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sábado, fevereiro 22, 2014
A miséria da estética e da linguagem do trabalhador precarizado
sábado, fevereiro 22, 2014
Wilson Roberto Vieira Ferreira
No passado era o
proletariado, os explorados e os excluídos. Hoje temos os precarizados:
trabalhadores terceirizados, estagiários, temporários e todo um conjunto de
profissionais treinados espontaneamente para suas funções através da
manipulação de ícones em telas de celulares e mensageiros instantâneos usados no dia-a-dia, desde o velho ICQ até o atual Skype. Participantes incautos de uma ordem que foi secretamente gestada no interior de gigantescos prédios espelhados, com o apoio de uma estética e linguagem igualmente
precarizadas criadas por planilhas eletrônicas e elegantes gráficos e tabelas
projetadas em reuniões onde orgulhosos gestores professam discursos que
misturam efeitos de ciência, religião, misticismo e fenômenos da natureza.
“Aquele que é duro consigo mesmo também é com os demais” (Theodor
Adorno)
No início foi o gerundismo dos telemarketings e SACs de empresas que
invadiu a fala cotidiana. Ao mesmo tempo, imensos prédios corporativos em concreto
e vidros espelhados tomavam a paisagem urbana como fossem bunkers isolados do
contato com o mundo exterior por meio de seguranças privados e sistemas
centrais de climatização.
E no interior desses prédios foi secretamente gestada uma nova ordem
estética e linguística para dar sentido imaginário a um novo tipo de organização
de trabalho: a precarização – trabalhadores terceirizados, temporários, por
tempo parcial, estagiários, trabalhadores da “economia subterrânea” etc.
sábado, agosto 31, 2013
Guia prático de destruição do capitalismo
sábado, agosto 31, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Vamos dar uma pequena contribuição à
escalada de manifestações no Brasil no mundo com um pequeno “Guia Prático de
Destruição do Capitalismo” mostrando que o verdadeiro inimigo não está nas
vidraças de agências bancárias ou nas lanchonetes símbolos da globalização, sempre alvos de depredações. Está
na financeirização e liquidez do capital, símbolos da força e, paradoxalmente,
também da fraqueza de um sistema baseado apenas na credibilidade através da
nossa participação a cada compra a prazo ou quando pagamos através da
socialização dos prejuízos das explosões das bolhas financeiras. E a única
forma de libertação existente é através daquilo que o filósofo francês Jean Baudrillard chamava de "aprofundamento irônico e proposital
das condições negativas".
And when we kiss we speak as one
With a single breath this world is gone
(Everyone Everywhere, New Order)
With a single breath this world is gone
(Everyone Everywhere, New Order)
Desde
o crash da Bolsa de Nova York em 1929 quando quase tudo derreteu e foi para o
ralo, o capitalismo aprendeu que a força do capital não estava na exploração
local da força de trabalho, mas na industrialização e mercantilização como
modelo de vida social para ser expandido de forma sistêmica e planetária. Isso
foi conseguido por meio da publicidade, mídia e financeirização do capital.
Isso não evitou as crises, que se tornaram cada vez mais periódicas (longos
ciclos de prosperidade acompanhados por crises e explosões de bolhas
especulativas).
quarta-feira, junho 26, 2013
Lâmpadas e conspirações no curta argentino "Luminaris"
quarta-feira, junho 26, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O mais premiado curta de animação argentino e que chegou a ficar entre
os dez finalistas para concorrer ao Oscar da categoria, “Luminaris” (2011) de
Juan Pablo Zaramella apresenta em seus seis minutos uma grande riqueza
simbólica a partir da colagem de estilos que vai da arte Deco e Surrealismo ao
Filme Noir e Neorrealismo. O que representaria a alegoria de um universo alternativo
governado por uma estranha força magnética do Sol que arrasta todos para os
seus trabalhos? Apesar de Zaramella desconversar sobre o simbolismo do seu
curta, podemos fazer um pequeno exercício de leitura do conteúdo da narrativa a
partir de três pontos de vista: o marxista, o conspiratório e o gnóstico.
O mais premiado curta argentino, “Luminaris” em
2012 foi pré-selecionado entre os dez finalistas para concorrer ao Oscar dentro
de sua categoria. Feito com uma técnica de stop-motion
denominada pixilation onde atores
reais interagem com objetos inanimados - veja o curta abaixo.
Dirigido por Juan Pablo Zaramella, a narrativa de
seis minutos é ambientada em uma Buenos Aires que parece o resultado do
cruzamento entre filme noir, realismo fantástico, neorrealismo e surrealismo. O
curta conta a história de um homem (Gustavo Cornillón) que vive em um universo
alternativo onde o tempo, o trabalho e o cotidiano são controlados pela luz do sol
que age como espécie de força magnética, despertando a todos para depois
arrastá-los ao trabalho e trazê-los ao final do expediente de volta para casa.
O protagonista tem um trabalho rotineiro e repetitivo na linha de montagem
em uma fábrica de lâmpadas onde são produzidas de uma forma, digamos, não
muito ortodoxa...
terça-feira, abril 30, 2013
O Grau Zero da Política
terça-feira, abril 30, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Por que o PT é tão
assertivo nas questões sociais e reticente quando se trata da Lei dos Meios e
monopólios midiáticos? O verdadeiro ato falho do ministro da Educação Aloízio
Mercadante ao sair em defesa ao “seu” Frias frente às denúncias da Comissão da
Verdade representa aquilo que o pensador francês Jean Baudrillard chamava de
“grau zero da política”: as esquerdas nunca quiseram chegar ao Poder
e, dizia Baudrillard, se um dia chegassem não haveria perigo porque o poder, de
fato, não existe. Ele estava sendo profético.
******
À primeira vista, talvez o tema dessa postagem (política
partidária) cause estranheza ao leitor em um blog especializado na discussão
sobre cinema e gnosticismo. As últimas discussões sobre a Lei dos Meios e os
monopólios de mídia e a reticência do governo atual em debatê-la lembram um
conceito de influência gnóstica do pensador francês Jean Baudrillard: a
reversibilidade simbólica, o gênio maligno presente em todos os sistemas –
todos os sistemas chegam a um ponto de desenvolvimento e complexidade que
acabam inviabilizando sua própria finalidade, voltando-se contra si mesmo. É o
caso do sistema político que chegaria ao chamado “grau zero”, onde a finalidade
social foi substituída pela simulação e sedução. É a “transparência do Mal”.
******
Em carta ao jornal Folha de São
Paulo o ministro da educação Aloízio Mercadante saiu em defesa da memória de
Octávio Frias de Oliveira, falecido dono da “Folha”, após um delegado dos
tempos da ditadura militar dizer, na Comissão da Verdade, que ele colaborou
ativamente na repressão e tortura aos “terroristas” e “subversivos”. Esse
episódio parece que foi a gota d’água para muitos que ainda, pacientemente,
esperavam que após 10 anos de governos de esquerda a questão do monopólio
midiático no país já tivesse sido, pelo menos, confrontada.
sexta-feira, março 15, 2013
Mas afinal, quem é o dono do hardware?
sexta-feira, março 15, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Após resultados positivos nas investigações sobre a interface
cérebro/máquina, o cientista Miguel Nicolélis vai além: em artigo publicado na “Cientific
Reports” anuncia o sucesso na conexão entre cérebro/cérebro. O arco de benefícios
iria desde aplicações médicas como reparos eletrônicos em tecidos cerebrais até
o surgimento do primeiro “computador orgânico”, uma Internet formada por
cérebros conectados em tempo real. Essas promessas tecnocientíficas adquirem um
aspecto messiânico ao serem divulgadas pela mídia de forma descontextualizada e
solta em uma espécie de vácuo das boas intenções. Mas quem financia a pesquisa?
Qual o destino dessas descobertas ao transformarem-se em comodities em uma sociedade de mercado? Para além das
aplicações pontuais, que tipo de paradigma ou modelo de individualidade as
neurociências repercutem na cultura? E o principal: mas afinal, quem é o dono do hardware?
Nicolélis tem nobres intenções:
ele quer fazer tetraplégicos andarem através da interface cérebro/máquina e tecidos
cerebrais lesionados se reconstituírem através da tecnologia e plasticidade inerente
às redes neuronais. Nicolélis se deixa fotografar com camisas discretamente
abertas para que possamos perceber uma camisa verde e amarela por baixo. Ele
faz questão de declarar que todo o know
how tecnológico dos laboratórios da Universidade de Duke nos EUA foi
trazido para o Instituto de Neurociência de Natal, Rio Grande do Norte.
Nicolélis é um nacionalista, sinal do crescente protagonismo do Brasil no
cenário internacional após anos de governo Lula e Dilma.
Os avanços tecnocientíficos
parecem estar acima de qualquer juízo de valor ou crítica por serem o resultado
prático do esforço coletivo do intelecto humano. Esses avanços fascinam pela
potencial utilidade e benefícios que podem trazer ao gênero humano: quem poderá
ser contra a possibilidade de paralíticos voltarem a andar e cérebros
lesionados recuperarem suas funções?
sábado, fevereiro 23, 2013
O evangelho do capitalismo tardio no filme "Rede de Intrigas"
sábado, fevereiro 23, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Vencedor de quatro
Oscars em 1977, “Rede de Intrigas” (Network, 1976) de Sidney Lumet foi interpretado
na época apenas como um drama sobre “o primeiro homem a morrer por causa dos
baixos índices de audiência”. O filme estava à frente do seu tempo com um tom
de sátira cínica e trágica que profetizava uma nova forma de sensacionalismo
midiático bem diferente da velha “imprensa marrom”: uma espécie de
sensacionalismo ecumênico, o novo evangelho da nova ordem mundial que estava sendo instaurado – a Globalização. Para compreender totalmente o quão profético foi o
filme “Network”, somente através do conceito de “capitalismo tardio” tal como desenvolvido
pelo economista marxista belga Ernest Mandel em 1972.
- Olá, eu sou Diana Cristensen, uma racista escravizadora do
circo do Tio Sam.
- E eu sou Laura Hobbs, uma negra suja e comunista.
O insólito diálogo acima entre a
executiva da rede de TV norte-americana UBS com uma líder ativista radical de
esquerda ao se conhecerem para fechar o acordo sobre a exibição no horário
nobre do programa chamado “A Hora Mao Tsé-Tung” , é um dos cínicos e
irônicos momentos do filme “Rede de Intrigas” de Sidney Lumet. Para
conseguir audiência a executiva não hesitará em exibir vídeos gravados pelos
próprios guerrilheiros do Exército Ecumênico de Libertação assaltando bancos e
cometendo atentados.
terça-feira, fevereiro 12, 2013
Origens míticas e mágicas do Belo e da Arte
terça-feira, fevereiro 12, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Limpando o sótão de
casa e tentando dar uma ordem nas pilhas de livros e papéis, para minha
surpresa acabei encontrando os originais de um texto datilografado que foi a
base de uma palestra dada por mim na Associação Santista de Dança lá pelos
meados da década de 1980. Lembro-me que o tema proposto era “O Belo e a Arte” e
fazia parte de uma semana cultural promovida pela Associação. É um texto de
juventude, bem radical, raivoso e adorniano – fiquei pensando: “pobres daqueles
que ouviram essa palestra...”. Ironias à parte, o texto procurava tratar sobre o destino da
noção de Belo em uma sociedade de consumo que a explora como “álibi” para dar
um rótulo “nobre” ao objeto artístico mercantilizado. O argumento é que com a
sua mercantilização, esvazia-se a dimensão utópica e crítica da noção de Belo
desde suas origens míticas e mágicas. As referências do texto são basicamente
Theodor Adorno e Max Horkheimer do livro “A Dialética do Esclarecimento” e do
italiano Massimo Canevacci e sua visão de uma antropologia marxista do livro
“Antropologia do Cinema”. Confira abaixo e vejam o que vocês acham...
sábado, janeiro 26, 2013
"A Noite dos Desesperados" em um mundo sem coração
sábado, janeiro 26, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Em épocas de reality
shows como “Big Brother Brasil” é oportuno assistir ao filme “A Noite dos
Desesperados” (They Shoot Horses, Don’t they?, 1969) baseado em um livro que
tornou-se um dos prediletos dos filósofos e escritores existencialistas franceses
por aprofundar as motivações humanas diante da dor e sofrimento. A cena
descrita pelo filme (o início da indústria de entretenimento na época da Grande
Depressão americana dos anos ’30) possibilita uma rica comparação com o gênero
reality show atual: se no passado o espetáculo sado-masoquista ainda tinha o
componente trágico da ritualização de um destino comum a todos (dor e
sofrimento em um mundo sem coração), agora é mais perverso: os espetáculos de “sacrifício
de cavalos” são promovidos como lições morais em um mundo aparentemente livre e
democrático que ofereceria chance a todos tornarem-se celebridades.
Por três refeições por dia, a
promessa de um prêmio de 1.500,00 dólares e algumas moedas jogadas pela
plateia, dezenas de casais desesperados em plena Grande Depressão dos anos 1930
nos EUA decidem participar de um concurso de danças em um velho salão em Chicago.
Na verdade será uma desumana maratona de seis dias até que o último casal
sobreviva após passar por dores físicas, desconforto, humilhações e
indignidades, monitorados por médicos e enfermeiras cujo papel básico é o de manter
os participantes de pé à todo custo para manter a adrenalina do show.
Seu mestre de cerimônias e
empresário chamado Rocky (Gig Young, premiado com um Oscar de ator coadjuvante),
filho de um charlatão que fazia shows de simulação de curas em parques de
diversão, usará as lições aprendidas para manipular emocionalmente os
participantes: “isso não é um concurso, é show. As pessoas não estão nem aí
para o vencedor. Querem ver um pouco de sofrimento para que se sintam melhor!”,
dispara cinicamente Rocky a certa altura do filme.
A narrativa é repleta de
pequenos dramas pessoais amplificados pela depressão econômica e desemprego:
uma mulher grávida e seu marido que veem no grande prêmio a esperança de dar
uma vida digna ao futuro filho; uma fútil atriz que vive a esperança de que na plateia
esteja um caçador de talentos de Hollywood; um orgulhoso marinheiro veterano da
I Guerra Mundial que tenta provar que ainda é capaz; uma mulher sobrevivente
das ruas chamada Gloria Beatty (Jane Fonda) vê seu parceiro desistir por
motivos de saúde na última hora.
domingo, agosto 26, 2012
Ocultismo e política no fenômeno viral "I, Pet Goat II"
domingo, agosto 26, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Propaganda Iluminati? Denúncia à hipocrisia da política
anti-terror dos EUA? Uma metáfora da decadência espiritual do Ocidente? O curta
canadense de animação “I, Pet Goat II” virou um fenômeno viral da Internet,
produzindo as interpretações mais extremas. Elegante e ao mesmo tempo bizarro,
o vídeo mergulha em uma série de simbolismos relacionados com fundamentalismo
religioso, propaganda política e ocultismo. Mas ao mesmo tempo a narrativa
contém uma estranha ambiguidade: será que o vídeo não cai na mesma armadilha
ideológica de todos os fundamentalismos que procura denunciar – o messianismo?
O curta de animação “I, Pet Goat II” virou um fenômeno viral
na Internet. O curta multiplicou-se em uma série de vídeos onde se tenta
enumerar e explicar, sequência por sequência, os inúmeros simbolismos presentes
na animação do canadense Louis Lefebvre. Simbolismos políticos, místicos,
ocultistas e conspiratórios que fazem a delícia tanto dos teóricos de
conspirações quanto dos estudiosos em propaganda e política internacional.
O curioso é que as interpretações são ambíguas e extremas:
de um lado veem na animação uma denúncia à política anti-terror dos EUA e a
utilização da religião como forma de manipulação das mentes conformadas; do
outro, interpretam o vídeo como uma propaganda Iluminati e o personagem central
da narrativa (Jesus redivivo sob uma roupagem esotérica) como o próprio
Anti-Cristo que estaria por trás da construção da chamada “Nova Ordem Mundial”
(NWO, em inglês).
O curta de animação é uma produção do estúdio canadense Heliofant
(o nome sugere um trocadilho entre o termo “hierofante” – sacerdotes da alta
hierarquia dos mistérios da Grécia e Egito antigo - “Heliópolis” – cidade do antigo Egito cuja
divindade máxima era “Rá”) formada por um grupo de artistas nas áreas de dança,
música, animação digital e artes visuais. Nas palavras de Louis Lefebvre, a
proposta do estúdio é “explorar diversas tradições espirituais e filosóficas em
diferentes formas líricas” (veja “Interview with Director of I, Per Goat II Louis Lefebvre”). E a animação “I, Pet Goat II” atinge esse objetivo de forma
simultaneamente elegante e bizarra: pelo acúmulo de simbolismos e personagens
mitológicos (“O Guardião do Fogo”, “O Feiticeiro”, “A Pietá” etc.) em um
estranho universo gelado e sombrio, ficamos nos perguntando o tempo inteiro “o
que isso quer dizer?” a cada cena.
quinta-feira, agosto 02, 2012
Zumbis invadem Havana em "Juan de los Muertos"
quinta-feira, agosto 02, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Juan de los Muertos” (2011), considerado o primeiro filme independente
cubano (co-produção Cuba e Espanha), é ao mesmo tempo curioso e irônico.
Curioso, porque a figura do zumbi, que desde o diretor George Romero é
utilizado como metáfora crítica à sociedade de consumo, agora é utilizada como
crítica à ordem socialista. E irônico, pois os zumbis que invadem Havana na
ficção, na vida real associam-se a outro clichê cultural norte-americano: a da invasão
de Cuba. O filme do diretor Alejandro Brugués parece conter um desejo secreto:
a contaminação de Cuba pela modernidade, nem que seja por zumbis: a criatura
que é a melhor metáfora para o Capital no pós-moderno.
Definitivamente a vida de Cuba
desde a Revolução de 1959 não foi fácil. Tentativas de invasão, embargo econômico liderado pelos EUA, dissidentes conspirando
em Miami e agora... zumbis invadem Havana. Pelo menos na ficção. É o filme
“Juan de Los Muertos”, de Alejandro Brugués, considerado o primeiro filme
independente cubano por não contar com o financiamento do Instituto Cubano de
Artes e Indústria Cinematográfica.
Com co-produção da espanhola La
Zanfoña Producciones, embora sem contar com dinheiro cubano o governo não
interferiu e autorizou inclusive as gravações em monumentos históricos. O filme
faz uma sátira ao regime de Fidel Castro através da invasão de zumbis que
inexplicavelmente chegam a Havana pelo mar e, ao melhor estilo hollywoodiano,
vão aos poucos instaurando o caos e lentamente destruindo a capital, com
direito a efeitos digitais dos “disaster movies” como um helicóptero
descontrolado explodindo no Capitólio.
O longa cubano foi exibido na
22° Cine Ceará desse ano e causou grande agitação. Em entrevistas, o diretor
afirmou que “Juan de los Muertos” já foi vendido para 12 países (ainda sem previsão para chegar no Brasil) e está fazendo
inesperado sucesso nos Estados Unidos. Na estreia em Havana, no Festival de
Cinema no ano passado, havia 15 mil pessoas tentando entrar no cinema. “Parecia
show de rock”, disse Alejandro.
Questionado se os zumbis seriam uma metáfora por serem tão podres
quanto o conceito de “novo homem” pregado pela revolução cubana, Alejandro
afirmou que o filme critica a “ideologia que previa construir heróis cubanos” e
que esse conceito político “perdeu completamente significado”.
Curiosa esse aplicação da metáfora dos zumbis para a realidade
política cubana. Os zumbis como metáfora surgem na história cinematográfica
como uma crítica à intolerância racial em “Noite dos Mortos Vivos” (1968) de
George Romero, contra o militarismo norte-americano em “A Volta dos Mortos
Vivos” (1985) de Dan O’Bannon ou “Madrugada dos Mortos” (2004) onde zumbis
tentam invadir um shopping na melhor aproximação entre zumbis e sociedade de
consumo – consumistas como fossem mortos-vivos. Portanto, os zumbis sempre
foram usados como metáfora crítica à sociedade capitalista. Dessa vez, a força
metafórica dos zumbis é direcionada a uma crítica à ordem socialista.
sexta-feira, maio 18, 2012
A globalização do "salve-se quem puder" no filme "Nove Rainhas"
sexta-feira, maio 18, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
O filme argentino “Nove
Rainhas” (Nueve Reinas, 2000) do falecido diretor Fábian Bielinsnky continua
ainda desconhecido no Brasil. Embora reflita o colapso econômico argentino do
final da década de 1990 e a amoralidade que a corrupção e a inflação estariam
provocando na cultura nacional, permanece bem atual. O impacto mundial (nos EUA
mereceu um remake de qualidade bem inferior) da saga de dois anti-heróis
trambiqueiros que descobrem que, na verdade, a própria sociedade é feita de
pequenos e grandes golpes, fez Bielinsky afirmar que o sucesso do filme
simbolizaria “a globalização do salve-se quem puder”. Provavelmente porque Bielinsky explora dois grandes arquétipos da literatura e do cinema: o "Pícaro" e o "Trickster".
“Nove Rainhas” (Nueve Reinas, 2000) se tornou um dos mais aclamados filmes argentinos recentes. Quase não foi visto no Brasil, renegado
apenas a festivais e obscuras exibições. Nos EUA fez tanto sucesso que rendeu
um remake com qualidade inferior chamado “171” (Criminal, 2004).
À primeira vista o filme se trata de mais uma estória de anti-heróis, pobres diabos que vivem de pequenos golpes na espera de encontrar a oportunidade de aplicar a grande e definitiva trapaça que o faça subir na vida e ser respeitado por todos. Mas há algo de perturbador no roteiro escrito e dirigido por Fábian Bielinsky: e se esse pobre diabo descobrir que, na verdade, a sociedade inteira é formada por anti-heróis e que jogos e trapaças já fazem parte da rotina de todos os níveis sociais, das ruas até as instituições? E se a sociabilidade for uma ficção necessária para encobrir esta realidade crua?
À primeira vista o filme se trata de mais uma estória de anti-heróis, pobres diabos que vivem de pequenos golpes na espera de encontrar a oportunidade de aplicar a grande e definitiva trapaça que o faça subir na vida e ser respeitado por todos. Mas há algo de perturbador no roteiro escrito e dirigido por Fábian Bielinsky: e se esse pobre diabo descobrir que, na verdade, a sociedade inteira é formada por anti-heróis e que jogos e trapaças já fazem parte da rotina de todos os níveis sociais, das ruas até as instituições? E se a sociabilidade for uma ficção necessária para encobrir esta realidade crua?
Toda a narrativa do filme se passa nas ruas e lugares
públicos em Buenos Aires (bares, restaurantes e saguões de hotéis) em um espaço
de tempo de pouco mais de 24 horas, da madrugada até a manhã do dia seguinte.
Marcos (Ricardo Darín) e Juan (Gaston Paulus) vivem de pequenos trambiques até encontrarem-se por acaso em um golpe malogrado em uma loja de conveniência. Tornam-se sócios em uma oportunidade que Marcos chama de “uma oportunidade em um milhão”: uma milionária negociação com um milionário espanhol envolvendo uma série de selos raríssimos falsificados, as “nove rainhas” do título. O negócio tem que ser realizado imediatamente, custe o que custar, já que o milionário deixará a cidade na manhã do dia seguinte. Enquanto o experiente golpista Marcos ensina ao jovem e inexperiente Juan os segredos do “ofício”, conta com a ajuda da irmã Valéria (Letícia Bredice) que trabalha no hotel onde o espanhol está hospedado. Mas questões familiares pendentes azedam a relação com a irmã, dificultando ainda mais o golpe milionário.
Marcos (Ricardo Darín) e Juan (Gaston Paulus) vivem de pequenos trambiques até encontrarem-se por acaso em um golpe malogrado em uma loja de conveniência. Tornam-se sócios em uma oportunidade que Marcos chama de “uma oportunidade em um milhão”: uma milionária negociação com um milionário espanhol envolvendo uma série de selos raríssimos falsificados, as “nove rainhas” do título. O negócio tem que ser realizado imediatamente, custe o que custar, já que o milionário deixará a cidade na manhã do dia seguinte. Enquanto o experiente golpista Marcos ensina ao jovem e inexperiente Juan os segredos do “ofício”, conta com a ajuda da irmã Valéria (Letícia Bredice) que trabalha no hotel onde o espanhol está hospedado. Mas questões familiares pendentes azedam a relação com a irmã, dificultando ainda mais o golpe milionário.
sexta-feira, março 09, 2012
Resposta ao Post "A Dialética Negativa: Theodor Adorno Gnóstico"
sexta-feira, março 09, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Por Douglas A. Remonatto
Uma resposta de Douglas Remonatto (mestrando em Filosofia pela Universidade de Lisboa) à postagem anterior "Dialética Negativa Theodor Adorno Gnóstico": Se Adorno revela-se gnóstico em sua Negative Dialektik (1966), mais gnóstico ainda é Hegel. Este esquema especulativo apresentado por Hegel é de origem claramente gnóstica, análoga à peregrinação pela qual a centelha alienada (pneuma) dos gnósticos regressa de seu exílio no cosmo à plenitude original (pleroma) via a um autoconhecimento essencialista e absoluto (gnosis)
Uma resposta de Douglas Remonatto (mestrando em Filosofia pela Universidade de Lisboa) à postagem anterior "Dialética Negativa Theodor Adorno Gnóstico": Se Adorno revela-se gnóstico em sua Negative Dialektik (1966), mais gnóstico ainda é Hegel. Este esquema especulativo apresentado por Hegel é de origem claramente gnóstica, análoga à peregrinação pela qual a centelha alienada (pneuma) dos gnósticos regressa de seu exílio no cosmo à plenitude original (pleroma) via a um autoconhecimento essencialista e absoluto (gnosis)
Se para Adorno a dialética positiva de Hegel erra ao abandonar a realidade concreta, ignorando a experiência do particular em prol de uma busca por transcendência através da “síntese do Espírito Absoluto”, para Hegel não buscar nada além da experiência pessoal é iludir-se com fragmentos do processo teleológico, sem nunca ter a possibilidade de contemplar o processo como um todo, nos privando assim de autodescobrirmos nossa essencialidade.
E se Adorno revela-se gnóstico em sua Negative Dialektik (1966), mais gnóstico ainda é Hegel cujo pensamento filosófico tem por base o processo pelo qual, de uma situação alienada, o espirito passa a se encontrar em si mesmo através do conhecimento de sua verdadeira natureza absoluta. Este esquema especulativo apresentado por Hegel é de origem claramente gnóstica, análoga à peregrinação pela qual a centelha alienada (pneuma) dos gnósticos regressa de seu exílio no cosmo à plenitude original (pleroma) via a um autoconhecimento essencialista e absoluto (gnosis).
sábado, janeiro 07, 2012
Filme "Margin Call" despolitiza Crise Financeira
sábado, janeiro 07, 2012
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Margin Call – O Dia
Antes do Fim” (Margin Call, 2011) é um filme de reação ideológica às graves
denúncias sobre as origens da crise financeira global de 2008 (cujos
desdobramentos ainda continuam) feitas por documentários como “Trabalho Interno” de
Charles Ferguson ou “Capitalismo: Uma História de Amor” de Michael Moore. “Margin
Call” despolitiza os fundamentos da crise ao se levar a sério como um “thriller”
matemático-financeiro. Embarca no hermetismo dos números para subliminarmente
provar ao espectador leigo que, no final, toda a turbulência econômica surgiu por
“erros de estimativa de volatilidade”
colocando entre parêntesis os fatores demasiadamente humanos: relações
promíscuas das elites financeiras com o Estado e a Política.
É bastante conhecido o papel ideológico que Hollywood sempre
desempenhou, desde os esforços patrióticos durante a Segunda Guerra Mundial até
a chamada “Política de Boa Vizinhança” durante o governo do presidente
Roosevelt quando foi incentivada a promoção de artistas latino-americanos ao
estrelato cinematográfico como tática de cooptação política.
O que impressiona atualmente é o “timing” da
contra-propaganda ideológica dos filmes hollywoodianos.
Depois da explosão da bolha imobiliária e dos empréstimos
hipotecários que arrastaram os mercados globais para a crise em 2008, assistimos
às denúncias expostas por documentários como Trabalho Interno (Inside Job,
2010). Premiado com o Oscar de melhor documentário, o diretor Charles Ferguson deu
os nomes de diretores, executivos e empresas (de seguros, bancos de
investimentos etc.) e descreveu a engenharia financeira irresponsável que
torrou dinheiro público e fez poucos ficarem milionários com a explosão da
“bolha” financeira. E, o que é mais grave, demonstrou que os artífices dessa
engenharia estiveram conscientes o tempo todo, ao jogar em dois lados: ao mesmo
tempo em que apostavam deliberadamente na inadimplência das hipotecas,
asseguravam aos seus clientes a “saúde” financeira dos papéis podres que
comercializavam.
Em seguida
Hollywood contra-ataca com duas produções ficcionais: uma que glamouriza a
produção de fortunas nos mercados finananceiros; e a outra que traduz as
origens da crise financeira global em um “erro de cálculo”.
A primeira reação
foi o filme “Sem Limites” (Limitless, 2011) onde toda a suspeita da engenharia financeira de Wall Street é
“naturalizada” ou “matematicizada” através da estória da descoberta do
algoritmo de sucesso que garante a fortuna e o sucesso. Se o documentário
“Trabalho Interno” denunciava que todas as fortunas do mercado financeiro
provinham de “bolhas” criadas por falcatruas possibilitadas pela
desregulamentação e relações promíscuas entre Estado e especuladores, em “Sem
Limites”, ao contrário, o sucesso provém de fórmulas matemáticas e a utilização
total do cérebro através de “smart drugs”.
A segunda reação é o recente filme “Margin Call – O Dia
Antes do Fim”. Se no filme “Sem Limites” temos a história do algoritmo de
sucesso inventado por uma mente esperta, em “Margin Call” temos a estória de
algoritmos que produzem “números que não se somam” reduzindo a explicação da
crise financeira global a um “erro de estimativa dos índices de volatilidade”.
quarta-feira, setembro 21, 2011
Um Fantasma Ronda a Europa no profético “Songs from the Second Floor”
quarta-feira, setembro 21, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Embora ambientado na ansiedade coletiva frente à proximidade do “bug do milênio” do ano 2000, "Songs From The Second Floor" do sueco Roy Andersson não perdeu nada da sua atualidade e relevância. No filme, o colapso financeiro e a crise espiritual são os dois lados de um mesmo movimento marcado ao mesmo tempo pela fé e angústia diante de instituições econômicas e religiosas que não funcionam. Tudo narrado com muito humor negro e "non sense".
Quando pensamos na Suécia ou nos países escandinavos lembramos “daquele lugar com chocolate” ou de uma sociedade economicamente justa e com um louvável senso de igualdade. Mas desde os atentados terroristas impetrados por um jovem noruegues direitista, passamos a prestar a atenção para o “dark side” da cultura nórdica tal como o forte movimento Death e Black Metal, o latente espírito Viking rodeando a cultura jovem, e o existencialismo cristão do filósofo dinamarquês Kierkegaard que mescla a fé com a angústia (muito presente nos filmes do sueco Ingmar Bergman, por exemplo).
Quando pensamos na Suécia ou nos países escandinavos lembramos “daquele lugar com chocolate” ou de uma sociedade economicamente justa e com um louvável senso de igualdade. Mas desde os atentados terroristas impetrados por um jovem noruegues direitista, passamos a prestar a atenção para o “dark side” da cultura nórdica tal como o forte movimento Death e Black Metal, o latente espírito Viking rodeando a cultura jovem, e o existencialismo cristão do filósofo dinamarquês Kierkegaard que mescla a fé com a angústia (muito presente nos filmes do sueco Ingmar Bergman, por exemplo).
"Songs from the Second Floor" (Prêmio do Juri no Festival de Cannes de 2000) é uma comédia com forte humor negro
e “non sense” que aponta para esse lado sombrio. Dirigido e escrito pelo sueco Roy Andersson, o filme é uma surpreendente colagem
de referências estéticas tais como “Fargo” dos irmãos Coen, “Playtime” de
Jacques Tati, os ambientes sombriamente cleans de Kubrick, as pinturas de
Edward Hooper (incluindo a versão ao inverso da sua obra-prima “Notívagos”,
como se fosse vista de dentro para fora) e o humor “non sense” do grupo inglês
Monty Phyton.
Com esse filme Andersson
iniciou uma trilogia, cuja continuação foi “Vocês, os Vivos” (2007) e uma
terceira continuidade esperada para 2013.
A narrativa é composta por uma
série de “sketches” onde a câmera numa se movimenta. Andersson pretende que o
espectador mantenha uma relação intensiva com os planos, assim como quando
observamos um quadro em um museu (daí as constantes alusões a telas do pintor
norte-americano Edward Hooper). As vinhetas são a princípio fragilmente
interligadas, mas, aos poucos, começamos a perceber certas recorrências como um
enorme engarrafamento sem fim (várias vezes os personagens perguntam “como sair
daqui?” ou “onde estou?”) onde ninguém consegue chegar a lugar algum e a
referência constante à ideia de que a vida se resume “a comprar algo que possa
ser vendido com um zero extra.”
As estórias são compostas por
“perdedores”, em sua maioria corretores de bolsa e empresários que testemunham
assombrados a ruína da sociedade, quadro a quadro. Ah!... e também um mágico
incompetente que tenta serrar um voluntário ao meio e acaba quase partindo-o!
sexta-feira, setembro 02, 2011
O Fetichismo da Liquidez
sexta-feira, setembro 02, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
“Que coisa triste”, diz a música daquele comercial de um cartão de débito referindo-se a pessoas que teimam em portar papel moeda. Acompanhamos o esforço midiático diário por meio da publicidade e filmes em glamourizar o dinheiro na sua forma líquida, fluida e atemporal: crédito, transações eletrônicas, dinheiro contratual etc. É o fetichismo da liquidez, forma imaginária de ocultar os mecanismos ficcionais de financeirização da sociedade, baseados unicamente na fé e no valor moral do dinheiro e do trabalho.
Se Karl Marx na sua obra máxima “O Capital” mostrou que o capitalismo e o mercado se instituíram sobre as formas imaginárias do Fetichismo da Mercadoria e o do Dinheiro, agora diante da financeirização da sociedade faz-se necessária uma crítica ao fetichismo da liquidez.
Podemos observar na indústria do entretenimento uma insistente tendência em glamourizar o dinheiro em sua forma “líquida” (“dinheiro crédito”, “dinheiro contratual”, “dinheiro eletrônico” etc.) como sinônimo de modernidade e inteligência, enquanto ao dinheiro em espécie é reservado o papel de algo antigo, sujo e seu portador como alguém desajeitado e burro.
Como mostra o filme publicitário de um cartão de débito, pagar em dinheiro é “uma coisa triste”, antiga, atrai olhares de condenação das pessoas ao redor. Há uma premissa moral nessa execração em querer carregar consigo o dinheiro em espécie: você passa a ser suspeito de querer fazer um uso infecto, quando o dinheiro é tão belo em seu estado fluido e atemporal. O dinheiro em espécie é sujo e perigoso.
No cinema filmes como “Não Tenho Troco” (Quick Change, 1990 – um trio assalta um banco e planeja fugir de Nova York, mas o fato de estarem levando notas de alto valor vai criar uma série de incidentes em série tal como não conseguir fugir num ônibus por não haver troco) ou ainda o filme de Scorsese “Depois de Horas” (After Hours, 1985 – onde um yuppie, após deixar voar pela janela do taxi a única nota que possuía, entra em uma série de catástrofes em série) apresentam protagonistas atrapalhados e azarados que enfrentam bizarras cadeias de eventos problemáticos por andarem com papel moeda.
sexta-feira, agosto 19, 2011
A Ilusão do Fim e a Presunção da Catástrofe
sexta-feira, agosto 19, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
"Os mercados estão derretendo", "fim", "abismo". A lógica midiática da “presunção da catástrofe” é a nova aliada do chamado “capitalismo cassino” para deliberadamente acelerar as oscilações dos mercados como instrumento de criação de novas oportunidades de ganhos especulativos. Até o velho Marx é chamado para decretar o apocalipse. Mas esquecem que ele tem um conceito muito mais radical para denunciar essa ilusão midiática do fim: o "Fetichismo da Mercadoria".
Nesta semana encontrei com um amigo que trabalha no mercado financeiro com títulos de agronegócios. Aproveitando a pauta atual da crise financeira global, não poderia deixar de lhe perguntar sobre como estava convivendo com a perspectiva do “derretimento” dos mercados. “Para mim, nunca esteve melhor”, respondeu para a minha surpresa. Segundo ele, quanto mais o mercado está oscilante, nervoso e tenso, melhor para os seus negócios: “Ganho mais com essas variações”.
“Crise global”, “tempo exausto”, “beira do abismo”, “moratória” são termos que dominam noticiários e textos de analistas, dando a entender que estamos a poucos passos do fim de uma era ou do próprio capitalismo. Karl Marx volta à cena na voz do professor de Economia da Universidade de Nova York, Nouriel Roubini, que há quatro anos teria previsto a crise financeira: “Marx estava certo”, diz ao confirmar o diagnóstico de que contradições internas levariam o capitalismo a crises cíclicas.
Os tumultos urbanos na Inglaterra ainda reforçam esse clima generalizado de catástrofe como o preço final a ser pago pelo neoliberalismo e o capitalismo financeiro desenfreado. Será o fim mesmo? Será que realmente estamos diante de uma “crise”? Ou de uma forma perversa de realização de lucros (ganhos por variações nas cotações) onde a lógica da “presunção da catástrofe” midiática ajuda a criar o clima especulativo ideal para a onda moralista de caça aos “especuladores malvados” que gastariam o bom dinheiro que deveria ser investido na economia real que geraria empregos?
Pois a “presunção da catástrofe” (que é a própria lógica informativa da mídia atual) é a nova aliada do chamado “capitalismo cassino” da financeirização generalizada da sociedade. Forma deliberada de aceleração das oscilações dos mercados como instrumento de criação de novas oportunidades de ganhos especulativos, ao mesmo tempo em que o discurso moralista da ilusão do fim salvaguarda a lógica perversa do jogo ao se buscar os “culpados malvados” de sempre.
Antes de invocarmos apressadamente Karl Marx como faz o “Dr. Catástrofe” Nouriel Roubini, devemos, isso sim, usar Marx para entendermos essa lógica da ilusão do fim através das teses de Robert Kurz e do chamado grupo Krisis na Alemanha: grupo de intelectuais formado em 1986 influenciados pelas ideias de Guy Debord e Theodor Adorno em torno do jornal “Krisis – contribuições para uma crítica à sociedade da mercadoria”.
quinta-feira, março 24, 2011
Documentário "Trabalho Interno" faz Crítica Moralista Sobre os Fatores que Desencadearam a Crise Financeira Global de 2008
quinta-feira, março 24, 2011
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Ao limitar a crítica sobre os motivos da crise global de 2008 à denúncia sobre homens poderosos motivados pela ganância, cobiça e luxúria, deixa de colocar em questão as próprias bases do funcionamento do sistema financeiro. A financeirização, a liquidez do capital e a volatilidade do valor no capitalismo global não são colocadas em discussão. Tudo é apresentado como uma questão de regulamentação para evitar que raposas astutas tomem conta do galinheiro do mercado.
“Trabalho Interno” de Charles Ferguson segue uma tendência pós-atentados de 11 de setembro de filmes críticos em relação aos fatos políticos e econômicos ocorridos nos EUA desde então. "Syriana" (2005), "O Senhor das Armas" (2005) e "Fahrenheit 11 de Setembro" (2004) de Michel Moore são alguns exemplos. Ao ganhar o Oscar de melhor documentário, Hollywood premia essa tendência que, ao longo dos anos finais do governo Bush, serviu para a preparação de terreno para os novos tempos de governo democrata que estava por vir, agora iniciado com a eleição de Barack Obama.
Mas, como o próprio documentário denuncia, até agora o governo Obama nada fez para reverter a política de desregulamentação dos mercados financeiros, política esta que foi a origem da grande crise global de 2008.
“Trabalho Interno” analisa de forma pormenorizada (e em alguns momentos de forma árida) a gênese do desenvolvimento da crise financeira em escala global e que custou ao mundo um prejuízo de 20 trilhões de dólares. O documentário não se limita a fazer críticas conjunturais: dá os nomes de diretores, executivos e empresas (de seguros, bancos de investimentos etc.). Descreve a ficha completa de cada nome e a engenharia financeira irresponsável que torrou dinheiro público e fez poucos ficarem milionários com a explosão da “bolha” financeira.
Mas uma questão incomoda: como explicar que filmes tão ácidos e críticos em relação às mazelas do modelo neo-liberal sejam indicados ao Oscar e até premiados pelo mainstream hollywoodiano? Se historicamente a indústria hollywoodiana sempre esteve sintonizada com a agenda política da Casa Branca, como interpretar esses prêmios a documentaristas como Michael Moore e Charles Ferguson? Uma ruptura dos produtores e executivos dos estúdios de Hollywood (a maioria deles nas mãos de grupos transnacionais como a Sony e a News Corporation) com o Estado norte-americano?
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