Baseado no curta indicado ao Oscar em 2005, “9 – A Salvação” (9, 2009) foi lançado no dia 09/09/2009 para evocar a simbologia esotérica explorada pela animação. Dirigido Shane Arcker (talento descoberto por Tim Burton que produziu a animação), a crítica não entendeu muito bem o universo simbólico da história, reduzindo-o a um Wall-E sombrio. Nove pequenos bonecos de pano despertam em um mundo pós-apocalíptico no qual máquinas autorreplicantes dominam o planeta Terra arrasado, auxiliados por bestas metálicas que perseguem os pequenos heróis de pano que tomam consciência de serem prisioneiros naqueles cosmos hostil. Lutam para encontrar seu lugar no novo mundo enquanto tentam aprender sobre de onde vieram e o que aconteceu para tornar o mundo do jeito que ele é. Mais ou menos as mesmas perguntas básicas que todos nós fazemos a nós mesmos. A animação é repleta de alegorias ao misticismo dos bonecos e autômatos e à cosmogonia gnóstica.
Quando 9 – A Salvação (9, 2009) foi lançado, como não poderia deixar de ser numa estratégia de marketing, no dia 09/09/2009, a animação dirigida pelo diretor/escritor Shane Arcker (produzida por Tim Burton), foi detonada pela crítica especializada.
9 – A Salvação é baseada no curta de animação homônimo de 10 minutos que abriram as portas para o jovem realizador Shane Acker, estudante recém-formado da Universidade da Califórnia: os olhos do cultuado diretor Tim Burton se voltaram para o curta, que então decidiu produzir uma versão longa metragem da história original de Acker.
É a história de nove pequenos bonecos de pano em estilo stitchpunk em um mundo pós-apocalíptico no qualmáquinas autorreplicantes tornaram-se Demiurgos que dominam um planeta arrasado, auxiliados por bestas metálicas que perseguem os pequenos heróis de pano que ganham vida e se descobrem prisioneiros naqueles cosmos hostil.
À época a animação foi vista como visualmente interessante, mas uma decepção: formas de vida em um mundo sem vida para apenas fornecer um inimigo que apenas deseja destruí-los; somente para criar o pretexto para uma série de cenas de ação e batalhas apocalípticas que são semelhantes a todos os filmes de ação.
O problema é que naquele momento a crítica simplesmente não compreendeu a mitologia e os simbolismos no qual se baseia a jornada dos pequenos bonecos de pano. Primeiro, os antigos simbolismos que envolvem fantoches, bonecos e autômatos. Essas criaturas são investidas na cultura ocidental com um significado esotérico: as marionetes descendem dos antigos ídolos divinos, adorados e animados por seus sacerdotes, além de representarem a própria condição humana como nossos duplos – neles vemos a nós mesmo como prisioneiros em um universo hostil.
O que conduz à própria cosmogonia gnóstica: todo o nosso fascínio por bonecos, miniaturas, brinquedos etc., seriam projeções de uma secreta consciência da nossa condição humana: reencenamos dramas e estórias que simbolizariam a nossa própria jornada nesse cosmos.
O curta seminal de 2005 indicado ao Oscar ainda repercutia os clássicos filmes gnósticos da virada de milênio como Matrix, Show de Truman, Dark City, Vanilla Sky etc. Já no final da primeira década desse século, parece que a crítica especializada já havia esquecido dos profundos debates a cerca de uma “guinada metafísica” de Hollywood e simplesmente não conseguiu fazer a leitura da mitologia gnóstica e dos simbolismos esotéricos explorados nessa animação.
Principalmente não conseguiu entender como Shane Acker descompactou aquele universo contido na animação seminal e a estendeu em um longa metragem. Criando uma perfeita analogia com a cosmogonia gnóstica. Desde a primeira sequência da animação.
Lembrando que a cosmogonia gnóstica é peculiar por não conter uma Escatologia como a existente em todas as religiões salvacionistas: a busca da salvação antes do fim dos tempos, do apocalipse ou do juízo final.
Ao contrário, a cosmogonia gnóstica já começa no fim: a Criação já foi a própria Queda. A existência já é pós-apocalíptica.
Um boneco inexplicavelmente inteligente que acorda no chão no chão de um laboratório aparentemente abandonado. Percebemos que alguém pintou nas suas costas o número “9”. Do tamanho de um pequeno roedor, ele não sabe quem, o quê ou por que está naquela situação. Ele tropeça para fora e conhece um mundo sob escombros, pós-apocalíptico, onde conhecerá outros bonecos com números nas costas. Todos serão perseguidos por estranhas e cruéis máquinas semelhantes a transformers que parecem ter sido as responsáveis pela destruição do planeta.
A perfeita metáfora do despertar humano em um cosmos hostil no qual não entendemos como viemos parar aqui, com qual propósito e nem de onde viemos.
O Filme
9 (Elijah Wood) acorda, é descoberto por 2 (Martin Landau), e depois encontra 1 (Christopher Plummer), 5 (John C. Reilly), 6 (Crispin Glover), 7 (Jennifer Connelly) e 8 (Fred Tatasciore). Eles lutam para encontrar seu lugar no novo mundo enquanto tentam aprender sobre de onde vêm e o que aconteceu para tornar o mundo do jeito que ele é. Mais ou menos como as mesmas perguntas básicas que todos nós fazemos a nós mesmos, exceto que não somos adornados com botões e zíperes.
9 – A Salvação não se apressa em direção a respostas. Em vez disso, permanece em uma paisagem estranha, sinistra e brilhantemente realizada, rica em alusões às histórias da pintura, animação, literatura fantástica e totalitarismo do século XX.
É muito para encher em 88 minutos, juntamente com monstros tecnológicos em estilo steampunk, sequências de batalha agitadas e uma série de debates entre os bonecos 9 e 1 sobre a resposta adequada ao perigo - 1 quer permanecer seguro, escondido e ignorante, enquanto 9 quer lutar, explorar e aprender. 1 veste-se como um clérigo e se esconde numa igreja em ruínas com outros bonecos. A metáfora aqui é evidente: a alienação religiosa – viver escondido, sem pretender buscar a verdade ou respostas. Resignando-se aos “mistérios” da existência.
Ao contrário, 9 quer encontrar a verdade, que muito vagarosamente vamos entendendo - após a ciência conseguir encontrar a Inteligência Artificial com pretensões “humanitárias” (na verdade, criar uma paz dissuasiva através do medo num mundo no qual as máquinas imporiam a paz pela ameaça), a velha narrativa do mito de Frankenstein se repetiu: as máquinas autorreplicantes deram uma olhada ao redor e decidiram assumir seus mestres e controlar todo o planeta.
Iniciando uma guerra aberta contra os humanos, com máquinas semelhantes aos tripods de Guerra dos Mundos, arrasando cidades e multidões.
Essa inteligência artificial é a B.R.A.I.N. (Binary Reactive Artificially Inteligent Neurocircuit) que se transforma num Demiurgo criador dos suas diversas máquinas-arcontes: The Cat Beast, The Winged Beast, Spiderbots etc.
A animação lembra Wall-E, porém, bem sombrio, na verdade. Muito escuro e muito devastado de uma maneira que Wall-E não evocou tão bem.
Lembra também Matrix, mas sem a parte da realidade virtual: toda a narrativa se passa no “deserto do real”. O despertar dos heróis já ocorre na consciência de estar prisioneiro em um cosmos pós-apocalipse.
Cosmogonia gnóstica e o simbolismo do “9” – Alerta de Spoilers à frente
As alegorias da cosmogonia gnóstica se aprofundam ainda mais quando conhecemos a origem dos próprios bonecos de pano: todos eles são partes da consciência do próprio cientista que criou B.R.A.I.N – cada um deles contém a fagulha de luz do verdadeiro criador. A máquina apenas criou o apocalipse.
Assim como na mitologia gnóstica, na qual o Demiurgo quer arrancar de cada um de nós a fagulha de luz espiritual que nos liga ao cosmos verdadeiro do qual decaímos (e aqui vivemos como exilados), na animação B.R.A.I.N. pretende roubar a alma do grupo de bonecos – na mitologia gnóstica o Demiurgo nos mantém prisioneiros nesse cosmos para extrair de nós a luz espiritual interior (alegria, boa-fé, disposição, brilho, vitalidade, confiança etc.) para que suas partículas animem um mundo defeituoso, em queda e devastado.
Além disso, a uma simbologia numerológica em 9 – A Salvação. Um número recorrente na cultura pop, desde a música “Revolution 9” dos Beatles, esse número está associado na cultura pop a “loops” (da mesma forma como a música dos Beatles foi construída na engenharia de som), passando pelo filme Número 9 (The Nines, 2007) e chegando a Vivarium (2019).
Pela simbologia esotérica, o número 9 representa finais de ciclos – é o número de meses da gestação, por isso carregando o simbolismo do esforço e sinalizando o fim de um processo. Representa a jornada completa: seu início e término. Assim que termina, tem-se um novo início a partir do número 1.
Contudo, o loop de 9 – A Salvação é mais sombrio do que o título em português tenta nos convencer: resta aos pequenos heróis tão somente herdar uma terra arrasada pelos humanos.
Ficha Técnica |
Título: 9 – A Salvação (animação) |
Diretor: Shane Acker |
Roteiro: Shane Acker |
Elenco: Elijah Wood, Jennifer Connely, Crispin Glover, Christopher Plummer, Martin Landau |
Produção: Relativity Media, Focus Features |
Distribuição: HBO Max |
Ano: 2009 |
País: EUA |