Uma nave alienígena paira no céu por décadas após o apocalipse que
varreu o planeta Terra. E no interior da Etiópia, um homem acredita receber um
sinal daquela nave de que deve retornar para ela, deixar a Terra e voltar para
a sua verdadeira casa. Mas terá que enfrentar o medo e vilões como guerreiros
mascarados, nazistas e... Papai Noel. Esse é “Crumbs” (2015), o primeiro filme de
ficção científica de uma nascente indústria cinematográfica da Etiópia e já premiado em festivais do cinema Fantástico nesse ano. Uma
jornada épica pós-apocalíptica com um evidente sabor AstroGnóstico. Assista ao trailer.
Diretor: Miguel Llansó
Plot: Décadas após o apocalipse provocado
por uma guerra mundial, os poucos habitantes que ficaram na Terra lutam para
sobreviver vasculhando o lixo e ruínas deixadas pela civilização. Por muitos
anos uma nave alienígena ficou pairando no céu, dormente e lentamente
enferrujando. Até que estranhos incidentes magnéticos começam a ocorrer em uma
pista de boliche em ruínas onde moram Birdy e Candy. Os objetos parecem ser
atraídos para aquela nave que paira no ar. Candy acredita que isso é um sinal
de que ele é de origem extraterrestre e acredita que aquela nave é sua grande
oportunidade de retorno para sua casa. Então Candy embarcará em uma jornada
épica e surreal pelas paisagens pós-apocalípticas da Etiópia, enfrentando seus
próprios medos e também bruxas, um Papi Noel e nazistas de segunda geração.
Por que está “Em Observação”? – Crumbs
é o primeiro filme de ficção científica da Etiópia, premiado em
festivais do Fantástico de Montreal e Barcelona neste ano. O filme parece ser o resultado
do cruzamento entre Distrito 9 com WALL-E ou alguma coisa entre os
diretores Alex Cox e Alejandro Jodorowski. O protagonista Candy parece lembrar
o robozinho WALL-E em seu interminável trabalho de compactar o lixo de uma
civilização que desapareceu, de onde retira seu próprio alimento e memórias
esparsas e fragmentadas.
Sempre nos
acostumamos a ver filmes pós-apocalípticos ou sobre catástrofes acontecendo em
grandes metrópoles como Nova York, Londres, Los Angeles ou Washington. Ao
contrário, em Crumbs vemos dois
personagens perdidos em algum lugar no interior da Etiópia, vivendo em uma
pista de boliche abandonada.
O argumento de Crumbs tem um evidente sabor AstroGnóstico: categoria de filmes
gnósticos que representam a humanidade como uma espécie de origem alienígena,
presa no planeta Terra e sofrendo pela incapacidade em se adaptar em um cosmos
imperfeito e hostil que cria estados emocionais que conduzem à loucura,
destruição em massa, depressão e alienação.
E por que Etiópia?
Para o diretor espanhol Miguel Llansó, além do país contar com uma nascente
indústria cinematográfica, as paisagens desoladas do país e a forte
luminosidade equatorial o atraíram. Além disso, o argumento pós-apocalíptico do
filme (um herói que vive do lixo da civilização) tem na África a sua melhor
inspiração.
Para o diretor,
com a Globalização os objetos estão perdendo o seu significado ao serem
deslocados de seus locais de origem para se espalharem pelo mundo, separando o
ícone da sua origem. “Por exemplo, o ícone de Cristiano Ronaldo ou da Beyoncé
são objetos em uma sociedade, mas quando eles são removidos do seu habitat e
colocados em locais exóticos, passamos a atribuir a eles diferentes
significados do que pensávamos antes. Se você vai para as ruas de Addis Ababa
[capital da Etiópia] é mais fácil encontrar um CD da Beyoncé do que de Mohamoud
Ahmed, uma das estrelas da música etíope.” (“Subverting Old Tales from the Future”).
Por isso, Crumbs também é uma reflexão sobre esse
deslocamento na cultura contemporânea. O filme é repleto de referencias
irônicas da cultura pop perdidas em um país africano depois do fim do mundo
como Papai Noel, nazistas, Michael Jordan, Justin Beaber, Stephen Hawking,
Michael Jackson etc.
Em decorrência
disso, o protagonista Candy carregará consigo em sua jornada uma espada de
plástico da rede Carrefour e um “amuleto de proteção”, na verdade um pequeno
boneco da Tartaruga Ninja.
Llansó diz nas
entrevistas que Crumbs é uma história
de Cinderela às avessas: “Estamos acostumados com o cinema norte-americano e as
histórias de sucesso do capitalismo – uma pobre garota, Cinderela, no final
descobre um homem rico. Então é salva e se torna uma espécie de princesa. Isso
é um discurso sobre o capitalismo. Crumbs
subverte isso – alguém que acredite ser o Superhomem e que no final aceita o
fato de não ser. Crumbs é uma
história humana sobre duas pessoas que no final terão que aceitar a realidade”.
O que esperar? - Um afro-futurismo anárquico, semelhante a Distrito 9. Um gênero de sci fi que os
estudiosos de cinema denominam de “ficção científica do Sul” – filmes que
apresentam futuros distópicos que nada mais são do que projeção das atuais
mazelas da Globalização: racismo, segregação, crises econômicas e desemprego.
Além disso, a crítica especializada aponta que Crumbs explora uma linguagem de western
spaghetti misturada com surrealismo ao estilo de Buñuel. E as paisagens
desoladas nas quais se deslocam os protagonistas lembram a poética sci fi de
Andrei Tarkowsky.