Após a publicação da
postagem anterior “Sociedade de Consumo e o ovo da serpente do PT” uma curiosa
sequência de eventos sincrônicos em questão de horas foram vivenciados por
esse humilde blogueiro. Suspeitas de supostas mensagens subliminares do PT no metrô
de São Paulo, palestra do jornalista César Tralli em uma Universidade, leituras
de time lines do Facebook no metrô e as humilhantes “lições de vida”
meritocráticas do reality MasterChef da Band. O ovo está se quebrando e através
da fresta um olho ameaçador observa o futuro.
Cinco horas da tarde na
conexão CPTM/linha amarela do metrô na Estação Pinheiros em São Paulo. Seguindo
a multidão que se aperta preparo-me para descer mais uma escada rolante. Dou de
cara com um cartaz de viagens turísticas para Cuba. O nome do país em destaque com uma estrela logo abaixo com a
foto de uma paradisíaca praia dominado o anúncio.
Atrás de mim, dois jovens
trajados com roupas sociais e mochilas, indicando que estão saindo do trabalho.
Param de conversar entre si e olham para o grande cartaz. “Olha lá: Cuba... e
uma estrela vermelha embaixo... não lembra coisa do PT?”. Trocam rapidamente
sugestões de um possível propaganda subliminar do partido. E voltam a conversar
sobre empresas para trabalhar, falando daquelas “que te achincalham” e daquelas
“que te tratam bem”, nas palavras dos jovens.
Chego na Universidade onde
leciono. Palestra com o jornalista e apresentador do telejornal SPTV da TV Globo, César Tralli, no
Estúdio A de TV da Universidade. Mais de 200 alunos, a maioria estudantes de
Jornalismo.
Consigo entrar no estúdio
lotado. Tralli faz um discurso bem institucional e de relações públicas: como
sente-se alegre em fazer uma TV comunitária, ouvir o povo, abrir os e-mails dos
telespectadores e assim por diante. Fala de sua carreira desde o SBT e o dia em
que Silvio Santos ligou para convidá-lo da ser apresentador na sua emissora.
Tralli achou que era trote... e a plateia cai na gargalhada.
Depois de pouco mais de 40
minutos com uma narrativa cheia de realizações, recompensas e a advertência de
que os estudantes deveriam ter uma maior “formação humanística”, abre-se para
perguntas.
Todos “pagando um pau”?
Mensagens subliminares do PT por todos os lados... |
Para minha surpresa,
estudantes de jornalismo que estavam diante de um representante de uma
emissora que detém o monopólio de comunicação do País e sempre às voltas com,
digamos assim, polêmicas em períodos eleitorais, fizeram perguntas em estilo
“vídeo show”: como você se sente.. qual a reportagem que mais o chocou... etc. Na
linguagem dos estudantes, era como se todos estivessem “pagando um pau” para
Tralli.
Uma jovem aluna pergunta: “o
que você acha do PT AINDA no poder?” – “ainda” em tom enfático. Tralli diz
recusar “falar de política”, mesmo depois de abordar o tema “corrupção” oito
vezes durante a sua palestra.
Um estudante dispara: “por
que você não deu direito de resposta para Alckmin e Skaff no debate dos
governadores. Foi a direção do debate que disse pra você negar?”. Tralli
reponde: “Não, fui eu mesmo que não quis dar!”, seguido de aplausos efusivos
para um jornalista que, para a plateia, colocou os políticos no seu devido lugar...
De volta ao metrô
Hora de voltar para casa e
caminhar até a estação metrô. Vejo estudantes de diversas universidades e
faculdades retornando também para casa depois de um dia inteiro de trabalho e
noite de estudo. Um grupo imerso em seu Iphones e absorvidos pelas timelines do
Facebook. Um comenta para o grupo: “olha, o Aécio vai nomear o Joaquim Barbosa
para Ministro da Justiça”. O mais próximo emenda: “Isso mesmo! Prá limpar o PT
de lá”.
Essa foi uma significativa
sequência de eventos sincrônicos que apenas fez lembrar o ovo da serpente que o
PT chocou nesses últimos governos como discutimos na postagem anterior.
O ódio contra políticos
(Tralli coloca-os no devido lugar); um inacreditável ódio retrô ao PT ao
associá-lo a Cuba e supostas mensagens subliminares em um cartaz de turismo – o
que só me faz lembrar dos delírios nos anos 1950 do senador Joseph McCarthy que
suspeitava de comunistas em Hollywood querendo fazer a cabeça das famílias
americanas; o tema da corrupção ser tão recorrente na palestra de César
Tralli...
MasterChef, César Tralli e a Agenda Setting
E chegando em casa, zapeando
a TV, dou de cara com o programa reality da Band MasterChef onde grandes nomes da gastronomia (Erik Jacquin,
Henrique Fogaça e Paola Carosella) não apenas julgam o desempenhos de
cozinheiros amadores apavorados e de mãos trêmulas. Eles os humilham, intimidam
com olhares fixos e palavras em tom agressivo.
MasterChef: bullying como "lições de vida" |
É a ascese resignada dos
jovens aprendizes, estagiários (como os da estação Pinheiros preocupados com as
mensagens subliminares do PT) e de candidatos em processos seletivos: aceitarem
humilhação, grosserias e dinâmicas sem sentido dos jogos seletivos corporativos como “lições de vida” de uma sociedade
meritocrática.
A ideologia meritocrática que, como vimos na postagem anterior, dá a "liga" para o ressentimento da anti-política e alimenta o discurso midiático moralista da corrupção.
Dessa maneira, o dia de
ontem encerrou em um sincrônico e sombrio significado que parece confirmar a
hipótese do ovo da serpente chocado pelo PT. Jovens em sua maioria de origem
socioeconômica não privilegiada e que tiveram a chance histórica (no caso
brasileiro) de chegar a um curso superior, nutrem uma aversão visceral não só
ao PT como a própria política, somente que de maneira confusa e seletiva.
Mas o calor que chocou os
ovos dessa serpente foi ampliado pela verdadeira lição de teoria da comunicação
dada por César Tralli, quando em uma simples palestra sobre técnica de
jornalismo usou o tema corrupção de forma tão recorrente.
Tralli nos deu um simples
exemplo da chamada hipótese da Agenda Setting, onde as mídias seriam capazes de
criar uma pauta ou “clima de opinião” para a sociedade mediante a consonância,
onipresença e acumulação dos conteúdos disseminados – sobre isso clique aqui.
E é nesse “clima de opinião”
onipresente reforçado pela grande mídia que os ovos estão se quebrando e
através da fresta um olho ameaçador observa o futuro.