Pokemons,
Trashpacks, Gogo’s e Monstros da Pixar. Uma série de monstrinhos e seres
fantásticos que representam o imaginário de um mundo infantil que resiste em se
tornar adulto. “Onde Vivem os Monstros” (Where The Wild Things Are, 2009) de
Spike Jonze, baseado num best-seller infantil de 1963 de Maurice Sendak, faz
uma obra-prima alegórica sobre um menino, seu quarto, a solidão e o poder da
imaginação capaz de criar uma assombrosa cartografia mental da infância. O
filme consegue ser superior à cartografia da mente feita pela animação
“Divertida Mente”, principalmente porque consegue representar as “coisas
selvagens” que habitam a mente de cada criança.
As experiências na infância da perda,
abandono, solidão e a necessidade de sentir-se amado talvez sejam o conjunto de
experiências mais representadas arquetipicamente por meio de jogos,
brincadeiras, contos de fada e, finalmente, no cinema de animação.
Do jogo do “Fort-Da” descrito por Freud
(ou o “jogo do carretel” onde a criança jogava o carretel e o puxava de volta
com um fio de forma prazerosa simbolizando a tristeza da perda e a felicidade
do retorno da mãe), ao contos de crianças solitárias na florestas ameaçadas por
lobos e bruxas até chegarmos a animação Toy
Story onde os brinquedos temem serem esquecidos pelo seu dono Andy, o
conjunto de arquétipos é sempre o mesmo: a experiência do nascimento, perda,
solidão, impotência, amor e busca do que foi perdido.
Essa é a narrativa inaugural da vida de
cada um de nós cujos arquétipos ainda ecoam na nossa vida adulta, quando, por
exemplo, criamos monstrinhos e seres fantásticos de brinquedo para crianças
como Pokemons, Trashpacks, Gogo’s Crazy Bones, os Monstros da animação da Pixar etc. Monstrinhos ou “wild things” que
povoam o imaginário como personagens de um mundo infantil que resiste em
tornar-se adulto.
“Wild Things”
No filme Onde Vivem os Monstros (Where
The Wild Things Are, 2009), inspirado no famoso livro infantil de 1963 de Maurice Sendak, o diretor Spike Jonze (Ela e Quero Ser John Malkovich) e o roteirista Dave Eggers conseguem
fazer uma síntese dos arquétipos dos turbulentos anos iniciais das nossas
vidas: a ruptura edipiana, a raiva contra os pais, a fuga desafiadora para o
mundo da fantasia e a necessidade de voltar para casa para sentir-se amado e
protegido.
A adaptação cinematográfica de Spike
Jonze foi bem livre já que o livro original possui apenas 200 palavras – e as
dificuldades de adaptar uma narrativa tão curta em longa metragem sobre um
menino real vestido com uma fantasia de lobo em uma ilha habitada por monstros
(“wild things”) imaginários.
Os monstros em live action foram um verdadeiro desafio técnico de produção, uma
combinação de brinquedos de pelúcia, efeitos de computação gráfica, atores
vestindo enormes fantasias e técnica de manipulação de fantoches.
O resultado final é uma verdadeira
cartografia alegórica da mente infantil – o mar, a ilha, a floresta, o deserto
etc. como um verdadeiro mapa mental da dinâmica do psiquismo infantil com seus
desejos, angústias, medos, resistências e fantasias.
Por isso, assistido cinco anos depois o
filme Onde Vivem Os Monstros faz
lembrar bastante a animação Divertida
Mente da Pixar – enquanto nessa animação os sentimentos e emoções são
representados por personagens que discutem em uma sala de controle no cérebro
da protagonista, no filme de Spike Jonze cada monstro representa não só
sentimentos, mas desejos, fantasias e arquétipos. Isso que torna Onde Vivem os Monstros bem superior à
animação da Pixar.
O Filme
Onde Vivem os Monstros acompanha as
aventuras de Max, um menino em torno dos nove anos e com uma grande imaginação.
O filme começa com Max ressentido pela sua mãe não ter ido ver um forte que ele
havia construído em seu quarto.
Max percebe que não é mais o centro das
atenções: sua mãe é divorciada e recebe um namorado na sua casa, parecendo para
Max que ele foi deixado para segundo plano. Revoltado, veste uma fantasia de
lobo e começa agir como um animal selvagem e pede para ser alimentado. Sua
birra irrita sua mãe e na discussão Max acaba lhe mordendo o ombro. Com o grito da mãe, Max corre assustado e foge
de casa.
Chegando à beira de uma lagoa, Max
entra em um barco que desatraca. Logo o mar transforma-se em oceano e o barco
navega por horas até chegar a uma ilha onde encontra sete estranhas e enormes criaturas.
Max chega num momento em que os monstros estão em conflito destrutivo por um
motivo fútil.
Os monstros se detém ao ver Max. Pensam
em comê-lo, mas Max convence-os de ser um poderoso rei com poderes mágicos de
trazer de volta a harmonia para aquela ilha.
Uma cartografia freudiana
A trajetória de Max que vai da fuga de
casa, a navegação pelo oceano até a chegada na ilha, a tentativa de
harmonização dos monstros e o retorno final para casa parece representar uma
alegoria do processo da individuação humana.
O mar que Max atravessa é uma clara
alusão ao “sentimento oceânico” ao qual Freud se referia ao estágio inicial da
criança onde não existe a diferença entre o Eu e o mundo externo: apenas o
sentimento de vínculo indissolúvel com um Todo (o “sentimento oceânico” de
prazer no vínculo indissolúvel entre mãe e criança – a Natureza) – leia FREUD,
S. O Mal Estar da Civilização.
A ilha é a percepção da existência de
um mundo externo e o início da construção do Ego. Max se autoproclama rei e
tenta manter os monstros em harmonia. Max vive a típica função do Ego de
coordenar os sentimentos e mediar a sensação nostálgica do oceano (a Natureza)
perdida e o futuro que lhe aguarda, o superego adulto, a Cultura – no filme um
deserto com imensas dunas que ameaça ocupar toda a ilha, destruindo o habitat
dos monstros.
Monstros e emoções infantis
Aliás, cada monstros parece ser um tipo
de personificação da emoção infantil: o monstro calado, porque “ninguém me
ouve”; o monstro birrento; o monstro impulsivo, e assim por diante. O reinado
de Max na ilha é a essência da infância e o início da descoberta dos
sentimentos complexos que permearão a vida.
Há uma percepção de tristeza e
melancolia em cada uma daquelas criaturas – todos parecem não brincar mais como
antigamente, em uma época idílica perdida no passado. O deserto da vida adulta
ameaça dominar toda a ilha. E Max tenta resistir ordenando como rei que todos o
ajudem a construir um imenso forte onde todos ficarão protegidos de um futuro
inexorável.
Tristeza e melancolia expressada pelo
monstro chamado Carol que revela para Max seu pequeno segredo: em uma caverna
no deserto ele construiu uma pequena maquete sobre como ele gostaria que a ilha
fosse – um mundo harmônico, como todos juntos se divertindo.
Assim como em cada um de nós adultos há
essa pequena caverna que expressa a nostalgia daquilo que foi perdido no árido
mundo da chamada civilização – o Gnosticismo chamaria o processo dessa
descoberta como a Gnose.
E Max terá que renunciar a tudo isso,
voltando para casa onde estará a sua espera uma refeição bem quente.
Ficha Técnica |
Título: Onde Vivem os Monstros (Where The Wild Things Are)
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Diretor: Spike Jonze
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Roteiro: Spike Jonze, Dave
Eggers
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Elenco: Max Records, Catherine
O’Hara, Catherine Keener, Mark Roffalo
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Produção: Warner Bros.,
Legendary Pictures
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Distribuição: Warner Bros.
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Ano: 2009
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País: EUA
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