domingo, outubro 26, 2014

A grande mídia ameaça: meu ódio será a sua herança

Tal qual uma serpente, um muro cinza escuro serpenteia o Brasil dividindo o País do Acre ao litoral. É com essa sinistra animação que o infográfico do site da “Folha de São Paulo” chamado “Folhacóptero” explica o cenário eleitoral brasileiro, em um previsível silogismo cuja conclusão é a de que somente os pobres e ignorantes mantêm a candidata Dilma Rousseff na frente das pesquisas eleitorais. Divisão e Muro são as metáforas que a grande mídia sistematicamente vem utilizando para explicar o cenário político. Enquanto publicações estrangeiras como a “The Economist” usam infográficos mais neutros e elegantes para explicar as desigualdades históricas do Brasil, nossa grande mídia usa a imagem do muro, simbolicamente carregada de ódio e separatismo. A grande mídia sabe que vive o fim do seu poder político-financeiro e parece querer deixar para a História o ódio como a sua única herança.

Quem não se lembra do filme clássico do mestre da violência, Sam Peckimpah, Meu Ódio Será Sua Herança (The Wild Bunch, 1969)? Considerado o sexto melhor western de todos os tempos pela American Film Institute (AFI). O filme é um hino ao crepúsculo da era do Velho Oeste e da figura mítica do cowboy, com um general mexicano aparecendo em um carro vermelho no lugar do cavalo e metralhadoras e pistolas automáticas substituindo o tradicional revólver de seis tiros.

O mau presságio para os protagonistas do filme começa com a célebre cena quando entram em uma cidade e avistam um grupo de crianças que empurram dois escorpiões para um formigueiro para se divertirem com a imagem da violência no meio natural.


Em muitos aspectos nessa reta final das eleições a grande mídia não só se comporta como as crianças do filme de Peckimpah como também vive o crepúsculo de uma era com a crescente concorrência da Internet, a ruína financeira e a perspectiva de uma nova regulamentação com a Lei dos Meios. A grande mídia responde a tudo isso com o ódio, ao criar a percepção de um país dividido e intolerante à beira de uma guerra de secessão.

O muro do “Folhacóptero”


Um muro serpenteia o Brasil
Um sintoma de como a grande mídia parece se divertir como as crianças de Peckimpah é o infográfico animado da Folha de São Paulo “Folhacóptero mostra ‘muro’ que divide o país em duas realidades” - clique aqui para ver ou veja o vídeo abaixo. A palavra “muro” é colocada entre aspas, mas na animação ela deixa de ser uma metáfora para se transformar em uma imagem de uma divisão real :
“O folhacóptero sobrevoa com você alguns mapas que ajudam a explicar a divisão do país no primeiro turno das eleições. As desigualdades econômicas criaram um muro invisível separando o Brasil em dois. Ele correria por 8 mil kms (...)”.
O mapa sobre o qual o “folhacóptero” sobrevoa sob uma didática e amigável voz feminina é simbolicamente insólito: um muro é como que desenrolado, dividindo estados como Tocantins e Minas Gerais, começando no Acre e terminando no litoral brasileiro. Um muro cinza escuro que separaria o Brasil mais rico do mais pobre (com destaque para São Paulo, reproduzindo o mito da locomotiva que impulsiona o “Brasil rico”). Ao sul “mais renda, saúde e educação... e do OUTRO lado do muro municípios com renda, IDH e educação abaixo da média do País, e por isso suas famílias foram as mais atendidas pelo programas sociais do governo”.

A conclusão óbvia do silogismo da animação é que Dilma mantem-se no poder graças ao populismo e a exploração da pobreza e o baixo nível intelectual daqueles que estão do OUTRO lado do muro.

Alegorias e metáforas da divisão


As desigualdades brasileiras já foram representadas de formas mais irônicas e elegantes, sem o ranço do ódio que a insólita animação da Folha alimenta.

Infográfico da "The Economist":
neutralidade
Por exemplo, a expressão “Belíndia”: país fictício e contraditório criado pelo economista Edmar Bacha em 1974 no texto “O Rei da Belíndia – uma fábula para tecnocratas” para demonstrar que o regime militar criava um país dividido entre pessoas que moravam em condições similares à Bélgica e aqueles que tinham um padrão de vida semelhante à Índia.

Já a publicação inglesa The Economist recupera essa alegoria para falar das mudanças ocorridas no País. Segundo a publicação, o Brasil lembraria uma “Italordânia”, com estados onde o PIB per capita equivale a Itália, enquanto outros com renda próxima da Jordânia – clique aqui e leia a reportagem.

A reportagem da The Economist é ilustrada por um infográfico (veja ao lado) bem mais neutro e elegante do que o retoricamente agressivo e apocalíptico da Folha.

Quem está ao Norte e ao Sul do muro?


O inacreditável infográfico animado da Folha segue localizando as regiões onde os candidatos Aécio e Dilma tiveram votações mais expressivas como “lado acima do muro”, “lado abaixo do muro”, “ao sul do muro” etc. Sempre sugerindo uma divisão radical que, paradoxalmente, o próprio infográfico com as manchas em vermelho, azul e verde desmente, demonstrando como a metáfora do muro é grosseira e retoricamente carregada de ódio parcial.

Grande mídia se comporta como as
crianças de Peckimpah no filme
"Meu Ódio Será Sua Herança"
Na verdade, é mais uma bomba semiótica, não só para criar uma percepção, mas reforçar uma ideologia já pré-existente de que o Brasil vive uma situação pré-insurrecional e de guerra separatista.

Depois de passar 90% do tempo reforçando visualmente essa percepção, a animação da Folha encerra dizendo que “NO ENTANTO, o Brasil é um só, bolsões de riqueza e pobreza convivem em todos os estados (...)”. Inutilmente, o insólito vídeo tenta trazer de volta à racionalidade um leitor que já foi contaminado pela abominável imagem de um muro escuro que serpenteia como uma cobra o Brasil “e que passa ao lado de Brasília” como significativamente destaca a “amigável” voz feminina.

Esse infográfico animado é apenas mais um exemplar do tom retórico que a grande mídia dá às eleições: de um lado a mídia fala em “festa da democracia” e “exercício da cidadania” para no outro momento alertar em manchetes do tipo “País chega dividido ao 2o turno”, como ameaçadoramente lembra o jornal O Globo.

Infográficos e manchetes retoricamente irresponsáveis como essas lembram as crianças de Sam Peckimpah querendo ver os escorpiões sendo devorados pelo formigueiro. É o sintoma de um cenário onde a grande mídia tem que assumir obrigatoriamente o papel de oposição política (já que a oposição parlamentar é pífia, vivendo à reboque da pauta midiática) e, ao mesmo tempo, tem que enfrentar a sua ruína financeira.

Sabemos que a escolha da imagem do muro não é neutra, mas simbolicamente carregada de diversos significados negativos que a própria mídia criou: apartheid, Guerra Fria, ódio e intolerância.

Por isso, essa nova bomba semiótica, disparada na reta final das eleições, contém uma outra mensagem implícita: se a candidata do PT for reeleita, haverá um “terceiro turno” – a radicalização do simbolismo do muro que deixará de ser uma simples alegoria para ser construído na realidade.


A grande mídia sabe que vive o seu crepúsculo e parece querer deixar o ódio como a sua única herança.

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