Vamos dar uma pequena contribuição à
escalada de manifestações no Brasil no mundo com um pequeno “Guia Prático de
Destruição do Capitalismo” mostrando que o verdadeiro inimigo não está nas
vidraças de agências bancárias ou nas lanchonetes símbolos da globalização, sempre alvos de depredações. Está
na financeirização e liquidez do capital, símbolos da força e, paradoxalmente,
também da fraqueza de um sistema baseado apenas na credibilidade através da
nossa participação a cada compra a prazo ou quando pagamos através da
socialização dos prejuízos das explosões das bolhas financeiras. E a única
forma de libertação existente é através daquilo que o filósofo francês Jean Baudrillard chamava de "aprofundamento irônico e proposital
das condições negativas".
And when we kiss we speak as one
With a single breath this world is gone
(Everyone Everywhere, New Order)
With a single breath this world is gone
(Everyone Everywhere, New Order)
Desde
o crash da Bolsa de Nova York em 1929 quando quase tudo derreteu e foi para o
ralo, o capitalismo aprendeu que a força do capital não estava na exploração
local da força de trabalho, mas na industrialização e mercantilização como
modelo de vida social para ser expandido de forma sistêmica e planetária. Isso
foi conseguido por meio da publicidade, mídia e financeirização do capital.
Isso não evitou as crises, que se tornaram cada vez mais periódicas (longos
ciclos de prosperidade acompanhados por crises e explosões de bolhas
especulativas).
Porém,
essas “crises” transformaram-se em momentos de realização de lucros: bolhas
especulativas explodem como forma de chantagem, obrigando o Estado a socorrer o sistema injetando dinheiro para que papéis, títulos e ações voltem a ter lastro, mantendo a credibilidade sistêmica dos negócios. Em outras palavras: enquanto o lucro é privatizado a crise é socializada – todos os contribuintes pagarão a conta através dos impostos, o que criará um novo “ciclo virtuoso”.
especulativas explodem como forma de chantagem, obrigando o Estado a socorrer o sistema injetando dinheiro para que papéis, títulos e ações voltem a ter lastro, mantendo a credibilidade sistêmica dos negócios. Em outras palavras: enquanto o lucro é privatizado a crise é socializada – todos os contribuintes pagarão a conta através dos impostos, o que criará um novo “ciclo virtuoso”.
Acompanhando
as análises do funcionamento do capital feitas por Karl Marx no século XIX,
muitos economistas acreditavam que o capitalismo estaria cavando sua própria sepultura
e que o crash de 1929 seria a confirmação final das previsões marxistas. Mas o
capital transformou-se em “capitalismo tardio”, sistêmico, midiatizado e de
extrema liquidez. Transformou-se em uma entidade multiforme, sempre procurando
novas oportunidades, principalmente após a queda do bloco comunista no final da
década de 1980 e a radicalização das políticas neoliberais de privatizações que
se seguiram onde as possibilidades de mercantilização e industrialização
invadem novos territórios até então inexplorados: saúde, educação, água e quem
sabe até o ar... tudo, qualquer coisa pode transforma-se em oportunidades de
oferta de serviços e negócios.
Diagnóstico: Karl Marx
Marx acreditava que o desenvolvimento capitalista
acirraria as suas próprias contradições internas que conduziriam ao estágio
econômico mais elevado: o comunismo. Sinteticamente podemos apresentar o seguinte diagnóstico feito por ele:
O capital viveria uma contradição entre o crescimento das forças produtivas (o
caráter social do trabalho) e a apropriação privada da riqueza através da
expropriação do excedente (mais-valia e lucro). Essa contradição básica
produziria uma série de outras como a tendência à taxa decrescente de lucro,
crises periódicas de superprodução e anarquia do mercado.
O
caráter social do trabalho levaria a uma tendência irresistível de liberação
das forças produtivas (inovação tecnológica, automação etc.) que alteraria a
composição orgânica do capital (crescimento do capital constante em relação ao
variável) e como consequência a queda da taxa de lucro: é impossível extrair
mais-valia do “trabalho morto” (máquinas) que começa a substituir o “trabalho
vivo” (operários).
Essa
contradição entre a produção social e a apropriação privada se manifestaria nas
crises cíclicas e na crescente tomada de consciência do proletário da sua
condição de alienação em relação às forças produtivas e a necessidade da sua
socialização como única alternativa histórica à anarquia da produção e
irracionalidade do sistema onde o “morto” se sobrepõem ao “vivo” e o valor de troca se torna
mais importante do que o valor de uso e as necessidades reais humanas.
Segunda Opinião: Mandel e o Capitalismo Tardio
A cada crise econômica como a atual que atinge a zona
do Euro, revivem-se as profecias de Marx. O problema é que os marxistas
confundem a crise financeira com a “crise do capitalismo” prevista por Marx.
O economista Ernest Mandel
(1923-1995) mostrou que o capitalismo estava longe de dar o último suspiro. Na
sua forma “tardia” criou uma industrialização
generalizada e sem precedentes não só para a produção de mercadorias, mas em
todos os setores da vida social: produção, lazer, cultura e trabalho (Veja
MANDEL, Ernest “Capitalismo Tardio”, série “Os Economistas”, Abril, 1982). Essa
industrialização generalizada (que leva a hipertrofia de setores terciários
como finanças, comércio, publicidade, mídia, etc.) seria o resultado de uma
crise do Capital se valorizar decorrentes das contradições descritas por Karl
Marx.
Por
isso o capital expande a lógica da industrialização para outros setores:
circulação, consumo, serviços até chegar à financeirização onde o próprio
dinheiro transforma-se em mercadoria – na verdade sempre foi, mas na
financeirização chega-se ao paroxismo. Suas constantes crises são uma espécie
de “destruição criadora”, ironicamente parafraseando o economista austríaco
Schumpeter. Complexas e oportunistas engenharias financeiras são elaboradas
para nos momentos de “crise” os detentores de papéis, títulos e ações repentinamente
sem lastro (na verdade nunca tiveram) chantagearem a sociedade e o Estado por
providências que mantenham a credibilidade no sistema.
Por
motivos principalmente imaginários a sociedade acabará apoiando esta
socialização dos prejuízos - afinal no capitalismo tardio a ideologia da
ascensão social não passa mais na esfera do trabalho, da operosidade e da
poupança, mas agora se situa no reino da especulação e das oportunidades de
negócios “criativos” e de um empreendedorismo nos setores de finanças, serviços
e mídia (o próprio cimento ideológico do capitalismo tardio).
Profilaxia: matando o paciente – Jean Baudrillard
O pensador francês Jean Baudrillard foi certamente
aquele que melhor compreendeu como o capitalismo deixou em segundo plano os
signos da produção para privilegiar os simulacros e simulações da circulação
(informacional e financeira) e consumo. Principalmente na sua obra As
Estratégias Fatais onde mostra como o capitalismo torna-se sistêmico e, por
isso, regido pela lógica fatal de todos os sistemas: entropia, reversibilidade
irônica e hipertrofia.
Se quizermos fazer um guia prático de destruição do
capitalismo as estratégias necessariamente devem passar por esses conceitos. Em
outras palavras, assim como o terrorismo compreendeu bem cedo que toda ação
política deve se voltar para o campo da circulação e do consumo através de
práticas de impacto midiático e de criação de pânico em redes de comunicação,
da mesma forma as táticas de destruição do capitalismo devem abandonar o campo
da produção seja política ou econômica – sindicatos, greves, partidos políticos
etc.
Portanto vamos extrapolar as “estratégias fatais” de
Baudrillard e transformá-las em táticas de destruição e sabotagem. Nada de
passeatas, depredações, carros e pneus incendiando em meio a balas de borracha
e coquetéis molotov. Essas táticas nada mais são do que espetáculos midiáticos,
assim como os atentados terroristas, facilmente incorporados às grades de programação das mídias como mais
uma atração. Vontade de espetáculo e de ilusão.
Como
dizia Baudrillard, só existe uma forma de liberação existente: o
“aprofundamento das condições negativas”, estratégia irônica de esgotar o
sistema levando-o ao excesso. Vamos aplicar esse princípio no nosso Guia:
1 – Paroxismo do Consumo
Certa
vez um amigo trotskista nos tempos de faculdade falou para mim: “se Marx dizia
que o Capitalismo produzia suas próprias contradições que levarão ao seu fim,
então devemos consumir cada vez mais para acelerar essas contradições.” Na
época pensei “que pequeno burguês!”. Mas à luz do pensamento baudrillardiano passa a ter sentido como tática
de levar o consumo ao paroxismo, isto é, ao aprofundamento e excesso.
Se de
uma forma uníssona e combinada acelerarmos o consumo até o limite da
irresponsabilidade financeira pessoal entrará em ação as tradicionais medidas
de política monetárias de aumento dos juros para evitar o “aquecimento” da
economia, sob a justificativa que o aumento do consumo gera pressão
inflacionária. O problema é outro: na extrema financeirização e liquidez o
dinheiro desaparece e torna-se fictício – números e dados em telas de terminais
de redes financeiras. O aquecimento econômico pode colocar em xeque o domínio
da financeirização com a demanda por mais dinheiro em circulação. É claro que
isso é mitigado com cartões de crédito e débito e o incentivo por compras a
prazo através da financeirização do próprio consumo.
Portanto,
compremos à vista. Torremos nossas economias em compras e em dinheiro vivo! Por
isso será necessária uma segunda tática, a seguir...
2 – Sacar ao invés de depredar
Para quê quebrar vidraças de bancos e caixas
eletrônicos em manifestações? Isso lembra mais os ludistas no século XIX
depredando as máquinas de teares para atacar a revolução industrial
capitalista. Ao invés de quebrar vamos diretamente à boca do caixa sacar nossos
ativos, o resultado do suor dos nossos trabalhos depositados ou aplicados. Um
movimento organizado e simultâneo de saques trará o pânico ao sistema
financeiro, pois todos descobrirão que o rei está nu: o dinheiro não existe!
Compreenderemos o porquê de os bancos estimularem a
utilização das formas eletrônicas de dinheiro-crédito, desestimularem a
utilização do dinheiro em espécie (“que coisa triste” dizia uma música de um
filme publicitário do cartão Visa) e como a insegurança urbana (assaltos
relâmpagos, sequestros, arrombamentos de caixas eletrônicos etc.) cai como uma
luva nessa estratégia do desaparecimento do dinheiro em nome da liquidez total
do sistema – a nova mais-valia do capitalismo. Dizem que o dinheiro eletrônico
é a forma mais segura e a ida a um caixa eletrônico para fazer um saque pode se
transformar em risco de vida.
Diante de uma onda organizada e sistemática de
saques, o sistema reagirá de forma violenta: para começar, será decretado feriado
bancário. Depois a polícia de choque se postará diante das agências para evitar
esse “terrorismo financeiro”.
3 – Destruindo o fetichismo da credibilidade da liquidez
Se no passado o capital dependia da repressão e
violência da ordem policial para manter operários na linha para poder
expropriar a mais-valia nas linhas de produção, agora a estratégia é
paradoxalmente muitos mais forte (porque psicologicamente invasiva) e, ao mesmo
tempo frágil pois depende de uma única coisa simples: credibilidade. Para a
financeirização do capital e do dinheiro funcionarem, é necessário que toda a
sociedade não só deposite o fruto do seu trabalho nos bancos, mas também sua
credibilidade no sistema: todas as contas serão pagas, todos os cheques serão
compensados, todos os papéis e títulos serão convertidos em riquezas e ganhos
em juros etc. E somente um fiador para tudo isso: o Estado.
Com as “crises” e “crash” periódicos os lucros são realizados
e o Estado tem que injetar suas reservas (o dinheiro social) sob pressão
política da banca (que afinal é credora da dívida do próprio Estado) para que
seja salva a credibilidade no sistema.
O crédito é a nova e mais perniciosa forma ideológica
: a relação entre status e o poder de endividamento e que acaba justificando
todo o sistema.
O cinismo de campanhas como “consumo consciente” e
“crédito com reponsabilidade” patrocinado pelo próprio sistema financeiro é uma
tentativa de moralização de um problema como se a culpa fosse por um desvio de
personalidade pessoal, e não de um sistema que estimula a relação entre
juventude, status e elegância com o crédito e poder de endividamento.