quarta-feira, agosto 28, 2019

Amazônia na guerra criptografada: bomba semiótica do "Sim!" e a vidraça quebrada


Enquanto a esquerda “campeã moral” vive mapeando arrependidos que deixaram de apoiar Bolsonaro, a “esquerda namastê” (com luxuoso apoio do programa “Papo de Segunda” do canal GNT da Globo) comemora a “diluição da polarização” ao ver a atriz Maitê Proença nos protestos contra a queima da Amazônia, ao lado de Caetano Veloso e Sônia Braga. Desarmada intelectualmente, a esquerda não consegue decodificar a criptografia da atual guerra simbólica, dentro do redesenho da geopolítica do aquecimento global na qual a Amazônia torna-se o principal alvo dos países ricos. Com a questão ambiental tornando-se foco da grande mídia, as manifestações começam a dançar a música tocada pela Guerra Híbrida: a “bomba semiótica do Sim!” e a tática da “vidraça quebrada” – como criar consenso imediato numa estratégia de terra arrasada intencionalmente criada pelo Governo para a opinião pública aceitar no futuro a intervenção externa. Se quer vender a bomba, em primeiro lugar deve vender o medo. 

Causou repercussão nas redes sociais e blogs progressistas fotos e vídeos da atriz Maitê Proença em manifestações no Rio de Janeiro contra Bolsonaro e a destruição da Amazônia, ao lado de figuras como Caetano Veloso, Sônia Braga e Carlos Minc, ex-ministro do Meio Ambiente do governo Lula.
Maitê foi aquela atriz da Globo que invocou os “machos selvagens” para apear do poder a então presidenta Dilma Rousseff, além de franquear apoio à candidatura Jair Bolsonaro (“ele é autêntico”, dizia), além de ter sido cotada a ministra do Meio Ambiente pelo próprio capitão da reserva. Por isso, causou frisson ao aparecer em protestos ao lado de comunistas e progressistas.
Para aquela esquerda que se considera campeã moral, ela é mais uma arrependida tardia. Para a chamada “esquerda namastê” (cujo termômetro é o programa da GNT “Papo de Segunda” que estimula esse tipo de esquerdismo que a Globo adora), uma evidência positiva de que a polarização política do País estaria “diluindo”, como comemoraram nessa segunda o ator João Vicente e o filósofo Chico Bosco.
Mas o discurso da atriz no Instagram para justificar sua presença na manifestação foi emblemático: 
A marcha pela Amazonia foi linda! Foi de união. Foi solar e amorosa. O mundo repercutiu as imagens. Não havia a chatice binaria. O foco era a #Amazonia e era o planeta. Manifestantes gritaram suas palavras de ordem, como sempre acontece em qq ato popular. Pq o pensamento é livre, independente, e não tem so dois lados. As grandes causas precisam da voz de todos q se importam”. 
Como esse humilde blogueiro vem insistindo, Bolsonaro é previsível e está seguindo à risca aquilo que prometeu: “antes de construir é preciso destruir muita coisa”, vaticinou. O que é assustador é o misto de ingenuidade e teimosia da esquerda, intelectualmente desarmada para decodificar a guerra semiótica criptografada dentro da qual se encontra hipnotizada. 
Ainda está à espera de um Alan Turing capaz de quebrar o “Código Enigma” de uma guerra simbólica que embaralha eventos e informações num caos de dissonâncias que ocupa diariamente a pauta da grande mídia.


A viragem da grande mídia

Mas antes de voltarmos ao sintomático discurso da atriz global, vamos a algumas outras evidências.
Nesses oito meses de destruição sistemática guiada pela agenda econômica neoliberal, manifestações de rua contra a Reforma da Previdência ou em protesto contra os cortes na Educação resultaram apenas em “marolas” que apenas atiçaram as milícias digitais e a guerra culturalista da direita. 
Enquanto a oposição parlamentar sequer convoca o povo para ir às ruas.
Manifestações de rua pela “Educação” e contra “Reformas” são tidas como “partidarizadas” para a opinião pública. Porque organizado por organizações sindicais e estudantis.
 Porém, a guinada começou no dia 19/08 quando a tarde virou noite do Estado de São Paulo. Resultado do “rio voador” de fumaça soprada das queimadas amazônicas. De início, e como sempre, a grande mídia iniciou a blindagem dos acontecimentos relatando tudo como um fenômeno natural, dentro dos blocos de meteorologia e previsão do tempo dos telejornais. 
Até o instante em que o presidente da França Emmanuel Macron convocou os países do G7 para discutir a “emergência na floresta amazônica”.
Repentinamente, a grande mídia deu uma virada e transformou o tema na pauta principal das manchetes e escaladas televisivas. E passou a dar destaque às bravatas e retrocessos do discurso presidencial.

Tarde paulistana virou noite: para mídia, queimadas amazônicas eram um fenômeno meteorológico...

O curioso é que, apesar dos escândalos no Governo Bolsonaro crescerem em escala exponencial (denúncias de milhões de reais movimentados por laranjas do PSL, conexões dos filhos do presidente com milicianos suspeitos de matar Marielle Franco, nepotismo, enterro da Lei de Acesso da Informação, ataques a jornalistas, cala-boca no Coaf  etc.), parece que somente a questão da crise do meio ambiente (crise anunciada desde a campanha eleitoral e a nomeação do advogado Ricardo Salles para a pasta de Meio Ambiente) poderá ser capaz de se transformar em fator mobilizador de manifestações e protestos mais intensos.
E, somente, a partir do momento em que a grande mídia transforma a questão em uma agenda, a agenda ambiental.

A bomba semiótica do “Sim!”

E aí voltamos ao discurso da atriz Maitê Proença. Um discurso repleto de positividade com expressões como “solar” e “amorosa” oposta à “chatice binária” ou a questão ambiental que “não tem só dois lados”.


Estamos diante daquilo que em postagem anterior chamávamos de “bomba semiótica do Sim!” - estratégia linguística surge da tática da busca dos “temas globais de consenso”: temas de fácil adesão, porque ninguém pode dizer “não!”. Porém, são temas colocados de forma fragmentada, descontextualizada e, principalmente, despolitizada – clique aqui.
Falar sobre preservação do meio ambiente cria consenso instantaneamente na opinião pública. Quem pode ser contra a uma agenda tão “do bem”? Claro, Jair Bolsonaro!
E por que? O mandatário tem vários motivos, sejam ideológicos, midiáticos ou táticos dentro da sua estratégia de guerra criptografada.
Primeiro, porque arregimenta suas milícias físicas e digitais, sem falar nos 30% do eleitorado de extrema-direita que o apoiam incondicionalmente. Minoritários, mas capazes de fazerem muito barulho e atos violentos. 
Ser contra a agenda ambiental é lutar contra o politicamente correto e os globalistas, todos produtos conspiratórios da esquerda. Combater o “mi-mi-mi” ambiental é defender a pátria dos comunistas internacionais que pretendem colocar as mãos em nossas riquezas. Isso é o seu discurso para elevar o moral da sua tropa.
Segundo,  ocupar diariamente a pauta midiáticas com informações desconexas, contraditórias, com muitas idas e vindas: afirmar que as queimadas são naturais e que as fotos de satélites da NASA são manipuladas; depois admitir a catástrofe, mas que não aceita ajuda externa; depois admitir a ajuda financeira do G7, desde que Macron peça desculpas por ele ter supostamente ofendido sua esposa... depois, denunciar uma conspiração das ONGs  por deliberadamente tocarem fogo na floresta: “no dia em que eu demarcar as terras indígenas os incêndios acabam!”, acusa Bolsonaro.


A “vidraça quebrada”

Essas constantes mudanças têm um evidente tom criptografado que nos conduz ao terceiro motivo, tático: criar o efeito da “vidraça quebrada” – jogar a pedra na vidraça, sair correndo, bater na porta da casa atingida para vender um alarme anti-roubo. 
Em outras palavras: criar o fato consumado (a incapacidade de o País lidar com a questão amazônica) para, definitivamente, criar condições para a intervenção externa. Com o apoio da opinião pública, sob o efeito da explosão semiótica da bomba do “Sim!”.
Convém lembrar que há muito Bolsonaro vem defendendo a entrega da Amazônia para exploração a um país mais “competente”: os EUA – “hoje em dia a Amazônia não é mais nossa... pelas suas riquezas, biodiversidade... por isso devemos nos aproximar de países democráticos com poderio nuclear como os EUA... para explorar com parceria...”, afirmou em 2016 – clique aqui.
Também convém, mais uma vez, citar Paulo Nogueira Batista, economista ex vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS:
O de abrir o flanco, no médio prazo, para uma intervenção estrangeira no Brasil. Isso pode soar alarmista (...) não podemos, de forma alguma, perder de vista a importância que se atribui no exterior à questão ambiental e, em especial, à Amazônia. E nessa atenção que a Amazônia recebe há uma mistura perigosa de preocupações legítimas, relativas a repercussões climáticas globais, com a tradicional cobiça das grandes potências pela vasta reserva de recursos naturais valiosos e crescentemente escassos que temos na região Norte do País. (“Brasil em Perigo”, Jornal GGN, 12/08/2019 – clique aqui).
No redesenho da geopolítica atual pela questão do aquecimento global, desde a guerra híbrida que atingiu o Brasil para a derrubada dos governos trabalhistas, o País vem sendo alvo preferencial dos interesses dos países ricos.
Principalmente quando sabemos que uma das decisões da recente reunião do G7 foi preparar uma Conferência Internacional sobre a Amazônia, a se realizar no outono do Hemisfério Norte.
Sob o discurso da soberania e da Pátria acima de tudo, o governo Bolsonaro é essencialmente entreguista. Como um militar que vive danaguerra, ele só pode existir e respirar numa atmosfera de permanente beligerância e mobilização. Por isso, ele e a elite que o apoia pela agenda neoliberal, nutre um profundo ódio pelo País. Que considera cronicamente inviável por razões históricas, étnicas, raciais e genéticas.


Por isso Bolsonaro somente governa para sua própria família, milícias e incita a radicalização para ter apoio das hostes do extremismo de direita. Ele adota a estratégia sobrevivencialista de terra arrasada: somente quer saber dos seus, porque o resto já está perdido.
Essa guerra criptografada não é um know how bolsomínio. Seria exigir demais da mentalidade da caserna nacional. É o modus operandi alt-right, diretamente vindo dos EUA. 
Enquanto a esquerda namastê e aquela que se acha campeã moral não perceberem que estão dançando a música tocada pelo clã Bolsonaro (a bomba semiótica do “Sim!” e a tática da “vidraça quebrada”), mais uma vez o tic-tac do mecanismo posto em ação desde as “Jornadas de Junho” de 2013 continuará preciso, sem falhas.
A esquerda deve, isso sim, aproveitar a oportunidade de um tema tão consensual como o meio ambiente ter sido colocado na pauta da grande mídia e politizar os discursos das manifestações para serem menos “solares” e “amorosos”.
A esquerda campeã moral até vislumbra a possibilidade de um impeachment de Bolsonaro pela absoluta improbidade administrativa do Governo lidar com a questão amazônica. Esse é o permanente wishful thinking paralisante da esquerda.
Talvez deveria prestar mais atenção ao que tem a dizer o grupo anônimo de ativistas franceses, o chamado “Comitê Invisível”: “Não se trata de derrubar um governo, mas de tornar um país ingovernável” – leia Motim e Destituição Agora – Comitê Invisível, N1 Edições – clique aqui
E deixar de sempre apenas falhar melhor.

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