O que você faria se encontrasse no seu local de trabalho uma folha com
um círculo preto que revela ser um buraco tridimensional? Você seria dominado
pela curiosidade metafísica ou pela possibilidade de ganhos pessoais? Essa é
uma das leituras possíveis do curta inglês “The Black Hole” (2008). Com um afiado
humor negro, o curta mostra o quanto opressivo pode ser a atmosfera da
verdadeiras Matrix corporativas que são os escritórios atuais. Tão opressivas e
amorais que são capazes de nos fazer passar batidos diante de um evento
potencialmente além da imaginação.
Estranho e
peculiar. Você não estará errado se descrever dessa forma o curta inglês The Black Hole. Em um escritório um
funcionário sonolento trabalha tarde da noite em uma fotocopiadora. Ele está
sozinho numa monótona rotina de mais uma jornada de trabalho. Enquanto faz
cópias de documentos, estranhamente a máquina libera uma folha com um grande
círculo negro no centro. Ignora e deixa a folha ao lado, até perceber que o
círculo é tridimensional: descarta um copo que cai através do buraco no centro
do papel.
Qualquer pessoa
ficaria surpresa ou com medo de um objeto que desafia as leis da física e da
lógica – o braço é capaz de atravessar os objetos como, também, atravessar um
buraco no ar levando a mão para algum tipo de mundo paralelo.
Ao descobrir as
propriedades tridimensionais daquele círculo negro, o protagonista começa a
pensar nas possibilidades infinitas de ganhos pessoais. A ganância começa a
crescer. Para começar, roubar uma barra de chocolate de uma dessas máquinas de snack food. Fixa o papel no vidro da
máquina e enfia a mão para retirar o doce. Até olhar para a porta da sala do
seu chefe e dar uma mordida agressiva no chocolate – lá está um cofre e a
cobiça... e um final ironicamente surreal.
Uma primeira leitura
do curta que podemos fazer do curta é moralista: Deus provê o suficiente para
satisfazer nossas necessidades, mas não nossa ganância.
Mas o tom surreal
do curta (com uma estranha paleta de cores com matiz esverdeada que cria uma
atmosfera opressiva ao estilo Matrix) possibilita uma leitura mais instigante:
a amoralidade pós-moderna que aniquila qualquer horror metafísico. O medo,
curiosidade ou qualquer tipo de questionamento metafísico (afinal, não é todo
dia que se encontra um buraco que abre uma passagem para outra dimensão) é
substituído por um mesquinho interesse instrumental: roubar coisas, do
chocolate ao dinheiro da empresa.
Escritórios corporativos
são as Matrix modernas: ambientes opressivos de vigilância, hermeticamente
fechados com sistemas de ventilação central, iluminação artificial,
climatizados e isolados da realidade urbana de fora com seus vidros espelhados
ou fumê. Um evento de impactante significado metafísico como aquele que envolve
o protagonista seria a possibilidade de fuga ou, no mínimo, de início de
questionamentos.
Comerciais de TV
como o do chocolate Bis (o tédio, a rotina e a paranoia dos escritórios
quebrada pelo chocolate – clique
aqui para a análise do comercial feita pelo Cinegnose) ou séries
como a inglesa The Office ou a
brasileira Odeio Segundas do canal
GNT exploram o imaginário opressivo dessas verdadeiras Matrix corporativas.
Mas assim como o
traidor Cypher no filme dos Wachowski que preferiu os prazeres da ilusão da
Matrix a ter que lutar ao lado da resistência à opressão, também no curta The Black Hole o protagonista escolhe a
amoralidade instrumental da ideologia dos ambientes corporativos à
possibilidade de fugir da vida cinzenta... ou esverdeada.
A amoralidade
pós-moderna vai muito além da simples ganância. A ganância implica em
julgamento moral e culpa. Na amoralidade (que é a quintessência da ideologia
que permeia os ambientes corporativos), o ganho pessoal é liberado que qualquer
culpabilização: é o resultado natural de um jogo, seja dos funcionários ou da
própria empresa – promoção, demissão, puxadas de tapetes, traição etc. são
encobertos pelo eufemismo do trabalho em equipe.
Cresce a razão
instrumental, leve, ágil, amoral e sem culpa. Qualquer evento além da
imaginação não é páreo para essa razão tão sedutora.
Ficha Técnica |
Título: The Black
Hole
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Diretor: Philip Sansom, Olly Williams
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Roteiro: Philip Sansom, Olly Williams
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Elenco: Napoleon Ryan
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Produção: HSI Films
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Distribuição: Future Shorts
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Ano: 2008
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País: Reino Unido
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