quinta-feira, dezembro 10, 2015

"Cinegnose" vê o futuro em escola ocupada


Não veem mais TV, buscam informações na Internet através de dispositivos móveis, ignoram a grande mídia. Suas diferenças em relação ao tripé grande mídia, política e partidos não são ideológicas, mas simplesmente geracionais: já estão imersos em outras formas de organização e de tomadas de decisões. Essas foram algumas das conclusões finais da Oficina “Táticas de Guerrilha Antimídia” realizada por esse humilde blogueiro em escola estadual ocupada em Taboão da Serra/SP nessa semana. Os filmes "Muito Além do Cidadão Kane" e "Obrigado Por Fumar" foram o ponto de partida das discussões.  O "Cinegnose" viu o futuro, e lá não mais estão as mídias, políticas e ideologias de massas que fizeram as cabeças do século passado.

O "Cinegnose" viu o futuro. E ele estava representado de forma fractal no grupo de alunos que ocupam a Escola Estadual Antônio Inácio Maciel em Taboão da Serra. Assim como o fractal na geometria (fragmento que reproduz dentro de si infinitamente o todo), o grupo que ocupava naquela tarde a escola estadual pode até ser considerado pequeno mas certamente é uma amostra de uma nova geração. Uma geração que projeta uma relação com a política e as mídias totalmente distinta da geração dos seus pais e que certamente colocará em xeque as atuais formas de como a mídia e a política se organizam.


Este humilde blogueiro ministrou uma oficina na tarde desta terça-feira para esse grupo de ocupantes. Seguido da aula do professor Luiz Dias (PUC/SP) sobre a importância das lutas sociais, debatemos o tema “Mídia e Política: Táticas de Guerrilha Antimídia”.

Logo de imediato ao entrar na escola chamou a atenção a impressionante capacidade de organização, divisão das tarefas e a descentralização das decisões – bem diferente da imagem de baderneiros irresponsáveis que a grande mídia pretende colar na opinião pública. Pode ser uma impressão apenas empírica, mas na tarde inteira que passei com o grupo foi impossível determinar lideranças ou hierarquias. A organização é totalmente horizontalizada.

Sem TVs e jornais impressos


Mas as surpresas maiores estavam por vir. Este blogueiro havia pensado a trajetória da oficina em torno do que esse blog chama de “bombas semióticas” - as técnicas de manipulação, edição e montagem das notícias na grande mídia. O que pareceu supérfluo para os alunos: eles não veem TV ou leem jornais impressos. As informações são buscadas por eles diretamente na Internet, redes sociais e blogs.

Os debates então se concentraram na história da formação da grande mídia, leis de regulamentação dos meios de comunicação e o desenvolvimento das tecnologias de comunicação no Brasil. Para eles, essas informações são insuficiente ou inexistentes na escola em disciplinas como, por exemplo, História.

Mostraram-se vivamente interessados na questão dos monopólios de comunicação mundiais e, em particular, o brasileiro com a Rede Globo. E principalmente no marco regulatório da Internet e lei dos meios e como essas decisões podem prejudicar o monopólio global. E mais: como por trás do atual atrito político das Organizações Globo com o Governo Federal esconde-se a própria sobrevivência da emissora com a entrada de gigantes como Google e Netflix no País.

Diferenças geracionais


Durante vários momentos do debate, expressaram suas diferenças com seus próprios pais: segundo eles, muitos pais até reconhecem os problemas das escolas estaduais, mas apoiam Alckmin e consideram as ocupações uma “baderna”. “Mas eles veem apenas TV Globo e suas novelas, e nós não participamos mais disso”, comentou uma estudante, tentando compreender a opinião conservadora do pai.

Pareceu representar mais do que diferenças ideológicas. São diferenças geracionais.

Por isso, o grupo demonstrou uma grande necessidade em conhecer história brasileira recente: queriam saber como um projeto de organização do sistema de comunicação brasileiro (concentrado unicamente na televisão) pensado pela ditadura militar continua até hoje, apesar da democratização do sistema político.


Para tanto, foi discutido a produção Muito Além do Cidadão Kane, documentário inglês banido do País sobre a história da Rede Globo. Quiseram mais informações sobre o documentário, circunstâncias da produção e da sua censura no País.

O debate permaneceu por um bom tempo na contradição entre a democracia formal na política e o monopólio dos meios de comunicação – principalmente, a concentração do mercado publicitário na TV.

O que impressionou esse blogueiro foi a visão pragmática do grupo de estudantes, para além de qualquer discussão político-ideológica-partidária. Suas preocupações giravam em torno de como o monopólio do poder das comunicações no Brasil retarda o desenvolvimento tecnológico das novas mídias. Mostraram-se sedentos por informação e sabem muito bem que não podem mais buscá-las nas grande mídias, para eles velhas e carcomidas.

Dessa forma ficou marcante no grupo de alunos o descolamento em relação ao atual debate político-partidário brasileiro – possuem uma grande preocupação com a preservação do espaço público de opiniões e serviços do Estado ao cidadão. Mas sem enxergarem nos partidos ou na política formal um instrumento eficiente.

Este blogueiro com alguns dos participantes da Oficina

Engenharia de Opinião pública


 E na segunda metade da Oficina mostraram-se interessados em compreender os mecanismos de engenharia de opinião pública, porque envolvem não só as mídias clássicas mas também as novas mídias – aquilo que os pesquisadores chamam de Agenda Setting. O filme Obrigado Por Fumar (2006 - sobre o filme clique aqui) foi o norteador das discussões.

Esse humilde blogueiro mostrou como os três maiores investimentos mundiais (indústrias do tabaco, armas e farmacêutica) contam com sofisticadas estratégias de criação de pautas para direcionar as opiniões – e promover a necessidade pelos seus produtos quando torna verossímil certos problemas.

Como no caso das criações midiáticas das pandemias para favorecer determinados laboratórios transnacionais – e o documentário Operação Pandemia da TV espanhola (clique aqui) foi discutido como um bom exemplo.

A partir disso, a Oficina mostrou a criação de pautas e matérias pela imprensa através da influência das engenharia de opinião corporativas sobre os chamados “paid experts” (especialistas de um setor “pagos” para darem credibilidade científica a uma pauta), “front groups” (ONGs e Associações) e como plantam-se notícias nas grandes mídias e portais de notícias.

A Oficina encerrou lá pelo final da tarde mostrando como essa engenharia de opinião pública cria uma narrativa ou roteiro para os repórteres que vão para as ruas em busca de fragmentos de declarações que apenas preencham as lacunas dos scripts.

E quão perigosos isso pode ser para eles no movimento de Ocupação. Alguns dos estudantes do grupo relataram experiências com repórteres e sentiram neles a presença dessa roteirização (ou “agenda invisível”) e a ansiedade de muitos deles em “pescar” imagens e falas pontuais dos entrevistados.

O grupo finalizou discutindo dois casos sobre “acidentes” de repórteres na tentativa de confirmar de forma atabalhoada a agenda invisível: o caso do “tem alemão no campus” (clique aqui) e o caso do estudante atrasado para a prova do Enem – clique aqui.

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