A morte do líder esquerdista uruguaio Pepe Mujica revelou que a sua persona transcendeu as diferenças do espectro político. Tanto que jornalões e portais da grande mídia tiveram que colocá-lo nas manchetes principais como “emblemático líder da esquerda”. Mas o jornalismo corporativo não dá o braço a torcer. É nesse momento que entra em ação a costumeira criatividade semiótica e a piruetas retóricas dos “aquários” das redações. Afinal, o momento é delicado – estamos num ano pré-eleitoral. Em tempos de agenda neoliberal, suas referências guerrilheiras e marxistas foram tratadas como “paradoxos” de um “humanista”... quase um santo, em tempos de novo Papa. Ou ainda um pretexto para mais um recall da Lava Jato: “ele era de esquerda, sem corrupção”, como fez questão de frisar um “colonista” da TV. Além de Mujica ser submetido à mesma operação semiótica de limpeza ideológica do Papa argentino Francisco: o líder uruguaio tornou-se “ideogênico”: ideologicamente “fotogênico”, palatável, anódino, de um humanismo genérico e abstrato.