Não veem mais TV, buscam informações na Internet através de dispositivos
móveis, ignoram a grande mídia. Suas diferenças em relação ao tripé grande
mídia, política e partidos não são ideológicas, mas simplesmente geracionais:
já estão imersos em outras formas de organização e de tomadas de decisões.
Essas foram algumas das conclusões finais da Oficina “Táticas de Guerrilha
Antimídia” realizada por esse humilde blogueiro em escola estadual ocupada em
Taboão da Serra/SP nessa semana. Os filmes "Muito Além do Cidadão Kane" e "Obrigado Por Fumar" foram o ponto de partida das discussões. O "Cinegnose" viu o futuro, e lá não mais estão as mídias, políticas e ideologias de massas que fizeram as cabeças do século
passado.
O "Cinegnose" viu o
futuro. E ele estava representado de forma fractal no grupo de alunos que
ocupam a Escola Estadual Antônio Inácio Maciel em Taboão da Serra. Assim como o
fractal na geometria (fragmento que reproduz dentro de si infinitamente o
todo), o grupo que ocupava naquela tarde a escola estadual pode até ser
considerado pequeno mas certamente é uma amostra de uma nova geração. Uma
geração que projeta uma relação com a política e as mídias totalmente distinta
da geração dos seus pais e que certamente colocará em xeque as atuais formas de
como a mídia e a política se organizam.
Este humilde
blogueiro ministrou uma oficina na tarde desta terça-feira para esse grupo de
ocupantes. Seguido da aula do professor Luiz Dias (PUC/SP) sobre a importância
das lutas sociais, debatemos o tema “Mídia e Política: Táticas de Guerrilha
Antimídia”.
Logo de imediato
ao entrar na escola chamou a atenção a impressionante capacidade de
organização, divisão das tarefas e a descentralização das decisões – bem
diferente da imagem de baderneiros irresponsáveis que a grande mídia pretende
colar na opinião pública. Pode ser uma impressão apenas empírica, mas na tarde
inteira que passei com o grupo foi impossível determinar lideranças ou
hierarquias. A organização é totalmente horizontalizada.
Sem TVs e jornais impressos
Mas as surpresas
maiores estavam por vir. Este blogueiro havia pensado a trajetória da oficina
em torno do que esse blog chama de “bombas semióticas” - as técnicas de
manipulação, edição e montagem das notícias na grande mídia. O que pareceu
supérfluo para os alunos: eles não veem TV ou leem jornais impressos. As
informações são buscadas por eles diretamente na Internet, redes sociais e
blogs.
Os debates então
se concentraram na história da formação da grande mídia, leis de regulamentação
dos meios de comunicação e o desenvolvimento das tecnologias de comunicação no
Brasil. Para eles, essas informações são insuficiente ou inexistentes na escola
em disciplinas como, por exemplo, História.
Mostraram-se
vivamente interessados na questão dos monopólios de comunicação mundiais e, em
particular, o brasileiro com a Rede Globo. E principalmente no marco
regulatório da Internet e lei dos meios e como essas decisões podem prejudicar
o monopólio global. E mais: como por trás do atual atrito político das
Organizações Globo com o Governo Federal esconde-se a própria sobrevivência da
emissora com a entrada de gigantes como Google e Netflix no País.
Diferenças geracionais
Durante vários
momentos do debate, expressaram suas diferenças com seus próprios pais: segundo
eles, muitos pais até reconhecem os problemas das escolas estaduais, mas apoiam
Alckmin e consideram as ocupações uma “baderna”. “Mas eles veem apenas TV Globo
e suas novelas, e nós não participamos mais disso”, comentou uma estudante,
tentando compreender a opinião conservadora do pai.
Pareceu
representar mais do que diferenças ideológicas. São diferenças geracionais.
Por isso, o grupo
demonstrou uma grande necessidade em conhecer história brasileira recente:
queriam saber como um projeto de organização do sistema de comunicação
brasileiro (concentrado unicamente na televisão) pensado pela ditadura militar
continua até hoje, apesar da democratização do sistema político.
Para tanto, foi
discutido a produção Muito Além do
Cidadão Kane, documentário inglês banido do País sobre a história da Rede
Globo. Quiseram mais informações sobre o documentário, circunstâncias da
produção e da sua censura no País.
O debate
permaneceu por um bom tempo na contradição entre a democracia formal na política
e o monopólio dos meios de comunicação – principalmente, a concentração do
mercado publicitário na TV.
O que impressionou
esse blogueiro foi a visão pragmática do grupo de estudantes, para além de
qualquer discussão político-ideológica-partidária. Suas preocupações giravam em
torno de como o monopólio do poder das comunicações no Brasil retarda o
desenvolvimento tecnológico das novas mídias. Mostraram-se sedentos por
informação e sabem muito bem que não podem mais buscá-las nas grande mídias,
para eles velhas e carcomidas.
Dessa forma ficou
marcante no grupo de alunos o descolamento em relação ao atual debate
político-partidário brasileiro – possuem uma grande preocupação com a
preservação do espaço público de opiniões e serviços do Estado ao cidadão. Mas
sem enxergarem nos partidos ou na política formal um instrumento eficiente.
Engenharia de Opinião pública
E na segunda metade da Oficina mostraram-se
interessados em compreender os mecanismos de engenharia de opinião pública,
porque envolvem não só as mídias clássicas mas também as novas mídias – aquilo
que os pesquisadores chamam de Agenda Setting. O filme Obrigado Por Fumar (2006 - sobre o filme clique aqui) foi o norteador das discussões.
Esse humilde
blogueiro mostrou como os três maiores investimentos mundiais (indústrias do
tabaco, armas e farmacêutica) contam com sofisticadas estratégias de criação de
pautas para direcionar as opiniões – e promover a necessidade pelos seus produtos
quando torna verossímil certos problemas.
Como no caso das
criações midiáticas das pandemias para favorecer determinados laboratórios
transnacionais – e o documentário Operação Pandemia da TV espanhola (clique aqui) foi discutido como
um bom exemplo.
A partir disso, a
Oficina mostrou a criação de pautas e matérias pela imprensa através da
influência das engenharia de opinião corporativas sobre os chamados “paid
experts” (especialistas de um setor “pagos” para darem credibilidade científica
a uma pauta), “front groups” (ONGs e Associações) e como plantam-se notícias
nas grandes mídias e portais de notícias.
A Oficina encerrou
lá pelo final da tarde mostrando como essa engenharia de opinião pública cria
uma narrativa ou roteiro para os repórteres que vão para as ruas em busca de
fragmentos de declarações que apenas preencham as lacunas dos scripts.
E quão perigosos
isso pode ser para eles no movimento de Ocupação. Alguns dos estudantes do
grupo relataram experiências com repórteres e sentiram neles a presença dessa
roteirização (ou “agenda invisível”) e a ansiedade de muitos deles em “pescar”
imagens e falas pontuais dos entrevistados.
O grupo finalizou
discutindo dois casos sobre “acidentes” de repórteres na tentativa de confirmar
de forma atabalhoada a agenda invisível: o caso do “tem alemão no campus” (clique aqui) e o caso do estudante atrasado para a prova do Enem – clique aqui.
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