Um jovem casal norte-americano em férias na Islândia. Que mal poderia
acontecer? A não ser, acordar numa manhã e descobrir que todo mundo desapareceu
e aparentemente só restaram eles? Celulares e Internet continuam funcionando,
mas... não há ninguém do outro lado. Será que toda humanidade desapareceu? Esse
é o filme "Bokeh" (2017, disponível na Netflix) no qual a atmosfera "Além da Imaginação”
é apenas um pano de fundo para discutir questões geracionais e existenciais da
chamada “Geração Y” ou “Millennials”. Ao invés de procurar uma resposta, ou
mesmo sobreviventes, o casal de fecha ainda mais no mal-estar que emerge da
relação: o estranhamento de estarem cara-a-cara, sem mediações tecnológicas, e
o estranho nostalgismo pós-moderno: saudades de épocas que não foram vividas.
Bokeh (2017) é um filme que comprova a
recente tendência dos filmes de ficção independentes: os chamados “psicodramas
alt.sci-fi” – filmes que apresentam temas e iconografias do gênero, mas que
nada mais são do que pretextos para discutir questões geracionais, existenciais
e de relacionamentos.
À
primeira vista, o filme tem um quê da série clássica Além da Imaginação: grandes conceitos filmados com uma produção de
baixo orçamento e com roteiros instigantes.
Bokeh acompanha um jovem casal
norte-americano em férias e que decide gastar suas economias numa viagem à
Islândia. Numa manhã eles acordam e... todos desapareceram. Eles parecem ser os
últimos seres humanos na face da Terra.
Um
casal apaixonado é desafiado por uma situação pós-apocalíptica, sem nenhuma
explicação racional – não houve uma destruição nuclear, zumbis, epidemia, nada!
Simplesmente todos parecem ter desaparecidos, deixando seus pertences, mesas
postas para refeições e carros estacionados com as chaves nos contatos.
As
desoladas e maravilhosas paisagens islandesas (suas praias com areia preta,
geleiras, gêiseres, e algumas das maiores quedas de água da Europa) criam essa
atmosfera de final do mundo e de que há algum enigma metafísico por trás de
tudo.
Mas o
maior enigma mesmo parece ser mesmo a da geração chamada de “millennials” ou
“geração Y”: a bizarra situação produz uma reação curiosa reação entrópica ou
implosiva no casal.
Ao invés de buscarem no mundo exterior uma
reposta ou até sobreviventes, ao contrário, o casal se fecha ainda mais no mal
estar que começa a emergir da relação – a perda da utilidade de computadores e
celulares e os sintomas da abstinência tecnológica; o casal que se vê colocado
um diante do outro sem mais nenhuma mediação tecnológica; a busca de um novo
sentido no retorno ao analógico e a tentativa de se apegar a algum velho
sentido religioso que mostre um significado ou um “plano” divino por trás de
tudo que aconteceu.
Nesse
silencioso apocalipse de Bokeh as
ameaças são mínimas e abstratas. Não há exatamente uma crise física, mas
emocional – os protagonistas são confrontados com questões filosóficas e
religiosas que estão totalmente fora da alçada da tecnológica geração dos
millennials. Sem aplicativos, celulares ou dispositivos de comunicação
instantânea, repentinamente os jovens são colocados um diante do outro e
colocados na urgência de procurar dar um sentido para tudo. Um sentido que não
seja dado pela racionalidade dos gadgets tecnológicos.
O Filme
Bokeh acompanha um jovem casal
norte-americano, Jenai (Maika Monroe) e Riley (Matt O’Leary) em férias na
Islândia, sob cachoeiras, mergulhando em águas termais e em passeios através
dos cenários estranhamente belos do país.
Em
poucos minutos do filme, vê-se no céu noturno um misterioso pulso de luz verde.
Pela manhã, Jenai e Riley acordam para descobrirem que todo mundo se foi, e
eles estão absolutamente sozinhos na capital Reyjavik.
Logo
descobrem que seus celulares não conseguem completar qualquer ligação, a caixa
de entrada de e-mail permanece vazia e os comunicadores instantâneos só têm
mensagens e áudios do dia anterior. O que levanta a suspeita que o fenômeno não
se limita àquele país. Foi mundial, com dimensões apocalípticas.
Após o
nervosismo inicial (jamais o espectador saberá algo além do pouco que os
protagonistas sabem), o casal começa a adotar o comportamento da maioria dos
filmes sobre os últimos sobreviventes de invasões zumbis: passam a comemorar a
repentina liberdade de ir a qualquer lugar que gostem ou pegar qualquer coisa
que quiserem em shoppings centers, supermercados e cafés.
Riley
começa a brincar de fazer acrobacias em carrinhos de supermercado, faz alegres
passeios em lojas de roupas masculinas ou pega uma SUV desocupada, acelerando
pelas ruas vazias – o sonho de dez em cada dez motoristas, realizando as
fantasias sugeridas pelos filmes publicitários que promovem carros em meios a
ruas sem congestionamentos.
Essa é
a primeira parte da narrativa: solitários em um mundo no qual a humanidade
sumiu, reproduzem os clichês da sociedade de consumo que não mais existe.
Talvez como uma questão de familiaridade, como mecanismo de defesa diante do
fim.
O
filme indicia, aqui e ali, as típicas características da geração dos
millennials: a dependência pelos gadgets tecnológicos (Jenai insiste em digitar
o celular, mesmos sabendo que não há comunicação, como um tipo de tique
nervoso) e a nostalgia de Riley pela cultura tecnológica do passado – seu
companheiro inseparável é uma antiga máquina fotográfica roleflex – para ele, a
fotografia analógica “capta melhor os momentos”.
Daí o
nome do filme “Bokeh” – termo usado na fotografia para designaras áreas fora do
foco ou distorcidas, produzidas pela lente fotográfica.
O
mesmo nostalgismo do “back to vinyl”, das bikes fixas ou das velhas
barbearias com design hand shop que
marca a atual variação dos millennials, os “hipsters”.
Mas a
tensão entre o casal começa quando Jenai dispara: “Nós não estamos olhando para
a mesma coisa”. Enquanto Riley definitivamente abandona a tecnologia e passa a
construir e inovar equipamentos rústicos para trazer água para o apartamento,
Jenai agarra-se ao passado, verifica interminavelmente seus e-mails e chora
diante das suas mensagens de voz antigas. E começa a flertar com um sentido
religioso: entra em igrejas, senta e olha para os altares.
Aparentemente
Riley olha para o futuro e Jenai, o passado. Mas há uma espécie de melancolia
nostálgica envolvendo o casal: ambos querem buscar algum tipo de simplicidade
perdida, seja nas engenhocas de madeira ou no sentido religioso: de um lado
pregos e martelos; do outro, a procura da fé em algum plano divino por trás de
tudo aquilo.
Nostalgia pós-moderna – Alerta de spoilers à frente
Nostalgismo
que será eventualmente abalado com a descoberta de mais um sobrevivente: um
islandês idoso, diante do qual Jenai procurará projetar nele alguma figura
paterna ou um porto seguro – valores, princípios etc. Mas tudo o que encontra é
um radical niilismo gnóstico: Deus é indiferente conosco. Ele não criou esse
mundo para nós. Nós é que apenas vivemos nele.
A
nostalgia dos millennials é essencialmente pós-moderna. Se a nostalgia designa
saudades de épocas que foram vividas, a nostalgia pós-moderna, ao contrário, é
paradoxal: sentir saudades de épocas que jamais foram vivenciadas.
Talvez
porque o vazio e a incomunicabilidade das novas tecnologias de comunicação
(banda muito larga para pouca produção de conteúdo) forcem os millennials a idealizar
o passado. Como bem ironizou Woody Allen no filme Meia Noite em Paris (2011): um jovem escritor encontra um portal do
tempo que o faz voltar à Paris dos anos 1920, tão idealizada por ele. Para
encontrar os grandes mitos da literatura e das artes plásticas reclamando de
uma suposta decadência da arte na sua época e para idealizarem o seu passado, o
século XIX.
Dessa
maneira, Bokeh aproxima-se de outra
produção independente sobre o tema do fim do mundo: o canadense Last Night (1998 – clique aqui) - pessoas comuns à beira
do fim sem gestos heroicos, grandes explicações científicas ou protagonistas
com presença de espírito. Mas apenas ações patéticas de pessoas que tentam
realizar seus últimos desejos.
Jenai
e Riley não demonstram sequer curiosidade científica ou metafísica do porquê
dos acontecimentos. Ao contrário, são consumidos por discussões de
relacionamento e nostalgismo pós-moderno.
Essa é
a grande virtude desse subgênero “psicodrama alt.sci fi” – dentro de um cenário
clássico de ficção científica, os dramas humanos parecem se tornar ainda mais
visíveis pela absoluta disfuncionalidade das ações diante da urgência das
crises apocalípticas.
Ficha Técnica
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Título: Bokeh
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Diretores: Geoffrey
Orthwein, Andrew Sullivan
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Roteiro: Geoffrey
Orthwein, Andrew Sullivan
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Elenco: Maika Monroe,
Matt O’Leary, Arnar Jónsson
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Produção: Zealous
Pictures
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Distribuição: Screen Media
Films
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Ano: 2017
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País: EUA
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