domingo, agosto 14, 2016

Curta da Semana: "Getting Fat in a Healthy Way" - a Terra, a Lua e a obesidade


Em um universo alternativo a força gravitacional do planeta se enfraqueceu devido a uma catástrofe geofísica envolvendo Terra-Lua. Quem tiver menos de 120 quilos terá sérios problemas para levar uma vida normal – poderá sair flutuando e se perder na atmosfera. Por isso a obesidade passa a ser valorizada e vira o novo padrão de beleza. E se nesse mundo um homem magro se apaixonasse por uma mulher obesa? O curta “Getting Fat in a Healthy Way” (2015) do búlgaro Kevork Aslanyan coloca esse argumento sci-fi como pano de fundo para uma singela história de amor que suscita uma discussão sobre os padrões de beleza: se são relativos, por que se transformam em padrões ditatoriais?


A beleza é apenas uma contemplação relativa e subjetiva. Para além das condicionantes históricas e culturais, também há outros fatores de natureza mais objetiva como veremos no nosso Curta da Semana.

Seja na arte ou na percepção corporal, há fatores tanto subjetivos como objetivos que fazem mudar nosso julgamento sobre as diferenças entre o belo e o feito.

Essa natureza relativa da estética fica evidente quando se discute os padrões de beleza corporal. Por exemplo, se acompanharmos as formas como a beleza feminina era retratada no Período Colonial, Renascimento ou Antiguidade veremos que foge bastante do modelo buscado atualmente.

O curta Getting Fat in a Healthy Way (“Engordar de Forma Saudável”) do búlgaro Kevork Aslanyan entra nessa discussão com uma singela história de amor entre um homem magro e uma mulher obesa. Repentinamente os padrões de beleza do planeta mudaram porque... a força gravitacional da Terra ficou fraca: quem tiver menos de 120 quilos simplesmente se perderá no céu flutuando. Ficar gordo tornou-se uma questão imperiosa para poder levar uma vida normal.


Um sério acidente com um projeto espacial norte-americano destruiu metade da Lua, provocando uma drástica mudança na força gravitacional terrestre. É claro que se cavarmos na Física, veremos que não haveria essa relação causa-efeito, mas, afinal,  isto é ficção científica.

O curta se inscreve em um subgênero atual que os críticos chamam de “psicodramas alt. Sci-fi”: um tema de ficção científica é colocado como pano de fundo para serem discutidas questões existenciais nos relacionamentos humanos.

Esse é o curioso argumento desse curta búlgaro: a obesidade torna-se modelo de beleza após uma catástrofe geofísica envolvendo Terra-Lua.

O Curta

Em um mundo pós-comunista distópico, Constantine e seu pai Atanas compartilham um pequeno apartamento em um bloco de velhos prédios populares. Com apenas 60 quilos de peso, Constantine não pode sair do apartamento. Passa os seus dias preso no apartamento olhando o mundo com seus binóculos enquanto o seu obeso pai sai para trabalhar.

Constantine só consegue levar uma vida normal em casa porque o pai instalou um modulador elétrico que normaliza a gravidade no interior do apartamento.

Surgem problemas inusitados para o espectador como levar o cachorro para passear (eles flutuam como balões) ou inesperadas ereções nos homens.

Constantine acabou acostumando-se com a sua vida, até que muda-se para a vizinhança uma aeromoça obesa que mudará a sua vida pelo amor.

Ansioso para conhece-la, Constantine tenta engordar à base de uma dieta de fast-food e outras porcarias. Até passar muito mal, o que só irá piorar sua magreza.

Mas o seu pai trabalhará numa solução, como o leitor acompanhará no curta.

Uma das virtudes do curta é a forma orgânica como o roteiro constrói esse mundo alternativo. Percebemos os pequenos detalhes do novo padrão de beleza como, por exemplo, as capas das revistas femininas e masculinas como a Playboy, repletas de mulheres obesas em poses eróticas e fashion.


A Física da beleza

Getting Fat in a Healthy Way dá no que pensar sobre a relatividade dos padrões estéticos. Que esses padrões são determinados culturalmente, é indiscutível. Por exemplo, nas pornochanchadas nacionais dos anos 1970 celulites e estrias apareciam sem cerimônias em corpos de atrizes como Sonia Braga. Parecia fazer até parte do charme realista das cenas mais eróticas.

Mas o curta búlgaro propõe um novo viés: a Física. A atração gravitacional, inércia e entropia são os grandes limitantes humanos e cósmicos. Repare leitor como somos fascinados por artistas e esportistas que desafiam as leis da física: malabaristas, trapezistas, esportes radicais, ginastas nos seus saltos impossíveis, pilotos de fórmula 1 e motociclistas desafiando as leis da inércia.

Isso sem falar na indústria estética cujo inimigo comum, além do envelhecimento, é a lei da gravidade: tudo cai – pálpebras, cabelos, olhos afundam, os traços fisionômicos decaem etc.

Até chegarmos a solução digital do Photoshop.

Mas ser magro é uma obrigação para podermos lidar melhor com a força gravitacional. E se as leis da gravidade fossem repentinamente alteradas? Para Kevork Aslanyan tudo se inverteria e gordos e obesos seriam valorizados como novo padrão estético desejável.


É claro que após isso entra em cena a ditadura da beleza e o preconceito. Daí, entramos no campo da História e da Cultura.


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