A hipótese do “multiverso” (a ideia de que nosso Universo seria apenas
um em um número infinito) não é uma novidade na Física e na Filosofia.
Recentemente essa hipótese se associou à busca por físicos de uma “assinatura
cósmica” que comprovasse que o Universo seria uma simulação computacional
finita, aproximando ainda mais à Física da antiga mitologia gnóstica. Agora, um
trio de físicos da Austrália e EUA publicou um artigo científico onde explora a
possibilidade de universos paralelos estarem
colidindo entre si. E os estranhos comportamentos das partículas
subatômicas revelado pela mecânica quântica nada mais seriam do que os
interstícios desses mundos se encontrando. As implicação filosófica da
pluralidade de mundos é evidentemente gnóstica. Mas, os físicos apontam para
uma surpreendente aplicação dessa hipótese: o estudo da dinâmica molecular das
reações químicas de drogas.
Existem universos
alternativos? – mundos onde jamais os dinossauros foram extintos por algum
asteroide que caiu na Terra ou onde a Austrália foi colonizada pelos
portugueses ao invés dos ingleses.
Desde a descoberta
dos assombrosos comportamentos das partículas subatômicas na mecânica quântica,
a Física vem estabelecendo um diálogo com a mitologia gnóstica. Enquanto
pesquisadores gnósticos como Stephan A. Holler veem no princípio da Incerteza
de Heinsenberg a confirmação da secreta suspeita de que o Universo é uma obra
imperfeita criada por um Demiurgo, físicos e matemáticos como Nick Bostrom
(Oxford University) e Silas Beane (Universidade de Bonn) procuram uma “assinatura cósmica” de que o Universo é uma
simulação como um gigantesco game de computador cósmico - sobre esse tema já discutido pelo Cinegnose veja links no final dessa postagem.
Dessa vez a
aproximação entre Física e Gnosticismo surge em um artigo radical publicado na Physical Review dos físicos Howard Wiseman,
Michael Hall da Griffith University da Austrália e Dirk-André Deckert da
Universidade da Califórnia: “Quantum Phenomena Modeled by Interactions Between Many
Classical Worlds” de outubro de 2014 – clique aqui.
Howard Wiseman e a hipótese dos Mundos em Colisão |
Enquanto Bostron e
Beane aproximam-se do Gnosticismo pelo argumento da simulação, Wiseman, Hall e
Deckert exploram a possibilidade desses universos paralelos estarem
continuamente interagindo entre si. Mas vão além: todas as características
fantasmagóricas do mundo das partículas subatômicas descritos pela mecânica
quântica (teletransporte, bilocações, sobreposição, entrelaçamento etc.) nada
mais seriam do que manifestações das interações e repulsões desses mundos
paralelos.
A hipótese dos Mundos Paralelos - MWI
A possibilidade da
existência de universos paralelos a partir da mecânica quântica não é uma ideia
nova – foi o resultado de uma das principais interpretações da mecânica
quântica feita em 1957 por Hugh Everett na Universidade de Princeton – a
chamada “Interpretação de Muitos Mundos” (em inglês Many Worlds Interpretation
– MWI).
A chamada
“Interpretação de Copenhagen” anterior a de Everett considerava a mecânica
quântica a partir do “colapso da função de onda”. O melhor exemplo para
explicar isso é a paradoxal experiência proposta pelo austríaco Schrödinger: um gato está preso numa caixa
que contém um recipiente com material radioativo e um contador Geiger. Se o
material soltar partículas radioativas e o contador detectar, acionará um
martelo que, por sua vez, quebrará um frasco com veneno, matando o bichano.
De acordo com as leis da física quântica, a
radioatividade pode se manifestar tanto como onda quanto partícula. Ou
seja, na mesma fração de segundo, o frasco de veneno quebra e não quebra,
produzindo duas realidades probabilísticas simultâneas. Segundo o raciocínio,
as duas realidades aconteceriam simultaneamente dentro da caixa, até que fosse
aberta – a presença de um observador e a entrada da luz intervindo nas
partículas acabariam com a dualidade.
Ambas realidades existem simultaneamente dentro da
caixa. Mas existe a chamada “decoerência quântica” que garante que essa
situação “decaia” para um dos resultados: vivo ou morto. Isso impede que os
“dois gatos” das situações diferentes interajam entre si.
Na interpretação de Everett, esses dois gatos
(morto e vivo) passam a ser considerados dois mundos independentes e
sobrepostos sobre o mesmo tempo/espaço. Não são mais considerados uma
“decoerência quântica” fruto da intervenção do observador que romperia com a
função de onda. Everett considerava uma existência ontológica para cada um
desses mundos, ou “subsistemas”, como afirmava.
Haveria uma sobreposição quântica de vários,
possivelmente infinitos, estados de universos paralelos não comunicantes. Dessa
maneira a MWI dá início às várias hipóteses de multiversos existentes na Física
e na Filosofia.
Mundos em choque - MC
As semelhanças
entre a MWI e a proposta de Wiseman, Hall e Deckert termina na ideia de múltiplos
mundos. Nessa hipótese dos Mundos em Choque (MC) simplesmente ignora os
conceitos consagrados da física quântica como “função de onda”, “influência do
observador” ou distinção entre mundos subatômico ou macrofísico – distinção que sempre preocupou os físicos na busca de uma “Teoria Unificada” que finalmente
conseguisse juntar a mecânica quântica e a relatividade de Einstein dentro de
um mesmo modelo.
Wiseman em seu
artigo “When Parallel Worlds Colide... Quantum Mechanics is Born” (The Conversation, 2014) sintetiza as diferenças entre a MC e a MWI: Primeiro, não
existem diversos mundos que se ramificariam a cada resultado possível da observação.
Isto é não existe uma decoerência
quântica a cada observação que resultaria em diferente ramificações,
transformando a realidade em um
gigantesco hipertexto. Os diversos mundos existem continuamente ao longo do
tempo.
Portanto, o número
de mundos paralelos é finito.
Segundo, cada
mundo é regido pelas estritas leis newtonianas clássicas – suas propriedades
são definidas com precisão. Não há um princípio da incerteza de Heisenberg em
cada um desses mundos. “Na verdade, se houvesse apenas um mundo em nossa
teoria, evoluiria exatamente de acordo com a mecânica newtoniana”, afirma
Wiseman.
Terceiro, e mais
importante: portanto, não existiria mais a mecânica quântica? Ela continuaria a existir apenas nos interstícios desses mundos –
o choque ou interação entre os mundos cria os efeitos quânticos.
E, finalmente, quarto:
cada um dos mundos é igualmente real, com leis e causalidades newtonianas bem definidas.
A probabilidade só surge quando o observador não consegue determinar a qual
mundo pertence as partículas observadas em fenômenos quânticos como a função de
onda. Todos os estranhos comportamentos das partículas no mundo subatômico
decorre dessa colisão entre mundos. Na verdade, os fenômenos quânticos
representam tanto colisão como forças de repulsão, impedindo que dois mundos
tenham uma mesma configuração.
Por isso, ao se
realizar um experimento de observação de partículas podemos aprender mais sobre
o mundo em que vivemos, excluindo toda uma série de mundos onde poderíamos
pensar que estávamos.
Implicação e Aplicação da MC
A teoria de
Wieseman, Hall e Deckart é importante por romper com a tentação de vermos na
experiência do Gato de Schrödinger a possibilidade de novos mundos alternativos
nascerem a cada resultado diferente do observador – “decoerência quântica”.
Hugh Everett e a "Interpretação dos Muitos Mundos" |
Por isso a MC
aproxima-se da cosmologia gnóstica de filósofos como Basilides de Alexandria
(entre 117 e 138 DC) que descrevia um universo estruturado em 365 “céus”. Cada
céu gerou o próximo. Os anjos do último céu criaram o mundo no qual vivemos. Um
deles tornou-se o Demiurgo (o “Deus” ou “Jeová” dos hebreus), totalmente
ignorante da existência dos outros mundos, passado a considerar-se o criador
único de todo o Universo. O que apenas produziu caos, o que obrigou o Divino
Pai a enviar seu “filho”, Jesus, para nos alertar sobre a pluralidade de mundos
(“Na casa do meu Pai há muitas moradas”, João 14:2) e o resto da história todos
conhecemos...
A hipótese da MC
parece nos tirar do resultado fantasmagórico da experiência do Gato de
Schrödinger (um mundo diferente criado como resultante de cada observação) para nos levar a um Universo estruturado em um número finito de mundos independentes e com leis
e causalidades próprias – o que aproxima-se da cosmologia gnóstica.
Os fenômenos
quânticos seriam as fronteiras das colisões entre esses mundos.
Howard Wiseman
ainda revela em seu artigo na The
Conversation uma surpreendente aplicação dessa teoria: a aproximação da
mecânica quântica usando um modelo de um número finito de mundos pode ter uma
importante ramificação nas pesquisas sobre dinâmica molecular, fundamental para
o entendimento das reações químicas e a ação das drogas.
Será que essa
abordagem poderia revelar o porquê de muitas pessoas que experimentam LSD ou
drogas psicodélicas descreverem experiências similares aos da física quântica?
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