Numa ironia perversa, Bolsonaro pode ser considerado o presidente eleito mais sincero e honesto de todos: ele cumpre à risca tudo o que prometeu durante a campanha eleitoral. Ele é o que sempre foi. A tarde paulistana dessa segunda-feira que virou noite pela fumaça da devastação vinda da Amazônia ou a paralisia de programas federais e ministério pela falta de dinheiro são tragédias anunciadas, no mínimo, desde a campanha eleitoral. O que é assustador é o lento desaparecimento da oposição. Motivada pelo desespero “lacrador” nas redes sociais, blogs compartilham vídeos de supostos arrependimentos da grande mídia com o seu campeão. Sem entender nada sobre a tática conjunta mídia/clã Bolsonaro, a esquerda vive compartilhando vídeos do quadro do Fantástico “Isso a Globo Não Mostra”. Além de não entenderem a piada do título contra a própria esquerda, dá mais pilha à tática diversionista de repercutir tudo aquilo que é acessório e superficial na intencional estratégia de ocupar diariamente a mídia com tosquices e bravatas. Mas, ainda pior, não entendem o segundo objetivo (geopolítico) da guerra criptografada: alimentar a chantagem ambiental para criar o “incêndio do Reichstag” que entregará de vez o País à intervenção externa.
De maneira ironicamente perversa, podemos considerar Bolsonaro como o mais honesto e sincero candidato vencedor em uma eleição presidencial: jamais escondeu suas opiniões autoritárias, fez ameaças mortais contra “petralhas”, disparou contra globalistas, ditadura gay e ambientalistas prometendo uma messiânica guerra cultural.
Plano de governo? Simples: acabar, reduzir, fundir, desparelhar, cortar, destruir, enxugar. Vender e privatizar tudo o que poder, segundo o então “posto Ipiranga”, Paulo Guedes.
Podemos critica-lo de qualquer coisa, menos de “estelionato eleitoral”, como aconteceu na reeleição de FHC em 1998. Oito meses depois, o capitão da reserva sistematicamente cumpre tudo o que prometeu – o resultado: risco de paralisia em programas federais, ministérios, universidades e escolas federais por falta de dinheiro. E uma densa nuvem escura apocalíptica, formada pela fumaça do aumento de 70% de queimadas no Norte do País, que se misturou com a chegada de uma frente fria no Estado de São Paulo, tornando a tarde em noite, com um céu entre amarelado e cinza.
Para este humilde blogueiro nada é assustador porque confirma-se uma tragédia prá lá de anunciada. Nada surpreende em Bolsonaro: sempre foi perversamente transparente e está cumprindo o que prometeu.
Mas o que assusta mesmo é a estratégia supostamente de oposição da esquerda. Principalmente o comportamento dos chamados “blogs sujos” – termo atribuído pela grande mídia aos blogs progressistas no período de polarização da guerra híbrida (2013-18).
Desespero lacrador
Aparentemente motivados pelo desespero lacrador das redes sociais, muitos blogs progressistas começam a compartilhar críticas de uma grande mídia que, aparentemente arrependida, tenta se descolar da figura tóxica de Bolsonaro.
Ok! Se o conceito de guerra híbrida nunca foi muito aceito pela esquerda (era muito “teoria da conspiração” para aqueles que queriam ser aceitos pela elite bem pensante da Casa Grande), por outro lado a tática de guerra semiótica criptografada é ainda mais difícil para ser entendida – afinal, apresenta um cenário político com discursos contraditórios, dissonantes, muitas vezes com papéis trocados, invertidos. Criações permanentes de álibis, pretextos etc.
Um constante estado de urgência contra inimigos imaginários, desavenças do clã Bolsonaro com generais através das redes sociais, o presidente da câmara ataca o presidente por não estar “governando”, enquanto colunistas da Globo atacam a incontinência desbocada do presidente e criticam o vexame ambiental do Brasil diante do planeta. Por sua vez, Bolsonaro rechaça repórteres principalmente da Globo e da Folha, criando um estado de guerra contra uma mídia supostamente “de esquerda”.
Enquanto isso, o noticiário econômico da mesma grande mídia (supostamente crítica a Bolsonaro, torce pela Reforma da Previdência e faz silêncio aos bilhões de reais de emendas parlamentares, explicitamente para compra de votos no Congresso a favor das reformas) enaltece a fúria privatizante de Paulo Guedes e descreve como as medidas neoliberais do Governo trazem de volta a “confiança” e a “segurança jurídica” ao mercado. A economia nunca está em recessão, mas sempre em “lenta recuperação”. Logicamente à espera das reformas para decolar...
Prisioneira de uma mentalidade maniqueísta (a política em preto e branco), e carente por atenção em sua “Síndrome de Vida de Inseto” (sobre essa patologia política, clique aqui), o vislumbre de qualquer crítica vinda da grande mídia faz a esquerda exultar: Olhe a “Vila Militar do Chaves” do Adnet! Leia o texto da Miriam Leitão falando que Bolsonaro é um risco para o País! Veja a edição do Jornal Nacional que deu destaque à Vaza Jato do Glen Greenwald!... e assim por diante.
Surge o indefectível wishiful thinking da esquerda de que a Globo perdeu a paciência e quer jogar o seu campeão ao mar...
“Vídeo Show” e “Isso a Globo Não Mostra”
Mas o pior é constantemente compartilhar vídeos do quadro “Isso a Globo Não Mostra”, quadro semanal do Fantástico. O quadro estreou em janeiro desse ano, uma semana depois da extinção do Vídeo Show, depois de 36 anos no ar.
O que não é por acaso. “Isso A Globo Não Mostra” é a versão 2.0 do quadro “Falha Nossa” do extinto programa. Com vinhetas em estética meio cyberpunk, é como se a própria Globo tivesse hackeado a si mesma e mostrasse aquilo que é “proibido” nos bastidores das gravações de novelas, telejornais e reportagens – Opa! Eu digitei “hackeou”??? Será que a Globo já “previa” a onda dos hackers da Vaza Jato assombrando o presidente, ministros, juízes e procuradores?...
De cara, o título do quadro é uma ironia contra os críticos da Globo – o também extinto “Tá No Ar: a TV da TV” já ironizava os conspiratórios da esquerda inimigos da Globo com o personagem chamado “Militante” – um histérico que berrava denúncias de manipulações e jogadas subliminares da vênus platinada.
O título do quadro do Fantástico é um estereótipo provocativo (assim como o “Militante”) dos críticos da Globo que sempre acusam a emissora de manipular e ocultar os fatos. É uma tiração de sarro contra a própria esquerda, apenas para taxa-la como “conspiratória” e fora da realidade. E numa espécie de Síndrome de Estocolmo, a própria vítima compartilha as ofensas do seu algoz.
O quadro do Fantástico é tautista (tautologia + autismo midiático): além de ser um making of turbinado da própria programação da emissora, ele se encaixa perfeitamente na guerra criptografada como uma caixa de ressonância no programa de maior audiência da emissora.
Ressoa as “caneladas”, dissonâncias e bravatas do clã Bolsonaro e seus improváveis ministros – desvia atenção dos telespectadores daquilo que é essencial e que, isso sim, deveria ser objeto da suposta desconstrução cômica (liquidação da soberania, do patrimônio público, dos direitos e das garantias sociais), além de criar o simulacro da crítica e independência.
Carente, derrotada e ressentida, a cada crítica “lacradora” do “Isso a Globo Não Mostra” (como, por exemplo, a paródia da música “Cálice” de Milton Nascimento à cada nepotismo do presidente, turismo sexual, desmatamento, trabalho infantil, entre outros), blogs progressistas compartilham o vídeo como uma catarse crítica com sabor de vitória moral: “Tá vendo, eu bem que avisei!”.
“Isso a Globo Não Mostra” blinda o núcleo duro do Governo (as medidas neoliberais) para criar uma simulação de supostos “vazamentos”, imagens “proibidas” dos bastidores das diárias imposturas culturais e de costumes de Bolsonaro.
ANJ: os meios de comunicação são o verdadeiro partido de oposição... |
Oposição politicamente fragilizada
Mais assustador do que esse Governo (como dissemos, uma tragédia anunciada desde o ano passado), é a participação inconsciente (?) da própria oposição na guerra criptografada. Bolsonaro toca a música para todos dançarem... enquanto a missão hardcore do Governo vai sendo cumprida com a precisão de um relógio suíço... desde o impeachment de 2016.
Em 2010, Maria Judith Brito, na época presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), disse que, diante de uma oposição politicamente fragilizada, restava aos meios de comunicação ser o verdadeiro partido de oposição. Por isso, até 2016 a oposição viveu a reboque da grande mídia na guerra híbrida. Até conseguir o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Novamente temos uma oposição fragilizada, porém, com sinais trocados: a esquerda. Mas para seu azar, não tem a grande mídia para leva-la a reboque, como tiveram PSDB e MDB. A esquerda parece ainda sonhar com uma grande mídia (e até Forças Armadas) arrependida, para fazer o trabalho por ela.
A esquerda sumiu! Ela sonha que ONU, OEA, ou a pressão da política ambiental da Alemanha e Noruega também façam o serviço por ela.
Da chantagem ao álibi ambiental
O que fizeram esses países como pressão política contra um governo de ocupação cuja destruição do meio ambiente faz parte do desmonte do Estado brasileiro? Tiraram o dinheiro de Fundo Amazônia. Tudo o que Bolsonaro queria para acelerar ainda mais o desmatamento e favorecer madeireiras e mineradoras.
Isso dá no quê pensar... será que essa guerra criptografada também se estende à questão ambiental transformada em chantagem ou álibi para mais um passo no desmonte da própria soberania nacional?
O sinal amarelo foi aceso com a comparação feita por William Bonner no Jornal Nacional (19/08) entre a fala de Bolsonaro em resposta à decisão do governo alemão de suspender recursos para proteção ambiental da Amazônia, e a postura que Lula adotava quando estrangeiros criticavam a política ambiental do seu Governo. “Os dois presidentes afirmaram que a Europa destruiu todas as suas florestas e que, por isso, não tem moral para dar conselhos sobre a Amazônia”, disse Bonner.
Uma comparação intencionalmente descontextualizada: no passado, obras infraestruturais como a Usina de Belo Monte (necessária para geração de energia para o crescimento sustentável para o boom econômico que o País vivia) eram alvos de ambientalistas. Lula reivindicava a soberania das decisões ambientais em uma política de crescimento econômico sustentável.
Hoje, queimadas e desmatamento fazem parte de uma política meramente extrativista – extrair riquezas até quando puder. Mas, até quando?
Uma pista desse novo objetivo da guerra criptografada (o primeiro é desviar a atenção das políticas econômicas de terra-arrasada) é dada por Paulo Nogueira Batista Jr, economista ex vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS. Para ele, não se trata de um problema de imagem no exterior, ou o problema de perda de acesso a financiamentos externos dedicados à questão ambiental.
O risco é outro:
“O de abrir o flanco, no médio prazo, para uma intervenção estrangeira no Brasil. Isso pode soar alarmista (...) não podemos, de forma alguma, perder de vista a importância que se atribui no exterior à questão ambiental e, em especial, à Amazônia. E nessa atenção que a Amazônia recebe há uma mistura perigosa de preocupações legítimas, relativas a repercussões climáticas globais, com a tradicional cobiça das grandes potências pela vasta reserva de recursos naturais valiosos e crescentemente escassos que temos na região Norte do País. (“Brasil em Perigo”, Jornal GGN, 12/08/2019 – clique aqui).
Sabemos que tanto Bolsonaro como os militares nutrem um profundo ódio e ressentimento contra o próprio País em que vivem: para eles, o Brasil é uma nação que precisa ser salva dela mesma. Cronicamente inviável, precisa ser tutelada por força poderosa como EUA. Para nos proteger de ameaças exóticas, como comunistas, globalistas, ditadura gay, Foro de São Paulo, Venezuela, seja o que for.
Um país que precisa ser salvo da sua própria História: nasceu corrupto e com uma miscigenação de raças que só prejudica a índole e temperança brasileira. Por isso, formou um povo pouco afeito ao trabalho e a seriedade.
Esse sempre foi o pressuposto ideológico da Escola Superior de Guerra que legitimou o golpe militar de 1964 e a submissão militar-estratégica e econômica à geopolítica norte-americana durante o período da Guerra Fria.
O discurso ambientalista sempre foi um álibi para a cobiça mundial dos recursos naturais da Amazônia. Pelo menos até aqui, as reações da Alemanha e Noruega apenas convergiram aos propósitos de Bolsonaro. Nessa guerra criptografada de criação de álibis, cortinas de fumaça e diversionismo, o Governo estaria criando intencionalmente a justificativa para uma intervenção externa na Amazônia. Afinal, esse sempre foi o propósito do capitão da reserva: bater continência ao país mais poderoso.
Com uma estratégia destrutiva às claras, sem disfarces, com ofensas toscas à comunidade internacional, Bolsonaro explicitamente cria o (desculpe o trocadilho!) perfeito “incêndio do Reichstag” para legitimar uma intervenção externa, bem ao gosto da geopolítica norte-americana – e afastar do Brasil definitivamente a ameaça da influência econômica do softpower da China.
Por isso, é melhor apertar os cintos! Nessa complexa trama nacional e geopolítica da guerra criptografada a esquerda sumiu. Para ela, tudo é esotérico e conspiratório demais. Muito, mas muito além do seu confortável discurso da esperança e resistência.
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