada e com pouco espaço de criação que não exigiria, a
princípio, a formação que possuem.
Por isso, a
organização muda o foco da formação para competências técnicas, comunicacionais
e de inteligência emocional.
A
escola/faculdade transformada em unidade em uma rede educacional criará um
“plano de carreira” particular, onde os cursos internos de atualização de novas
estratégias didáticas, pedagógicas e capacitação docente (na verdade cursos de
adestramento para as novas “revoluções” trazidas pelos gestores) serão mais
importantes do que o mestrado e doutorado.
Aliás, mestres e
doutores partirão do zero nesse suposto plano de carreira, partindo do
princípio que são ignorantes sobre as revoluções dos novos tempos.
Por isso,
professores com muito tempo de casa são seres potencialmente frustrados e
ressentidos: seu investimento de tempo e dinheiro na titulação não serviu para
nada.
3. Notas do alunos não serão mais arredondadas
Professores
tendem a uma avaliação mais qualitativa do aluno. Para muitos, o sistema de
avaliação por notas é um estorvo: como se quantifica conhecimento? O professor
tenderá a arredondamentos ou, no mínimo, avaliar de meio em meio ponto.
Ao contrário,
gestores são cabeças de planilha Excel... e de data-show. São quantitativos. E
quantidade, números ou dados devem obrigatoriamente gerar tabelas, gráficos com
elegantes curvas para serem projetadas em data-show em reuniões com CEOs. Devem
milimetrizar o progresso, tendências, padrões.
Portanto, tenha cuidado se de uma hora para
outra for baixado um novo sistema de avaliação por décimos, sem mais
arredondamentos. Por trás disso estão gestores cabeças de planilha, impulsivos
e com um perigoso senso de justiça.
4. Seu plano de aulas/ensino deve ser convertido para uma planilha Excel
Para a cabeça
qualitativa de um professor, um software editor de texto é o suficiente para
criar planos de aulas e de ensino. Aula e ensino é como fossem res extensa:
a realidade, a matéria no sentido extensivo e qualitativo.
Mas para um
gestor, coisas extensas são difíceis de serem monitoradas, controladas e
avaliadas por uma espécie de “controle de qualidade acadêmico” que começa a ser
implantado.
Se colocar
câmeras em sala de aula para monitorar o professor em tempo real tem lá ainda
seus impedimentos éticos (cujas “revoluções futuras” certamente darão conta),
um plano de aula e ensino convertido em planilha Excel ajuda a prever aquilo
que o professor fará – principalmente nas estratégias das chamadas
“metodologias ativas”.
Cuidado! Isso
poderá ser a última coisa que o professor fará antes de ser demitido: com muito
esforço, tempo e paciência, converter a res extensa em res minimum,
isto é, do editor de texto para uma planilha onde em cada célula esteja
prevista cada ação futura em sala de aula.
Pode parecer uma
metáfora cruel, mas é como se o condenado à morte fosse obrigado a cavar sua
própria sepultura antes da execução.
5. O Coordenador fala que “dispara” e-mails
Em geral
coordenadores de curso foram ou ainda são professores. Mas no meio dessa
“revolução” gerencial e educacional seu coordenador estranhamente começa a
adotar jargões corporativos. No meio de reunião ele fala que vai “disparar”
e-mails para os professores com os slides da reunião, ao invés de falar
“enviar”.
Estranho
linguajar corporativo agressivo que denota performance, rapidez, eficiência,
emergência etc.
Mais além, a
sala de professores e a sala das coordenações sofrem mudanças arquitetônicas radicais:
divisões em baias, mesas imensas e monocromáticas. Tudo se assemelhando aos
escritórios corporativos.
A antiga sala do
coordenador (um local apinhado de antigas memórias e glórias do curso com
posters, quadros com fotos de turmas e alunos notáveis etc.) cede lugar a
espaços amplos com divisórias baixas e baias onde coordenadores ficam contidos,
olhando-se uns para os outros, como se vigiassem comportamentos e reações
mútuas.
Você quer ter
uma conversa mais pessoal? Dirija-se a uma sala fechada, o que vai apenas
despertar os olhares interrogativos e paranoicos dos demais: o que estará
acontecendo!..
6. Foram suspensas as reuniões de fechamento do semestre letivo
Normalmente
semestres letivos têm reuniões de abertura e fechamento, planejamento e avaliação
dos resultados respectivamente.
Se de repente as
reuniões de fechamento foram suspensas (sob o altruísta pretexto de que os
professores “estão cansados”), cuidado! Podem estar sendo preparados massacres
em cada final de semestre: demissões em massa motivados pelos itens 1 e 2 dessa
postagem.
7. O Beijo da Morte
E finalmente, a
mais assustadora evidência. O verdadeiro “beijo da morte”, aquele que o
condenado recebe antes de ser assassinado pela Máfia.
Você está há
muito tempo na casa e os gestores decidem reconhecer isso lhe homenageando com
um diploma de “Honra ao Mérito” em um evento onde estão outros gestores,
coordenadores e até CEOs. Cuidado! Você foi marcado.
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