terça-feira, outubro 22, 2019

Show midiático criptografado continua: óleo no Nordeste e reality show da crise do PSL


“A situação é teratológica. Fico com a sensação que é tudo combinado”, tuitou a conhecida “musa do impeachment”, a jurista Janaina Paschoal, deputada estadual pelo PSL. As palavras da indefectível jurista talvez expressem muito mais do que espanto diante da suposta crise do partido. A chamada crise de Bolsonaro com o PSL ocupa a pauta midiática junto com a catástrofe ambiental do derramamento de óleo cru na costa do Nordeste, coincidentemente a poucos dias do megaleilão da cessão onerosa do gigantesco Pré-sal. A “situação teratológica” é a guerra semiótica criptografada, a ópera bufa para entreter o respeitável público – de um lado, uma crise fabricada com mentidos e desmentidos para ocupar a pauta de analistas e colunistas; do outro, colocar a culpa na Venezuela pelas manchas de óleo depois de um silêncio obsequioso da mídia por um mês. Tática diversionista para blindar o megaleilão do Pré-sal e toda a agenda neoliberal com muito thriller político e reality show. Afinal, para quê valeu todo o esforço organizacional da guerra híbrida brasileira cujo ápice foi o impeachment? 

Quem não se lembra da professora e jurista Janaina Paschoal e sua performance ensandecida em um discurso de apoio ao impeachment da presidenta Dilma na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em São Paulo – descabelada, rodando a bandeira nacional numa performance que lembrava alguma coisa entre o Death Metal e a atriz Linda Blair em O Exorcista. Um discurso que emulava um bispo neopentecostal fora do controle – o que prenunciava a futura e sombria aliança entre religião/milícias/extrema-dreita.
Pois até ela, agora deputada estadual (após a grande mídia tê-la buscado no Brasil Profundo para dar a “massa crítica” necessária para desferir o impeachment em 2016), percebe algo estranho na “crise” entre o presidente Bolsonaro e o seu partido, o PSL. Em sua conta no Twitter, a jurista apontou que “a situação é tão teratológica, que fico com a sensação de que tudo é combinado. Tanta loucura parece impossível”.
A guerra entre Bolsonaro com a própria legenda em tudo lembra uma ópera bufa pelas inda e vindas com muita canastrice e galhofas - sobre a canastrice como fator político clique aqui.




“Eu tô meio bonito...”

Emulando um jogador de futebol em crise com seu clube, Bolsonaro disse sorridente que recebeu “vários convites” de outras legendas, mas não revelou quais: “eu tô meio bonito, sabe disso, né?... então eu tenho vários convites”, fez troça o sorridente presidente.
Simultaneamente, “vaza” o áudio do líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (PSL-GO) xingando o presidente e ameaçando “implodi-lo”. Mais tarde contemporizou dizendo que tudo foi “um momento de sentimentos”, “fala de emoção” e que “isso já passou”, além de soltar uma indefectível pérola misógina: “somos que nem mulher traída, apanha, mas volta para o aconchego...”.   

Joice vira "mulher-bomba"...

E tome o longo espaço ocupado pelas análises políticas sobre um suposto “auto-impeachment de Bolsonaro. Ou o início de algum golpe bonapartista para o presidente governar sozinho, sem o Congresso e com apoio das Forças Armadas. De repente, até o Delegado Waldir ganhou destaque na chamada blogosfera progressista – o PFL seria na verdade formado por uma gangue de “homens-bomba” impulsivos, e Bolsonaro um inepto político.
E depois veio a “mulher-bomba”: a notícia de que Joice Hasselman falaria no programa “Roda Viva” da TV Cultura – prometeu contar tudo! Suspense... quando chegou o momento do programa ao vivo, Joice não contou nada que prometeu. Show de papo furado, elogios ao chefe tentando emplacar que Bolsonaro é diferente dos filhos, frases dúbias, recuos calculados e assim por diante. 
Ah! Mas ela falou que os filhos do Bolsonaro mantêm páginas falsas na Internet para disseminar fake news. Segredo de polichinelo: ela e a torcida do Flamengo sabem disso. Mais uma bomba do “reality show” - sintomaticamente, assim definem muitos analistas políticos a crise do PSL...

Óleo no Nordeste: mesmo modus operandi

Ao mesmo tempo também ganha espaço nas mídias a catástrofe ambiental do derramamento de petróleo cru que contamina a costa do Nordeste do País, chegando a incluir praias turísticas populares – talvez seja por isso que a notícia ganhou repentinamente espaço, depois de mais de um mês de silêncio do Governo e da imprensa corporativa. 
O mesmo modus operandi: Bolsonaro provoca dizendo que o petróleo era da Venezuela. Jogo de cena facilmente desmentido, apesar da grande mídia de maneira acrítica comprar a versão no primeiro instante. Enquanto o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, passa o tempo fazendo provocações políticas, acusando os governadores do nordeste de não estarem fazendo sua parte na amenização dos efeitos do desastre.


Sem conseguir mais sustentar o fator Venezuela, a grande mídia partiu para a estratégia de normalização do desastre: “É bonito de ser ver!”, exclama uma repórter local da Rede Globo ao mostrar mutirões de moradores e turistas limpando uma praia em Alagoas. Ou então as notícias sobre o avanço das manchas de petróleo serem sucedidas nos telejornais pelo bloco da previsão do tempo – velha tática de contaminação metonímica para classificar a tragédia ambiental na ordem dos fenômenos naturais.
O show continua: é a tática de guerra criptografada colocada em ação desde o primeiro dia do atual governo – a estratégia de ocupar a pauta midiática com eventos produzidos por uma verdadeira usina de “crises”. A promoção diária de fofocas, conflitos, boatos, “caneladas”, “fogo amigo”, provocações - principalmente contra a esquerda que, como um cão de Pavlov, diligentemente responde). Para criar a interpretação diversionista de que o governo está naufragando na crise, se esfacelando, à beira do descontrole total cujo líder é um presidente tosco e burro. 
Assustando até a musa do impeachment, Janaina Paschoal, que acha tudo “teratológico” ou “loucura impossível”. Militando dentro do PSL, Janaina tem a sensação de ser “tudo combinado” de tão inverossímil que parecem as jogadas típicas de uma guerra criptografada. 
Mesmo ela, aquela que acreditava que o Brasil era a “República da Cobra” e um “cativeiro de almas e mentes”, consegue perceber o ardil e artifício desse jogo de cena criado para embaralhar e entreter a patuleia.
Menos para a grande mídia e para própria mídia progressista - levando à sério essas aparências para alimentar seu incorrigível wishiful thinking, a zona de conforto do discurso da “luta e resistência”.

Blindar megaleilão do Pré-sal

Tanto a suposta crise do PSL e o desastre ambiental nas costas do Nordeste “coincidentemente” (ou sincronicamente?) acontecem na proximidade do megaleilão da cessão onerosa dos gigantescos recursos do Pré-sal – até aqui, o ponto mais alto da privataria que assalta a soberania brasileira.
Afinal, para quê valeu todo o esforço organizacional da guerra híbrida brasileira, impeachment, sustentação a todo custo de Temer no Governo e a aposta no “não tem-tu-vai-tu mesmo” Bolsonaro? Esse megaleilão do Pré-sal é a concretização do escopo da geopolítica energética norte-americana. 

Cadáver chega com óleo na praia e tambores da Shell não aparecem em telejornais

Enquanto a grande mídia sustenta o viés da positividade em relação a esse megaleilão (para seus analistas a Petrobrás, pela natureza estatal, é incompetente para explorar sozinha o Pré-sal), e manteve o quanto pode o silêncio de mais de um mês da imprensa sobre o que estava ocorrendo nas praias nordestinas, sintomaticamente Bolsonaro toma à frente e acusa a Venezuela diante das câmeras de TV.
Por que sintomaticamente? O analista Gustavo Gollo levanta dúvidas pertinentes a cerca das causas das toneladas de óleo cru despejadas nas praias nordestinas – uma suspeita que sequer foi aventada pela grande mídia: e se for um vazamento de poço de extração operado por empresa privada no Pré-sal? A presença privada já é expressiva e tende a aumentar – clique aqui.
Certamente, se o desastre fosse originado de uma plataforma da Petrobrás, Bolsonaro não seria convocado para praguejar mais bravatas conspiratórias e ideológicas para repórteres. A estatal culpada cairia como uma luva nos discursos dos analistas econômicos e políticos da imprensa corporativa, ansiosos por falhas escandalosas na petrolífera brasileira.
Gollo aponta as semelhanças com o acidente de 2010 nos EUA da sonda petrolífera Deepwater Horizon – onze pessoas morreram no desastre que resultou em multas que chegaram a quase 90 bilhões de dólares. Um cadáver humano coberto de óleo foi encontrado em uma das praias do Nordeste afetadas pelo óleo – foto e episódio foram ignorados pela mídia e censurado pelo Google – clique aqui.
Desde o início do desastre no final de agosto, moradores e técnicos logo perceberam que pelas características do óleo não se tratava nem de naufrágio ou de lavagem ilegal dos tanques de algum navio petroleiro. E principalmente pela extensão de mais de 2 mil quilômetros de costa, do Maranhão até a Bahia, trata-se de um vazamento gigantesco.

Reality show para esconder da patuleia a agenda neoliberal

Estilo Alt-right

Por isso, Bolsonaro e sua intrépida trupe são convocados para mais um show de diversionismo e entretenimento para a distinta plateia. Dessa vez, com requinte de crueldade e vingança: o desastre ambiental ocorre na região do País politicamente mais progressista e anti-Bolsonaro. Propositalmente o ministro do Meio Ambiente, Governo Federal, Marinha e Ibama simplesmente silenciaram diante do desastre – por exemplo, Ricardo Salles limitou-se a fazer provocações políticas contra o governador da Bahia, Rui Costa, através do twitter – clique aqui.
Parece que de tudo isso tiram muito prazer: estar na ribalta, no foco das luzes midiáticas, como protagonistas da sua guerra cultural-ideológica particular – globalistas, marxistas culturais, Venezuela... e quando tudo se esgota, é necessário partir para a autofagia e encontrar inimigos internos no próprio partido.
Sabem que estão lá no Congresso e no Palácio do Planalto para cumprir uma extensa e impopular agenda de medidas amargas neoliberais. E precisam a todo custo mudar o foco, entreter o público, entreter a grande mídia, criar pautas, ocupar analistas e colunistas para incitá-los a fazer suas eletrizantes análises de conjuntura: “A guerra continua?”... “Crise do PSL cresce com áudio polêmico!”... “Nas redes sociais Eduardo defende Bolsonaro e ataca Joice”... “Crise do PSL pode ameaçar apoio à pauta do Governo?”... “Estará em risco a reforma da Previdência?”...
É o mesmo tom, o mesmo tatibitati desde o primeiro dia de janeiro... É o estilo alt-right de invenções de reality shows para ocupar a pauta da mídia, assim como faz Trump diariamente nos EUA. Como bem revelou matéria do The Observer diante da atitude aparentemente “suicida” do presidente no cenário atual da ameaça de um suposto impeachment com “declarações incoerentes e malucas” e “temores sobre o seu niilismo moral”.
“Nunca vi um presidente se comportar  de maneira tão peculiar, irracional e autodestrutiva quanto Trump”, disse Larry Jacob, diretor do Centro de Estudos de Política e Governança da Universidade de Minessota – clique aqui.
Porém, o mais triste é ver a esquerda, da qual se esperava uma crítica lúcida dessa guerra criptografada, participar da distinta plateia que vaia, aplaude e torce, esperando que o inimigo caia por si mesmo... por um “auto-impeachment”.
Enquanto isso, lá fora, no mundo real, manifestantes ocupam as ruas de Santiago e Quito contra tudo aquilo que a guerra semiótica criptografada de Bolsonaro aqui no Brasil esconde de maneira bem-sucedida, misturando política, thriller e reality show.

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