Profundos
conhecedores de arte, literatura, música e cinema. Aristocráticos, vintages, sensíveis,
e... melancólicos. Esses são os vampiros do diretor Jim Jarmusch em “Amantes
Eternos” (Only Lovers Left Alive, 2013). Por que seres imortais e tão poderosos
podem ser tão tristes e melancólicos? Esqueça os clichês de maldições,
insaciabilidade por sangue e amores platônicos tão comuns nos vampiros para
adolescentes da franquia “Crepúsculo”. Jarmusch recoloca o mito do vampiro na
sua tradição romântica e literária. Mas tem algo mais: o toque gnóstico ao ver
o vampiro como um ser privilegiado – ele jamais esquece, ao contrário dos
mortais presos no ciclo vicioso morte-reencarnação-esquecimento.
Título:
Amantes Eternos ( Only Lovers Left Alive, 2013)
Diretor: Jim Jarmusch
Plot: Os amantes em questão são o roqueiro recluso Adam (Tom
Hiddleston, exalando melancolia cool em um personagem viciado em tecnologias
antigas e colecionador de guitarras clássicas) e Eva (Tilda Swinton, pálida e
do outro mundo). São vampiros com séculos de idade, casados e ainda
profundamente apaixonados, embora vivam separados: ela em Tânger (Marrocos) e
ele em uma Detroit (EUA) decadente à beira de se transformar em uma terra
selvagem. Sabendo que seu amante Adam está sofrendo de grave melancolia que
pode leva-lo a desistir da vida eterna, Eva (mais adaptada às transformações
que o mundo viveu) migra do Marrocos para Detroit para ajudar seu amante
eterno. Além de resolver um problema crucial: o sangue de qualidade superior
está ficando cada vez mais escasso nos tempos atuais.
Por que está “Em Observação”? – Jim Jarmusch é um diretor que sempre
esteve na mira desse blog. Mais exatamente, desde o filme Dead Man de 1995 – nas nossas pesquisas, o filme que inicia a onda
do gnosticismo pop cinematográfico no final do século passado que culminará com
Matrix em 1999. Sem em Dead Man Harmusch flertava com a
conjunção de violência, misticismo e rock and roll (Johnnie Depp fazendo um
jornada espiritual com um mentor indígena sendo perseguido pelo roqueiro Iggy
Pop com um vestido de mulher!), em Amantes
Eternos o rock and roll novamente se faz presente, mas dessa vez com sangue
e vampiros.
Mais um
filme sobre vampiros? Parece que tudo já foi dito sobre eles no Cinema, mas com
Jarmusch o tema ganha um viés gnóstico: a eternidade como uma prisão dentro da
qual estão tanto os vampiros como os mortais. Porém, os vampiros fazem parte de
uma aristocracia estética e artística – por serem imortais, são os únicos a
perceberem não só como a existência é o inferno da repetição, mas também como a
alienação dos mortais (que Adam e Eve chamam de “zumbis”) corresponde a
deterioração das formas de belezas artísticas na História.
Por isso os
vampiros são melancólicos. Como estão condenados à imortalidade, eles não
possuem o “benefício” da alienação que a morte nos dá. Assim como o sono e o
despertar no dia seguinte nos dá a ilusão de começar um novo dia, da mesma
forma a morte nos oferece a ilusão de um recomeço com a reencarnação.
A mitologia gnóstica vê na
reencarnação uma perversa estratégia do Demiurgo para nos manter presos nesse
mundo através do esquecimento. Morremos para reencarnar posteriormente para
esquecer da existência anterior. Condenados a recomeçar sempre do zero, não
somamos conhecimentos, esquecemos por subtração.
Em Amantes
Eternos, Jarmusch vê na maldição dos vampiros uma aristocracia de artistas e
intelectuais. Eles são privilegiados em acompanhar como os mortais criam arte,
cultura e tecnologia para se esquecerem de tudo, seja pelo sono ou pela morte.
Por isso, Adam e Eve veem a História como uma decadência e a modernidade uma
praga.
O
apartamento em ruínas de Adam é um museu de relíquias tecnológicas, guitarras
clássicas, pinturas, livros, retratos nas paredes de Buster Keaton, Mark Twain,
Robert Johnson (será que também eles foram vampiros?). Os vampiros são os
únicos que, entediados, percebem que a vida moderna é uma ilusão, mais do
mesmo. Não há novidade, apenas repetição e perda da sensibilidade estética.
Para Jarmusch, os vampiros são os críticos de arte ideais: estiveram presentes
em todas as cenas musicais, teatrais, cinematográficas ao longo dos tempos.
E eles, e
somente eles, conseguem ter essa visão de síntese, esse olhar de sobrevoo para
a existência impossível para os mortais, prisioneiros no ciclo vicioso
morte-reencarnação-esquecimento.
Em uma época
onde adolescentes sonham em perder a virgindade nos braços de um vampiro
assistindo à série Crepúsculo, o viés
místico de Jarmusch é muito bem vindo.
Coloca o mito do vampiro de volta às suas origens românticas e
literárias.
O que esperar? – Segundo a
crítica, Jarmusch conduz o filme em um ritmo lento, centrado principalmente nos
diálogos (como é do seu estilo) cheios de sensibilidade, atmosferas e
nostalgia. O que é natural em se tratando de protagonistas que vivem há
centenas de anos: sem a inevitabilidade da morte, os vampiros não têm razão
para viverem apressados. Sem falar que o filme tem uma evidente crítica à
modernidade – enquanto os “zumbis” estão agarrados ao seu mundo digital que
atrofia a sensibilidade, os aristocráticos vampiros vivem em um mundo tátil e
sensual cercado de discos de vinis, guitarras antigas e livros raros.