Em um universo alternativo a força gravitacional do planeta se
enfraqueceu devido a uma catástrofe geofísica envolvendo Terra-Lua. Quem tiver
menos de 120 quilos terá sérios problemas para levar uma vida normal – poderá sair flutuando e
se perder na atmosfera. Por isso a obesidade passa a ser valorizada e vira o
novo padrão de beleza. E se nesse mundo um homem magro se apaixonasse por uma
mulher obesa? O curta “Getting Fat in a Healthy Way” (2015) do búlgaro Kevork
Aslanyan coloca esse argumento sci-fi como pano de fundo para uma singela
história de amor que suscita uma discussão sobre os padrões de beleza: se são
relativos, por que se transformam em padrões ditatoriais?
A beleza é
apenas uma contemplação relativa e subjetiva. Para além das condicionantes
históricas e culturais, também há outros fatores de natureza mais objetiva como
veremos no nosso Curta da Semana.
Seja na arte ou
na percepção corporal, há fatores tanto subjetivos como objetivos que fazem
mudar nosso julgamento sobre as diferenças entre o belo e o feito.
Essa natureza relativa
da estética fica evidente quando se discute os padrões de beleza corporal. Por
exemplo, se acompanharmos as formas como a beleza feminina era retratada no Período
Colonial, Renascimento ou Antiguidade veremos que foge bastante do modelo
buscado atualmente.
O curta Getting
Fat in a Healthy Way (“Engordar de Forma Saudável”) do búlgaro Kevork
Aslanyan entra nessa discussão com uma singela história de amor entre um homem
magro e uma mulher obesa. Repentinamente os padrões de beleza do planeta
mudaram porque... a força gravitacional da Terra ficou fraca: quem tiver menos
de 120 quilos simplesmente se perderá no céu flutuando. Ficar gordo tornou-se
uma questão imperiosa para poder levar uma vida normal.
Um sério
acidente com um projeto espacial norte-americano destruiu metade da Lua,
provocando uma drástica mudança na força gravitacional terrestre. É claro que
se cavarmos na Física, veremos que não haveria essa relação causa-efeito, mas,
afinal, isto é ficção científica.
O curta se
inscreve em um subgênero atual que os críticos chamam de “psicodramas alt.
Sci-fi”: um tema de ficção científica é colocado como pano de fundo para serem
discutidas questões existenciais nos relacionamentos humanos.
Esse é o curioso
argumento desse curta búlgaro: a obesidade torna-se modelo de beleza após uma
catástrofe geofísica envolvendo Terra-Lua.
O Curta
Em um mundo
pós-comunista distópico, Constantine e seu pai Atanas compartilham um pequeno
apartamento em um bloco de velhos prédios populares. Com apenas 60 quilos de
peso, Constantine não pode sair do apartamento. Passa os seus dias preso no
apartamento olhando o mundo com seus binóculos enquanto o seu obeso pai sai
para trabalhar.
Constantine só
consegue levar uma vida normal em casa porque o pai instalou um modulador
elétrico que normaliza a gravidade no interior do apartamento.
Surgem problemas
inusitados para o espectador como levar o cachorro para passear (eles flutuam
como balões) ou inesperadas ereções nos homens.
Constantine acabou
acostumando-se com a sua vida, até que muda-se para a vizinhança uma aeromoça
obesa que mudará a sua vida pelo amor.
Ansioso para
conhece-la, Constantine tenta engordar à base de uma dieta de fast-food e
outras porcarias. Até passar muito mal, o que só irá piorar sua magreza.
Mas o seu pai
trabalhará numa solução, como o leitor acompanhará no curta.
Uma das virtudes
do curta é a forma orgânica como o roteiro constrói esse mundo alternativo.
Percebemos os pequenos detalhes do novo padrão de beleza como, por exemplo, as
capas das revistas femininas e masculinas como a Playboy, repletas de mulheres
obesas em poses eróticas e fashion.
A Física da
beleza
Getting Fat in a Healthy Way dá no que
pensar sobre a relatividade dos padrões estéticos. Que esses padrões são
determinados culturalmente, é indiscutível. Por exemplo, nas pornochanchadas
nacionais dos anos 1970 celulites e estrias apareciam sem cerimônias em corpos
de atrizes como Sonia Braga. Parecia fazer até parte do charme realista das
cenas mais eróticas.
Mas o curta
búlgaro propõe um novo viés: a Física. A atração gravitacional, inércia e
entropia são os grandes limitantes humanos e cósmicos. Repare leitor como somos
fascinados por artistas e esportistas que desafiam as leis da física:
malabaristas, trapezistas, esportes radicais, ginastas nos seus saltos impossíveis,
pilotos de fórmula 1 e motociclistas desafiando as leis da inércia.
Isso sem falar
na indústria estética cujo inimigo comum, além do envelhecimento, é a lei da
gravidade: tudo cai – pálpebras, cabelos, olhos afundam, os traços fisionômicos
decaem etc.
Até chegarmos a
solução digital do Photoshop.
Mas ser magro é
uma obrigação para podermos lidar melhor com a força gravitacional. E se as
leis da gravidade fossem repentinamente alteradas? Para Kevork Aslanyan tudo se
inverteria e gordos e obesos seriam valorizados como novo padrão estético
desejável.
É claro que após
isso entra em cena a ditadura da beleza e o preconceito. Daí, entramos no campo
da História e da Cultura.