quarta-feira, maio 02, 2018
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Um jovem casal norte-americano em férias na Islândia. Que mal poderia
acontecer? A não ser, acordar numa manhã e descobrir que todo mundo desapareceu
e aparentemente só restaram eles? Celulares e Internet continuam funcionando,
mas... não há ninguém do outro lado. Será que toda humanidade desapareceu? Esse
é o filme "Bokeh" (2017, disponível na Netflix) no qual a atmosfera "Além da Imaginação”
é apenas um pano de fundo para discutir questões geracionais e existenciais da
chamada “Geração Y” ou “Millennials”. Ao invés de procurar uma resposta, ou
mesmo sobreviventes, o casal de fecha ainda mais no mal-estar que emerge da
relação: o estranhamento de estarem cara-a-cara, sem mediações tecnológicas, e
o estranho nostalgismo pós-moderno: saudades de épocas que não foram vividas.
Bokeh (2017) é um filme que comprova a
recente tendência dos filmes de ficção independentes: os chamados “psicodramas
alt.sci-fi” – filmes que apresentam temas e iconografias do gênero, mas que
nada mais são do que pretextos para discutir questões geracionais, existenciais
e de relacionamentos.
À
primeira vista, o filme tem um quê da série clássica Além da Imaginação: grandes conceitos filmados com uma produção de
baixo orçamento e com roteiros instigantes.
Bokeh acompanha um jovem casal
norte-americano em férias e que decide gastar suas economias numa viagem à
Islândia. Numa manhã eles acordam e... todos desapareceram. Eles parecem ser os
últimos seres humanos na face da Terra.
Um
casal apaixonado é desafiado por uma situação pós-apocalíptica, sem nenhuma
explicação racional – não houve uma destruição nuclear, zumbis, epidemia, nada!
Simplesmente todos parecem ter desaparecidos, deixando seus pertences, mesas
postas para refeições e carros estacionados com as chaves nos contatos.
As
desoladas e maravilhosas paisagens islandesas (suas praias com areia preta,
geleiras, gêiseres, e algumas das maiores quedas de água da Europa) criam essa
atmosfera de final do mundo e de que há algum enigma metafísico por trás de
tudo.
Mas o
maior enigma mesmo parece ser mesmo a da geração chamada de “millennials” ou
“geração Y”: a bizarra situação produz uma reação curiosa reação entrópica ou
implosiva no casal.
Ao invés de buscarem no mundo exterior uma
reposta ou até sobreviventes, ao contrário, o casal se fecha ainda mais no mal
estar que começa a emergir da relação – a perda da utilidade de computadores e
celulares e os sintomas da abstinência tecnológica; o casal que se vê colocado
um diante do outro sem mais nenhuma mediação tecnológica; a busca de um novo
sentido no retorno ao analógico e a tentativa de se apegar a algum velho
sentido religioso que mostre um significado ou um “plano” divino por trás de
tudo que aconteceu.
Nesse
silencioso apocalipse de Bokeh as
ameaças são mínimas e abstratas. Não há exatamente uma crise física, mas
emocional – os protagonistas são confrontados com questões filosóficas e
religiosas que estão totalmente fora da alçada da tecnológica geração dos
millennials. Sem aplicativos, celulares ou dispositivos de comunicação
instantânea, repentinamente os jovens são colocados um diante do outro e
colocados na urgência de procurar dar um sentido para tudo. Um sentido que não
seja dado pela racionalidade dos gadgets tecnológicos.
O Filme
Bokeh acompanha um jovem casal
norte-americano, Jenai (Maika Monroe) e Riley (Matt O’Leary) em férias na
Islândia, sob cachoeiras, mergulhando em águas termais e em passeios através
dos cenários estranhamente belos do país.
Em
poucos minutos do filme, vê-se no céu noturno um misterioso pulso de luz verde.
Pela manhã, Jenai e Riley acordam para descobrirem que todo mundo se foi, e
eles estão absolutamente sozinhos na capital Reyjavik.
Logo
descobrem que seus celulares não conseguem completar qualquer ligação, a caixa
de entrada de e-mail permanece vazia e os comunicadores instantâneos só têm
mensagens e áudios do dia anterior. O que levanta a suspeita que o fenômeno não
se limita àquele país. Foi mundial, com dimensões apocalípticas.
Após o
nervosismo inicial (jamais o espectador saberá algo além do pouco que os
protagonistas sabem), o casal começa a adotar o comportamento da maioria dos
filmes sobre os últimos sobreviventes de invasões zumbis: passam a comemorar a
repentina liberdade de ir a qualquer lugar que gostem ou pegar qualquer coisa
que quiserem em shoppings centers, supermercados e cafés.
Riley
começa a brincar de fazer acrobacias em carrinhos de supermercado, faz alegres
passeios em lojas de roupas masculinas ou pega uma SUV desocupada, acelerando
pelas ruas vazias – o sonho de dez em cada dez motoristas, realizando as
fantasias sugeridas pelos filmes publicitários que promovem carros em meios a
ruas sem congestionamentos.
Essa é
a primeira parte da narrativa: solitários em um mundo no qual a humanidade
sumiu, reproduzem os clichês da sociedade de consumo que não mais existe.
Talvez como uma questão de familiaridade, como mecanismo de defesa diante do
fim.
O
filme indicia, aqui e ali, as típicas características da geração dos
millennials: a dependência pelos gadgets tecnológicos (Jenai insiste em digitar
o celular, mesmos sabendo que não há comunicação, como um tipo de tique
nervoso) e a nostalgia de Riley pela cultura tecnológica do passado – seu
companheiro inseparável é uma antiga máquina fotográfica roleflex – para ele, a
fotografia analógica “capta melhor os momentos”.
Daí o
nome do filme “Bokeh” – termo usado na fotografia para designaras áreas fora do
foco ou distorcidas, produzidas pela lente fotográfica.
O
mesmo nostalgismo do “back to vinyl”, das bikes fixas ou das velhas
barbearias com design hand shop que
marca a atual variação dos millennials, os “hipsters”.
Mas a
tensão entre o casal começa quando Jenai dispara: “Nós não estamos olhando para
a mesma coisa”. Enquanto Riley definitivamente abandona a tecnologia e passa a
construir e inovar equipamentos rústicos para trazer água para o apartamento,
Jenai agarra-se ao passado, verifica interminavelmente seus e-mails e chora
diante das suas mensagens de voz antigas. E começa a flertar com um sentido
religioso: entra em igrejas, senta e olha para os altares.
Aparentemente
Riley olha para o futuro e Jenai, o passado. Mas há uma espécie de melancolia
nostálgica envolvendo o casal: ambos querem buscar algum tipo de simplicidade
perdida, seja nas engenhocas de madeira ou no sentido religioso: de um lado
pregos e martelos; do outro, a procura da fé em algum plano divino por trás de
tudo aquilo.
Nostalgia pós-moderna – Alerta de spoilers à
frente
Nostalgismo
que será eventualmente abalado com a descoberta de mais um sobrevivente: um
islandês idoso, diante do qual Jenai procurará projetar nele alguma figura
paterna ou um porto seguro – valores, princípios etc. Mas tudo o que encontra é
um radical niilismo gnóstico: Deus é indiferente conosco. Ele não criou esse
mundo para nós. Nós é que apenas vivemos nele.
A
nostalgia dos millennials é essencialmente pós-moderna. Se a nostalgia designa
saudades de épocas que foram vividas, a nostalgia pós-moderna, ao contrário, é
paradoxal: sentir saudades de épocas que jamais foram vivenciadas.
Talvez
porque o vazio e a incomunicabilidade das novas tecnologias de comunicação
(banda muito larga para pouca produção de conteúdo) forcem os millennials a idealizar
o passado. Como bem ironizou Woody Allen no filme Meia Noite em Paris (2011): um jovem escritor encontra um portal do
tempo que o faz voltar à Paris dos anos 1920, tão idealizada por ele. Para
encontrar os grandes mitos da literatura e das artes plásticas reclamando de
uma suposta decadência da arte na sua época e para idealizarem o seu passado, o
século XIX.
Dessa
maneira, Bokeh aproxima-se de outra
produção independente sobre o tema do fim do mundo: o canadense Last Night (1998 – clique aqui) - pessoas comuns à beira
do fim sem gestos heroicos, grandes explicações científicas ou protagonistas
com presença de espírito. Mas apenas ações patéticas de pessoas que tentam
realizar seus últimos desejos.
Jenai
e Riley não demonstram sequer curiosidade científica ou metafísica do porquê
dos acontecimentos. Ao contrário, são consumidos por discussões de
relacionamento e nostalgismo pós-moderno.
Essa é
a grande virtude desse subgênero “psicodrama alt.sci fi” – dentro de um cenário
clássico de ficção científica, os dramas humanos parecem se tornar ainda mais
visíveis pela absoluta disfuncionalidade das ações diante da urgência das
crises apocalípticas.
Cinegnose participa do programa Poros da Comunicação na FAPCOM
Este humilde blogueiro participou da edição de número seis do programa “Poros da Comunicação” no canal do YouTube TV FAPCOM, cujo tema foi “Tecnologia e o Sagrado: um novo obscurantismo?
Esse humilde blogueiro participou da 9a. Fatecnologia na Faculdade de Tecnologia de São Caetano do Sul (SP) em 11/05 onde discutiu os seguintes temas: cinema gnóstico; Gnosticismo nas ciências e nos jogos digitais; As mito-narrativas gnósticas e as transformações da Jornada do Herói nas HQs e no Cinema; As semióticas das narrativas como ferramentas de produção de roteiros.
Publicidade
Coleção Curtas da Semana
Lista semanalmente atualizada com curtas que celebram o Gnóstico, o Estranho e o Surreal
Após cinco temporadas, a premiada série televisiva de dramas, crimes e thriller “Breaking Bad” (2008-2013) ingressou na lista de filmes d...
Domingo, 30 de Março
Bem Vindo
"Cinema Secreto: Cinegnose" é um Blog dedicado à divulgação e discussões sobre pesquisas e insights em torno das relações entre Gnosticismo, Sincromisticismo, Semiótica e Psicanálise com Cinema e cultura pop.
A lista atualizada dos filmes gnósticos do Blog
No Oitavo Aniversário o Cinegnose atualiza lista com 101 filmes: CosmoGnósticos, PsicoGnósticos, TecnoGnósticos, AstroGnósticos e CronoGnósticos.
Esse humilde blogueiro participou do Hangout Gnóstico da Sociedade Gnóstica Internacional de Curitiba (PR) em 03/03 desse ano onde pude descrever a trajetória do blog "Cinema Secreto: Cinegnose" e a sua contribuição no campo da pesquisa das conexões entre Cinema e Gnosticismo.
Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
Neste trabalho analiso a produção cinematográfica norte-americana (1995 a 2005) onde é marcante a recorrência de elementos temáticos inspirados nas narrativas míticas do Gnosticismo.>>> Leia mais>>>
"O Caos Semiótico"
Composto por seis capítulos, o livro é estruturado em duas partes distintas: a primeira parte a “Psicanálise da Comunicação” e, a segunda, “Da Semiótica ao Pós-Moderno >>>>> Leia mais>>>