quarta-feira, janeiro 06, 2010

Nostalgia Pós-Moderna: a nostalgia do "totalmente outro"


A idéia dessa postagem surgiu a partir de um debate em uma aula de Estudos de Comunicação na Universidade Anhembi Morumbi. O tema geral era os Estudos Pós-Modernos. Discutíamos a nostalgia que domina a estética pós-moderna (remake, pastiche etc.). Constatamos a existência de um paradoxo: se a nostalgia é sentir saudades de época que foram vividas, como explicar a nostalgia da estética pós-moderna onde novas gerações têm saudades de épocas que jamais foram vivenciadas? O que há por trás dessa nostalgia: manipulação ideológica ou uma aspiração pelo "totalmente outro"?

"Toda ideologia tem o seu momento de verdade" (T. Adorno)


Uma natureza retrô domina o horizonte cultural da Contemporaneidade. Pastiches e sucessivas reciclagens criam um cenário cultural paradoxalmente nostálgico. Primeiro porque vem envolto numa embalagem moderna e contemporânea. Filme como Kill Bill mostra uma chiquérrima Uma Thurman em cenas de lutas marciais em trajes fashion, radiciais e aparentemente atualíssimo. Porém, para a delícia dos cinéfilos, são os mesmos trajes usados por Bruce Lee em seus filmes B de Kung Fu dos anos 70. Aliás, Kill Bill é um pastiche de referências dos anos 60, 70 e 80 ( western “spaghetti” italiano dos anos 60, filmes de Bruce Lee dos anos 70, sons new wave dos anos 80 etc.). Aliás, o que torna os filmes de Tarantino cult é precisamente a maestria dessas citações de signos de diversas épocas e contextos, retirados das suas origens e colocados num conjunto lógico atemporal.

Segundo aspecto paradoxal: esses pastiches que fazem a delícia de cinéfilos revela uma estranha nostalgia: saudades de épocas que não foram vividas. Jovens montam as ambiências de suas novas residências com objetos e decorações que remetem aos anos 60 e 70; os anos 80 retornam com “baladas” especializadas nessa década (“trash anos 80”, Projeto Autobahn etc.), feiras de rua onde são comercializados objetos dessa época (livros, jogos, brinquedos) para grupos de jovens estranhamente nostálgicos por uma época que não vivenciaram, bares temáticos recriam para jovens ambiência e atmosferas de épocas e lugares distantes no tempo e no espaço (“botecos chics” que revivem os botecos populares dos anos 50 e 60, bares freqüentados por tribos de jovens “rockers” em suas jaquetas pretas de couro, topetes à Elvis em uma ambiência estudadamente cenográfica com junkerboxes, pisos quadriculados, e posters com sucessos cinematográficos da época).

Como entender essa estranha nostalgia que parece caracterizar o jovem contemporâneo, a nostalgia de experiência que não foram vividas e de locais que não foram visitados?
Há duas perspectivas diferentes sobre esse tema que podemos nomear a primeira como finalista e a outra como causalista.

No primeira abordagem a nostalgia que contamina a produção cultural contemporânea tem como finalidade servir “a interesses ideológicos específicos de estagnação da vida que deveríamos permitir que se renovasse sempre. A nostalgia, de que tanto falam os jornais e revistas, não passa de um poderoso instrumento psicológico da Morte Organizada.” (Luis Carlos Maciel, A Morte Organizada) É uma espécie de “nó psicológico” para desviar a atenção para os problemas presentes. Esta abordagem é da tradicional denúncia das manipulações ideológicas dos meios de comunicação. Nostalgia como falsa consciência.

A segunda abordagem causalista podemos exemplificar com a aproximação que Frederic Jameson faz da nostalgia, o pastiche cultural e a esquizofrenia da subjetividade pós-moderna. Partindo dos fundamentos lacanianos (a identidade se estrutura através da linguagem) Jameson percebe a impossibilidade do esquizóide em ascender à linguagem e construir um Eu persistente e duradouro através do tempo. Sem conseguir representar o real, toma o significantes como as próprias coisas, passando a ter uma experiência intensa, pontual e fragmentada. O tempo é percebido como eterno presente e os momentos intensos um conjunto atemporal, assim como os pastiches culturais. Em síntese: nostalgia e pastiche como sintoma.


O "Totalmente Outro"

Se partirmos da proposta espistemológica de Adorno de que “toda ideologia tem o seu momento de verdade” podemos compreender que essas abordagens finalistas e causalistas são insuficientes, pois não conseguem apreender o momento particular de verdade. Seja como falsa consciência ou como sintoma, a nostalgia pós-moderna é, de qualquer maneira, descartada in totum como mito ou mera ilusão ou regressão.

Sem dúvida, esta nostalgia (sintoma de um mal estar da subjetividade pós-moderna) é instrumentalizada como mercadoria, porém, explora um nostálgico sentimento verdadeiro e concreto: a “nostalgia do totalmente outro”. Expressão de Horkheimer, a “nostalgia do totalmente outro” sintetizava o propósito da Teoria Crítica: combater a idéia temporal de progresso e propor um resgate do passado:


“O totalmente outro só pode significar a pura transcendência, a redenção: o
materialismo da Teoria Crítica se volta simultaneamente para o singular e a
redenção das gerações que passaram pela História. Devemos nos ligar pela
nostalgia do que acontece no mundo, o horror e a injustiça não são a última
palavra, há um Outro”


Há nesta afirmação de Horkheimer um forte componente místico ou gnóstico: o tempo como uma prisão, fonte de mistificação, ilusão e engano. Na verdade, o Gnosticismo procura libertar-se do devir e retornar ao estado do princípio de tudo: a estabilidade e a verdade do Pleroma, do ser eterno, do ser completo. É uma nostalgia romântica.

Desse ponto de vista, esta nostalgia paradoxal da cultura pós-moderna expressa o componente místico de um radical mal-estar da subjetividade atual: o mal-estar de um exilado, de um estrangeiro dentro do seu próprio país, que anseia buscar no passado algo que se perdeu, a verdadeira origem.
Aqui a Nostalgia não é mais nem falsa consciência e nem sintoma, mas, antes de tudo, chamamento. O passado nos chama para algo que apenas experimentamos como deja vu. A cada jogo Genius que encontramos em feiras de antiguidade ou imagens do velho vídeo game Pack Man que, inexplicavelmente, inspira saudosismo em um jovem que cresceu jogando Nintendos, podemos encontrar esta nostalgia pelo “Totalmente Outro”.

A nostagia sagrada em Donnie Darko

Um caso exemplar é o filme de Richard Kelley Donnie Darko (Donnie Darko, 2001). Além da sua estética retro (a narrativa se passa no final dos anos 80), o filme descreve a vida de um adolescente problemático, Donnie Darko, com uma misteriosa condição mental que o separa de um ambiente cultural conformista: ele começa a perceber a irrealidade da vida suburbana de classe média americana através de estados sonambúlicos e após tomar remédios antidepressivos. Donnie percebe que há algo de errado com o mundo através de insights e estados alterados de consciência e não a partir de princípios ideológicos ou religiosos. Donnie também descobre que o plano temporal em que ele vive pode ser revertido e que ele tem poder para fazer isso, isto é, transcender seu plano temporal através de um vórtice e mover-se livremente por outros planos alterando destinos pré-determinados. Após a morte de sua namorada e, mais tarde, da sua mãe na queda de um avião sugado por outra dimensão temporal, Donnie retorna no tempo. Dessa vez Donnie fica no seu quarto e morre na queda da turbina. Um grande sacrifício que Donnie assume para que desperte desse de mundo e altere o fluxo temporal – sua namorada e sua mãe irão escapar da morte. “Voltei para casa”, afirma de forma expressiva Donnie. Ele vai encontrar no passado a redenção de um mundo inautêntico que Donnie experimenta de forma dolorosa.

Aliás, é recorrente na cinematografia recente a incessante busca do protagonista de respostas para o mal-estar do presente no passado, por meio de deslocamentos temporais (seja por meio de mediações tecnológicas ou estados alterados de consciência). De De Volta para o Futuro (Back to the Future, Robert Zemeckis, 1985), passando por Peggy Sue: Seu Passado a Espera (Peggy Sue, Coppola,1986) até chegarmos ao recente Efeito Borboleta (The Butterfly Effect, Eric Bress, 2004) testemunhamos a nostálgica volta ao passado como busca de uma inocência perdida, a reconstituição de uma experiência, a recuperação do “olhar da primeira vez”, o frescor de uma experiência primeira que se perdeu na cilada temporal do devir.

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