domingo, novembro 29, 2015

Curta da Semana: "Life and The Mirror" e "Goodbye" - Estamos perdendo a fé na vida pós-morte?


O Outro Mundo está ficando cada vez mais parecido com esse. O “Cinegnose” vem percebendo uma tendência no cinema recente em representar o pós-morte como uma projeção das mazelas já existentes nessa vida, repetindo uma tendência do gênero ficção-científica: a “hipo-utopia”, onde o futuro deixa de existir para virar uma projeção dos problemas do presente. Os curtas da semana “Life and The Mirror” (2007) e “Goodbye” (2015) são dois exemplos dessa estranha tendência. Assim como estamos perdendo a fé na vida, também estaríamos perdendo a fé na vida pós-morte?


Em postagem anterior quando discutíamos a ficção científica falávamos que esse é um gênero cuja principal característica é a especulação sobre mundos futuros. E que curiosamente na atualidade estaríamos vendo filmes desse gênero onde, paradoxalmente, o futuro não mais existe: não há nem utopia e nem distopia, mas agora hipo-utopia – “hipo” no sentido de insuficiência. “posição inferior” + “topia” do grego “topus”, “lugar”.

Não teríamos mais nem a realização dos ideais científicos, tecnológicos e humanistas  modernistas (utopia), e nem os aspectos negativos dessa realização (distopia). Na hipo-utopia o futuro nada mais é do que a repetição das mazelas do presente. Todos os problemas do presente são projetados no futuro de forma análoga, exagerada ou caricata. O futuro não é mais um “topus”, mas uma continuação do presente.

Goodbye
O mesmo destino parece estar ocorrendo com as representações da morte e do morrer no cinema. Esse dois curtas que escolhemos nessa semana, Life and The Mirror (2007) de Julio Pereira e Goodbye (2015) de Tyler Russo são exemplos de um fenômeno já marcante em longas metragens como I Am a Ghost, analisado recentemente pelo Cinegnose – clique aqui.

A Morte hipo-utópica


No cinema já tivemos representações utópicas da morte (de filmes espíritas como Nosso Lar ao mito da morte como uma segunda chance em filmes especialmente baseados em contos natalinos como A Christmas Carol) ou distópicas com infernos, sofrimentos e culpa.

Mas nesses curtas temos o pós-morte ou o morrer como uma experiência com elementos análogos à vida – o espelho que na verdade é a tela da TV em Life and The Mirror e o pós-morte como uma kafkiana entrevista de emprego onde o protagonista morto se comunica por meio de uma tela de TV no curta Goodbye.

Em Life and The Mirror um homem (performado pelo próprio diretor Júlio Pereira) está em estado catatônico no acostamento de uma via expressa. Ao fundo o som de soldados marchando e, ao final, o que se revela um pelotão de fuzilamento. Os relógios em espiral é a clássica representação xamânica da passagem para o Outro Mundo. E os olhos do protagonistas colados a uma tela de TV como se olhasse sua vida ou alguém que ama ou amou.

Life and The Mirror
Em Goodbye um homem sofre um violento acidente de carro em uma noite. A sua vida passa diante dele lentamente por meio de fotografias. Se detém em algumas e passa rápido por outras. Até chegar a uma perturbadora situação: agora encontra-se no interior de uma tela de TV e diante dele uma espécie de equipamento giratório autômato com quatro cabeças com máscaras similares a teatro Kabuki japonês. A máquina é o “entrevistador” que o conduzirá em uma entrevista de um emprego para ele.

O protagonista não sabe que morreu ou como e por que está ali. As perguntas são inquisidoras e agressivas: questionam sobre as mortes de sua filha e do seu amigo e do quanto ele sente-se culpado por elas.

O curta cria uma atmosfera muito parecida com Brazil, O Filme (1985) de Terry Gilliam. O design e arquitetura do ambiente é sombria com um misto de arquitetura hindu, balinesa e japonesa.

O curta abre com uma citação do Bhagavad Gita (texto religioso hindu): “Assim como o homem rejeita suas roupas desgastadas procurando novas, da mesma forma o morador do corpo abandona o corpo desgastado para entrar em novos corpos”. Por isso Goodbye parece ser um curta sobre morte, passagem e preparação para uma nova reencarnação como uma entrevista de um processo seletivo para um novo emprego. Todo processo espiritual da reencarnação transforma-se em um processo seletivo de RH de uma empresa. Porém, mais assustador e sombrio.

O que é marcante nesses curtas é a inexistência de algo mais metafísico ou edificante na morte – ainda em Life and The Mirror há espirais e galáxias. Morremos e encontramos um entrevistador com perguntas incomodas e dolorosas e nenhuma autoridade superior a apelar naquele momento.

Há uma banal linha de continuidade entre a vida e a morte: parece que a vida nada mais é do que uma pálida cópia de um mundo pós-morte. Chegando lá no Outro Mundo encontraremos o que foi deixado para trás em uma escala perversamente mais perfeita e elaborada.

A morte é vista no sentido hipo-utópico: na vida pós-morte projetamos as próprias mazelas da vida. Morrer não é mais “partir dessa para uma melhor”: é encontrar no Outro Mundo os problemas da vida em uma escala ainda mais ampliada e perversa.




Ficha Técnica


Título: Life and The Mirror
Diretor: Julio Pereira
Roteiro: Julio Pereira
Elenco:  Julio Pereira
Produção: independente
Distribuição: YouTube
Ano: 2007
País: EUA

Ficha Técnica


Título: Goodbye
Diretor: Tyler Russo
Roteiro: Tyler Russo
Elenco:  Kevan Brighting, Wendy White
Produção: Independente
Distribuição: Vimeo
Ano: 2015
País: EUA



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