Greg Barth é um
cineasta que em seus curtas e vídeo clips musicais combina, em estilo único,
minimalismo com surrealismo. Premiado em 2014 no Festival de Cannes, no recente
trabalho chamado “Epic Fail” (2017), Barth apresenta um honesto insight sobre
como a atual tecnologia da informação distorce a realidade política e social
por meio de verdadeiras realidades alternativas criadas pelos algoritmos das
redes sociais. Lugares falsamente tranquilizadores porque filtram apenas aquilo
que fortalece o que já pensamos. Em “Epic Fail” faz uma sátira disso ao
imaginar um cenário no qual a paz mundial foi colocada em votação. Enquanto os
comentaristas da TV têm um discurso pouco confiável como fake news, nas redes
sociais reina a indiferença, aversão à política e a busca por mais “likes” e
“seguidores”. Até o momento em que ocorre uma “Falha Épica”.
O cineasta
suíço, e atualmente trabalhando em Londres, Greg Barth foi mais um daqueles que
ficaram chocados não só com o Brexit como também com a vitória de Donald Trump
na eleição presidencial dos EUA: “foi o ano que percebi o quão somos divididos
como pessoas”, diz Barth explicando a premissa do seu mais recente curta
metragem chamado Epic Fail (2017).
Contando com um
visual altamente estilizado e surreal com muitos adereços retro (há uma mistura
de diferentes épocas – roupas e uma interface Mac dos anos 1980, carros dos
anos 1960 combinados com smartphones), o curta figura como a política é
discutida nas mídias sociais e o quão problemática é a percepção que os
usuários nos ambientes digitais.
“O algoritmo do
Facebook e Google nos faz relacionar apenas com pares que ajudam a fortalecer
nossas opiniões ao invés de desafiá-las. Por isso, meus círculos das redes
sociais eram lugares falsamente tranquilizadores durante o período dos votos do
Brexit e Trump”, disse Barth em uma entrevista. “Sem perceber, eu estava
navegando em uma espécie de realidade alternativa on-line. Acho ao mesmo tempo
horrível e fascinante”, finalizou.
Epic Fail ainda apresenta outros subtemas como as fake News (vemos um canal
de notícias confuso e duvidoso), uma plataforma Smilebook que proíbe usuários
de publicar postagens negativas, a compulsão de usuários em acumularem “likes”
para crescerem nas redes sociais, a desconexão entre as notícias e os eleitores
e entre a política e os jovens eleitores.
O Curta
Epic Fail descreve um cenário onde a paz mundial está submetida a votação
pública em uma espécie de plebiscito global. Dependendo do resultado, dois
líderes apertarão suas mãos ao vivo em uma transmissão diretamente da ONU,
selando um inédito acordo internacional.
Vemos uma
transmissão de TV ao estilo Fox News duvidoso em sua confiabilidade. Ouvimos as
vozes dos apresentadores Bob, Linda e Richard que acreditam que o resultado
será facilmente a favor da paz mundial, enquanto observamos o score relacionado
ao emoji do smile crescendo. Mas observamos millennials
descontentes com a política, outro jogando basquete totalmente alienado com o
evento histórico e um usuário mais interessado em conseguir aumentar o número
de seguidores nas redes sociais.
Somado ao
visual retro-moderno e o colorido de fortes contrastes em tons cítricos, parece
que estamos em uma espécie de realidade alternativa: jovens usuários e os
comentaristas políticos da TV com seu tom ufanista e fake parecem o tempo
inteiro desconectados da realidade.
Assistimos
também manifestações de rua nas grandes capitais do planeta. A transmissão da
TV parece se concentrar unicamente nos manifestantes favoráveis ao acordo da
ONU, considerado como “histórico”.
O estilo dos
comentaristas da transmissão televisiva é o mesmo dos canais de notícias
conservadores com a técnica “clickbait” – termo pejorativo associado à caça por
cliques para aumentar a receita de publicidade on-line por meio de manchetes
sensacionalistas às custas da qualidade e precisão da informação.
Tudo parece que
vai bem no mundo “amigável” dos jornalistas e redes sociais até que ocorre um
“Epic Fail”. Algo assim como Donald Trump ter vencido as eleições presidenciais
enquanto os comentaristas políticos da TV olhavam perplexos os números dos seus
infográficos. Bem vindo ao deserto do real!
E nos créditos
finais podemos acompanhar um making of da produção e do tempo investido nos efeitos
do curta, principalmente a impactante sequência final das centenas de emojis
saindo da tela do computador e atingindo o rosto de um usuário.
O deserto do real e a “Falha Épica”
Epic Fail sugere uma visão irônica a respeito de como o avanço tecnológico
em comunicação e informação paradoxalmente nos distancia cada vez mais do
“deserto do real”. Desde as reflexões de
Umberto Eco sobre a perda da transparência da TV nos anos 1980 (a “Neotevê” era
uma televisão que abdicara a pretensão de ser uma janela aberta para o mundo
para falar apenas de si mesma – sobre isso clique aqui) até as discussões
atuais sobre as Fake News, acompanhamos
essa ironia na qual a expansão de canais e dispositivos de comunicação resultou
em efeitos inversos: incomunicabilidade, desconexão e negação.
“Saber que um
esquilo está morrendo no seu quintal pode ser mais relevante para seus
interesses nesse momento do que saber que pessoas morrem na África”, disse
certa vez candidamente o criador do Facebook, Mark Zuckerberg, para justificar
esse filtro algorítmico que criam verdadeiras bolhas viciosas – realidades
alternativas desconectadas dos movimentos do mundo real.
Para o escritor
e presidente da MoveOn.org, Eli Pariser, o Facebook e o Google deveriam ter uma
postura mais cívica em relação às informações, evitando a formação dessas
bolhas.
Mas as gigantes
da mídia argumentam que, sem filtros algorítmicos, os usuários se perderiam nos
inúmeros resultados de busca, acabando por “desinformar”. O que revela uma
problemática concepção de informação: sem deixar a filtragem da informação nas
mãos de cada cidadão, impõe seu próprio algoritmo corporativo transformando cidadãos
em meros “usuários”. Sob o discurso da
conveniência e “usabilidade”, condena os indivíduos a viverem em confortáveis
gaiolas douradas.
Enquanto isso,
lá fora o real se movimenta para produzir periodicamente “Epic Fails”, como
Trump e Brexit.
Mas certamente
o efeito mais pernicioso é a polarização, intolerância e preconceito em plena
época supostamente da transparência e liberdade de informação. Cada grupo
vivendo em suas próprias realidades alternativas simplesmente tornam-se
intolerantes às outras bolhas virtuais que gravitam no mundo digital. O que
deveria ser desafiador como um bom debate intelectual ou ideológico, no mundo
tecnológico orientado para a “usabilidade” e “conveniência”, vira ruído e
intolerável dissonância.
Por isso, tudo
aquilo que vem do real passa a ser visto como assustador ou simplesmente chato.
Certamente por trás da atual onda de rejeição à política, como abordado no
curta Epic Fail, está esse fator
tecnológico.
E
historicamente sabemos que pessoas apolíticas tornam-se presas fáceis daqueles
que se dizem “não políticos” – “gestores”, “empresários”, “jovens líderes” etc.
Candidatos que surfam espertamente nessa onda de polarização turbinado pelas
realidades alternativas do Google e Facebook.
Ficha Técnica
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Título: Epic Fail (curta metragem)
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Diretor: Greg Barth
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Roteiro: Greg Barth e Joe Hampson
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Elenco: Jahvel
Hall, Mathilde Steuillet
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Produção: Blink Ink, Blink Industries
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Distribuição: Vimeo
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Ano: 2017
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País: Reino Unido
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