O curta “Bloody Dairy” (2015), projeto de 100 dias de animações em gif,
e mais uma amostra de como os gatos cada vez mais estão tomando conta da
Internet com memes e vídeos virais, superando os seu eternos rivais: os cães.
Tornou-se fenômeno cultural, merecendo até uma exposição no Museum of Moving
Image em Nova York. Por que gatos ao invés de cachorros? A questão pode parecer
inútil e superficial, mas também pode nos conectar com os milenares simbolismos
ocultos e esotéricos dos gatos como guardiões e mediações com outros mundos. Portanto,
para onde os gatos nos apontam em memes e vídeos? Estamos diante de um fenômeno
sincromístico em plena cultura high tech?
Bloody Dairy é um projeto para 100 dias de
animações diárias. A animadora e designer Min Liu criou um gif animado por dia
nesse período de tempo. Tudo feito à mão, frame por frame, inspirado em
momentos cotidianos de encontro com objetos, fantasias mas, principalmente, com
gatos.
Para Min Liu a
melhor parte do projeto era a necessidade de terminar a animação, fazer o upload antes da meia noite de cada
dia e receber o feedback das pessoas em várias partes do mundo.
O projeto Boody Dairy foi inspirado em um outro
projeto atualmente em curso no Instagram criado pela revista nova-iorquina de
arte e design The Great Discontent
(TGD) chamado “What Could You Do With 100 Days of Making?”
Mas o interesse do
“Cinegnose” em indicar o Bloody Dairy como o “Curta da Semana” é porque essa
animação é mais um exemplo da invasão atual dos gatos na Internet: memes,
vídeos virais e fotos de gatos em situações divertidas, façanhas absurdas,
inusitadas – LOLcats, Lil Bub, Nyan Cat etc.
Como os gatos dominaram a Internet?
Uma tendência tão
crescente nos últimos anos que chegou a merecer uma exposição no Museum of
Moving Image em Nova York, que vai até fevereiro de 2016, intitulada “How Cats
Take Over The Internet” – “Como os Gatos Dominaram a Internet”. A exposição
mostra a história dos gatos online examinando fenômenos como Caturday, LOLcats,
Cat Videos, Celebrity Cats e toda sorte de espécies de felinos que vem acompanhando
gerações de usuários na Internet.
A exposição também
tenta encontrar uma explicação para esse aparentemente frívolo fenômeno:
antropomorfismo? A estética da fofura? A ascensão de conteúdos gerados pelos
usuários?
A exposição faz uma intrigante pergunta: Por
que gatos ao invés de cachorros? Há também uma abundância de vídeos de
cachorros, mas os gatos são os mais propensos a viralizarem, chegando ao ponto
de serem publicados livros como “Como Tornar Seu Gato uma Celebridade na
Internet” da escritora Patricia Carlan.
A qual resposta
chega a exposição? É intrigante: os cães geralmente reconhecem as câmeras (e
mais provavelmente seus donos) e, na sua ânsia de tentar agradar, tornam os
vídeos menos espontâneos e interessantes. Cães interagem com a câmera. Ao
contrário, os gatos são mais estoicos, indiferentes e independentes – parecem
desprezar a câmera e o seu dono que o observa.
Numa cultura da
pose e das selfies, iniciada pela fotografia no século XIX e que chega ao
paroxismo na atualidade com YouTube e celulares, as façanhas de seres tão
indiferentes e independentes como gatos nos intrigam. Diante das câmeras, não
sabemos o que farão.
Por isso o gato
seria um bicho perfeito na Internet para dois prazeres humanos: o voyeurismo e
o antropomorfismo – diante das ações indiferentes do gato parece que somos
observadores poderosos que vê um personagem que parece não saber que estamos
ali; por isso, o gato transforma-se numa tela perfeita para a projeção das
emoções humanas. Assim como os quadrinhos e animações do gato Garfield, a
síntese das imperfeições humanas mais “adoráveis” – odeia as segundas, balanças,
regime e adora lasanhas, a preguiça e ficar diante da TV de bobeira.
Gatos como fenômeno sincromístico
Mas também poderíamos estar diante de um fenômeno
sincromístico, principalmente sabendo-se que o gato possui uma longa trajetória
de simbolismos associado ao Oculto e o Esotérico.
Sua astúcia, esperteza, inteligência, intuição e
independência fizeram diversas culturas associá-lo a um arco de simbolismos que
vai do Guardião do Outro Mundo (ou Submundo, dependendo da religião) ou à
Feitiçaria e companheiro de bruxas – os gatos pretos seriam fisicamente mais
resistentes a trabalhos com fluidos espirituais mais pesados.
Não importa o simbolismo ou a cultura, os gatos
parecem guardar segredos de outro mundo eternamente para si mesmos, enquanto
olham com malícia para nós. Ou os caçamos como fizeram com bruxas e felinos na
Inquisição católica ou os vemos como guardião da casa e um símbolo da bondade
doméstica como o fazem os japoneses ou como fizeram na Roma antiga – o gato era
sagrado para Diana, a deusa da Lua.
Como guardiões do Outro Mundo no antigo Egito eram
também sagrados e representados na cabeça da deusa lunar Bastet – em sua honra
eram mumificados e colocados juntos com as múmias de seus donos para
acompanha-los (talvez como guias) na jornada para o Outro Mundo.
Em síntese, o gato é um arquétipo da mediação com
outros mundos. Talvez seja essa a essência sincromística do fenômeno viral dos
gatos na Internet: numa cultura visual tão autoconsciente (web cams e
dispositivos móveis criaram um ambiente fechados em nós mesmos) que a
indiferença e independência dos gatos nos divertem por nos fazer lembrar que
existe uma realidade fora da mônada.
Mesmo numa cultura contemporânea tão high tech e
visual, o gato continua a desempenhar o papel de mediação e de guardião dos
outros mundos. A diferença é que agora esse “outro mundo” não é assim tão
metafísico – simplesmente o gato nos mostra que existe um mundo espontâneo,
independente e misterioso, para além das selfies, poses e dos melhores avatares
que criamos para nós mesmos.
Ficha Técnica |
Título: Bloody
Dairy
|
Animação: Min Liu
|
Roteiro: Min Liu
|
Design
de som: Weng Hu
|
Produção: independente
|
Distribuição: Bloody-dairy.com
|
Ano: 2015
|
País: EUA
|
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