domingo, setembro 09, 2018

Em "O Futuro" o maior inimigo da geração dos "millennials" é o tempo


Numa época em que o trabalho, a cultura e a tecnologia liquefazem e precarizam nossas vidas na fluidez e instabilidade, os “millennials” tentam se agarrar nos destroços de uma suposta sabedoria do passado e nos gadgets, aplicativos e plataformas digitais do presente. Um presente que se torna eterno, pelo medo e ansiedade em relação ao futuro, porque nada parece durar por muito tempo. Mas um jovem casal decide adotar um gato, e acredita que tudo vai mudar. “O Futuro” (“The Future”, 2011) é uma fábula pós-moderna sobre tecnologia e o futuro da geração mais tecnologizada da História. Mas o medo do futuro e de compromissos, representado agora por um gato necessitando de intensivos cuidados veterinários, é tão paralisante que ameaça dissolver a vida conjugal pela mentalidade “líquida” da sua geração. Filme sugerido pelo nosso incansável leitor Felipe Resende.

Para a cosmologia gnóstica, somos sobreviventes da Criação, todos agarrados a destroços tentando sobreviver em um mar de matéria escura. Certamente, tomada por si só essa imagem guarda um certo exagero. Mas, e se inserir esse pressuposto cosmológico no cotidiano banal da geração dos millennials, jovens “hipsters” da vanguarda digital, jovens, belos, sensíveis, agradáveis? Mas também incertos, irresponsáveis e hesitantes.

Uma geração cujo meio ambiente social, tecnológico e profissional é fluido, liquefeito e instável. Paralisados entre a hesitação em um ambiente sem âncoras e sonhos de grandes conquistas que as tecnologias vendem para os usuários.

Esse é o filme O Futuro (The Future, 2011), uma coprodução EUA e Alemanha, escrito, dirigido e atuado pela artista plástica Miranda July. Certamente um filme autobiográfico ao melhor estilo Woody Allen, com personagens criados como espécies de avatares dos seus dramas pessoais.

Seu personagem Sophie pode ser considerado um tipo ideal da sua geração dos millennials: na faixa dos 30 anos, vive uma espécie de eterno presente indefinido. Junto com seu companheiro, vive em um pequeno apartamento decorado com o acúmulo de objetos lúdicos e irônicos. Cada qual com o seu Mac. Com empregos precarizados, de baixa manutenção, mas adequados para manter seu estilo de vida pouco exigente.


Nostalgia pelos tempos sólidos


 É um filme sobre como a geração mais tecnologizada da História, tendo ao seu dispor poderosas ferramentas para grandes conquistas, tornou-se infantilizada, incapaz de lidar com o tempo, com o futuro. Por viverem em um mundo onde tudo é fluido e líquido, experimentam o paradoxo de viverem em um eterno presente hedonista enquanto parecem interiormente nutrir a nostalgia de tempos mais sólidos.

Jason (Hamish Linklater) e Sophie (Miranda July) é um casal que tenta se agarrar a algum “destroço” para criar uma zona de segurança ou estabilidade psíquica momentânea: uma T-shirt amarela, por exemplo. Ter filhos, plantar uma árvore ou escrever um livro (como diz aquele antigo provérbio chinês) estão fora de questão: seriam projetos que exigiriam responsabilidade demais, por envolver um comprometimento sério com o futuro.

Mas esse presente extenso em que vivem é entediante e vazio. Principalmente porque tudo aquilo de grandioso que a tecnologia promete, não conseguem realizar.

Eis que um gato aparece para mudar as coisas. Adotar um gato doente de um abrigo? Quem sabe assumir um compromisso de longo prazo? Ou nem tanto. Afinal, um gato não vive tanto, quanto um filho. Não é o comprometimento de uma vida. Mas para um casal hipster nada é assim tão simples.


O Filme


Jason trabalha remotamente de casa para o help desk de uma empresa de tecnologia. Enquanto Sophie dá aulas de dança para crianças – quando seu próprio estilo de dançar parece emular o jeito infantil. Estão junto há quatro anos, seja por hábito, familiaridade ou pelas peculiaridades de cada um. Há uma atmosfera de inércia que revela o eterno presente de uma vida sem passado ou futuro.

E a mudança vem na forma de um gato – cujo bichano narra em of sua própria história que se confunde com a do casal. Sintomaticamente, com uma voz infantil, feita pela própria diretora/protagonista.

Sophie e Jason decidem adotar um gato doente que exigirá uma dedicação integral com remédios e cuidados sistemáticos. Mas o bichano ainda terá que ficar 30 dias sendo cuidado no abrigo de animais: além de uma pata machucada, o gato tem diversos problemas de saúde.

Essa espera fará o casal de defrontar com o principal problema da sua geração: o fantasma do futuro, a ansiedade de lidar com o tempo e com realizações. Sophie e Jason decidem que o futuro bichinho de estimação tem que encontra-los daqui a um mês realizados. Afinal, se o gato exigirá total dedicação, eles devem estar interiormente felizes e satisfeitos consigo mesmos.

Portanto eles têm que encontrar algum propósito nobre, uma realização decisiva para suas vidas. Por isso decidem abandonar seu mundinho de conforto minimalista para se abrirem ao real.

Ele larga o trabalho remoto em seu Mac e decide sair para as ruas, deixar todos os sentidos abertos para não deixar escapar nenhuma oportunidade. E o máximo que consegue, meio sem querer, é bater de porta em porta trabalhando para uma ONG chamada “Tree for Tree”, vendendo árvores para combater o aquecimento global como fosse uma testemunha de Jeová.

E Sophie decide se tornar uma “Youtuber”: nos próximos 30 dias, postar diariamente um vídeo com diferentes estilos de dança, coreografadas na sala do seu apartamento.


Mas tudo que conseguem é apenas encontrar mais destroços existenciais para se agarrarem. Sophie começa um caso com Marshall (David Warshovsky), um homem mais velho, divorciado e que vive com sua pequena filha. E nas suas andanças de porta em porta, Jason se torna amigo de um velho homem chamado Joe (Joe Putterlik) – um colecionador de velharias que passa o tempo consertados antigos eletrodomésticos para vender.

De alguma forma, esses destroços oferecem aos protagonistas um oásis para suas ansiedades em relação ao futuro – são como visões nostálgicas de um passado que jamais viveram. A residência de Marshall, organizada e com cara de família passando a segurança de um homem mais velho; e a casa retrô do velho Joe, transmitindo algum tipo de sabedoria indefinida para o ansioso Jason.

O Futuro começa como uma comédia dramática com fundo motivacional, para evoluir ao fantástico, como uma espécie de fábula sobre o tempo e a evolução espiritual -  a certa altura Jason sem confronta com o próprio Tempo (a fonte de toda angústia dos millennials), fazendo-o parar no momento em que Sophie revelará sua traição. Jason se moverá para os lados do fluxo do Tempo, com a ajuda de uma “rocha que está no céu”, a Lua.

Pensamento infantil e mágico


A infantilização e a magia (aqui tomada no sentido negativo, como fetichismo) parecem se encontrar na mentalidade dessa geração. Assim como nos apegamos a gadgets e toda sorte de aplicativos que prometem empoderar nossas vidas, da mesma forma os protagonistas se apegam a um gato, uma T-shirt, um amante mais velho e a sabedoria vintage de um idoso e dão um sentido de esperança desproporcional. Mas tudo que encontram é mais paralisia e aumento da ansiedade.


Acreditam que cada um desses destroços em que se agarram seja algum fragmento de algum tipo de sabedoria perdida. Que possa se transformar numa varinha de condão para magicamente transformar a vida.

E até o gato, em sua pequena gaiola no abrigo contando os dias, narra em of suas dúvidas: será que seus futuros donos aguentarão juntos esses 30 dias? Ou se desintegrarão, esquecendo-o completamente?

Ao fim do filme, temos a impressão de termos assistido a algum tipo de fábula pós-moderna. Mas, na verdade, é uma radiografia melancólica de uma geração que tem toda a tecnologia, informação e conhecimento em suas mãos. Mas é incapaz de criar algo de perene, duradouro e resistente ao Tempo.

Os antigos deixaram para nós pirâmides, estátuas, tábuas, paredes e quadros com escritos e imagens que resistiram às intempéries do tempo. E os arqueólogos conseguiram trazer para o presente toda a sabedoria do passado.

Mas, e no futuro? Será que os arqueólogos dos próximos séculos encontrarão alguma coisa ainda gravada em HDs, CDs, DVDs e pen drives enterrados nos meios dos destroços da nossa civilização?

Ficha Técnica 

Título:  O Futuro
Diretor: Miranda July
Roteiro: Miranda July
Elenco:  Miranda July, Hamish Linklater, David Warshovsky, Joe Putterlik
Produção: Razor Film, GNK Productions, Medienboard Berlin-Bradenburg
Distribuição: Roadside Attractions
Ano: 2011
País: EUA/Alemanha

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