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sábado, maio 21, 2011

A Semiótica da Macumba

Os estudos da Semiótica confirmam,se não eficiência, pelo menos a lógica linguística da chamada “magia simpática” ou simplesmente “macumba”: a busca de contiguidade física de comunicação entre a ordem sobrenatural e feiticeiros ou xamãs e de objetos que criem relações de semelhança entre o despacho e a vítima/beneficiado. Paradoxalmente, é nas manifestações atuais de magia e religião por meio de mídias digitais (Internet e celulares iPhone) que encontraremos mais irracionalidade que nas formas arcaicas: como é possível a magia por meio de algoritmos cuja natureza é simbólica, arbitrária e fragmentada?

Essa postagem se originou em uma questão levantada por um aluno em uma aula de Estudos da Semiótica na Universidade Anhembi Morumbi.  Estava apresentando a tricotomia básica dos signos da Semiótica peirciana (de Charles Sanders Peirce, filósofo, cientista e matemático norte-americano  fundador da ciência dos signos, a Semiótica): índices, ícones e símbolos.  Descrevia o índice como o signo mais primitivo por fazer parte, inclusive, dos fenômenos naturais (a fumaça como índice do fogo ou o trovão como o índice do raio), além  de servir de orientação para os animais (através do olfato). Por ser sua percepção de natureza intuitiva, os índices têm forte presença nas sociedades chamadas de  “primitivas” onde são intensamente percebidos e se tornam sinalizadores cotidianos (mudanças atmosféricas, caça etc.). Um aluno questionou se as formas mágicas (“macumbas”, “despachos” etc.) primitivas também não seriam formas de ação humana carregadas de índices.

Essa questão iniciou uma interessante (e até divertida), por assim dizer, “análise semiótica da macumba”. No final, uma questão: como é possível práticas tão indiciais conviverem na atualidade em mídias simbólicas digitais (macumbas, despachos ou simpatias e até confissões de pecados on line até as formas secularizadas de magia como sessões de psicanálise ou vidências e tarot pela Internet)?

domingo, abril 17, 2011

Do Herói Épico e Trágico ao Herói Amoral da Indústria do Entretenimento

Arquétipo milenar, o mito do Herói apresenta um movimento pendular entre a sua face épica e trágica. Na atualidade a indústria do entretenimento cria uma nova face para o mito: o herói amoral. As origens dessa nova atualização do mito podem ser encontradas na propaganda nazifascista na II Guerra Mundial e na contrapropaganda norte-americana com a criação dos super-heróis Capitão América e Super-Homem. 

O tema desse post foi motivado por duas coisas: primeiro, a lembrança do filme “Team America: Detonando o Mundo” (Team America: World Police, 2004), uma comédia politicamente incorreta onde os personagens são marionetes em cenas explicitamente violentas com mísseis, artes marciais e tiroteios associados à luta de heróis americanos contra o terrorismo internacional. O Team America (a polícia mundial do título cuja missão é proteger o mundo dos terroristas) é comicamente catastrófica em seus rompantes de heroísmo.

É impagável a sequência inicial. Terroristas muçulmanos aparecem em uma praça em Paris onde estão muitas crianças, mulheres e idosos. Um deles carrega uma mala-bomba. Derrepente, aparece o Team America numa blitz com mísseis e bazucas. Ironicamente, quem destrói Paris (a torre Eiffel cai sobre o Arco do Triunfo e o Museu do Louvre vai pelos ares) é o Team America na luta desajeitada contra os terroristas. No final, falam para os franceses aturdidos: “Não se preocupem, tudo acabou”. Literalmente, acabaram com os terroristas junto com Paris! Hilário!

A segunda coisa foi uma questão originada em  uma aula de Comunicação Visual na Universidade Anhembi Morumbi (São Paulo). Discutia com os alunos a propaganda nazista pelo ponto de vista da criação das modernas técnicas no campo da publicidade e linguagem visual.  A certa altura apresentei a contra-propaganda norte-americana: a criação de super-heróis como Capitão América e Super-Homem. Se os heróis nazistas possuíam um “destino manifesto” (representantes de uma raça superiora cuja supremacia já havia sido programada desde o início dos tempos), os super-heróis americanos eram dotados de super poderes conferidos  pela ciência ou por poderes alienígenas.

Um aluno me perguntou qual seria a característica moderna do herói nazi, visto que o herói é um arquétipo milenar. Isto é, diferente de toda a narrativa tradicional do herói desde a antiguidade, qual seria a novidade do herói moderno do século XX, seja nazista ou norte-americano?

O início da resposta pode ser encontrado no humor incorreto do filme Team America. A “world Police” representa os EUA como os únicos heróis do mundo interessados em destruir o terror. A truculência catastrófica  dos heróis do filme se origina em uma visível indiferença com os civis, com a História e com os próprios tesouros da civilização ao redor: sem o menor cuidado, nas suas ações contra o terrorismo destroem o patrimônio cultural da humanidade (pirâmides, torre Eiffel, o Big Ben etc.) e civis inocentes que estejam na hora errada e no lugar errado. Efeitos colaterais. Como diz a música do filme “Free is not Free” (Liberdade não é de graça).

domingo, novembro 28, 2010

Cartografias e Topografias da Mente no VI Encontro Científico da Universidade Anhembi Morumbi

Abaixo um resumo da apresentação dos resultados iniciais e das primeira hipóteses da pesquisa "Cartografias e Topografias da Mente" dentro do VI Encontro Científico e de Iniciação Científica da Universidade Anhembi Morumbi realizado na última sexta-feira. Se o cinema representa o imaginário social de uma determinada sociedade e de uma determinada época, o cinema atual reflete uma agenda tecnocientífica marcada pelo impacto das Neurociências e Ciências Cognitivas. Essa agenda tecnocientífica perpassa hoje a Internet com o frenesi das pessoas, espontaneamente, quererem registrar sua experiências privadas por meio de "lifestreams", life-trackings" "inner geographies" e toda uma gama de cartografias da vida mental.

Quem acompanha a evolução temática das postagens do Blog "Cinema Secreto: Cinegnose", percebe que, em diversas análises de filmes, identificamos a recorrência de argumentos, ideias e narrativas que refletem o que chamamos de agenda tecnognóstica. 

quarta-feira, novembro 24, 2010

Autor do Blog "Cinema Secreto" apresenta pesquisa no VI Encontro Científico da Universidade Anhembi Morumbi

Mutações do filme gnóstico no século XXI apontam para um tema recorrente em um conjunto de filmes dessa primeira década: a busca de uma cartografia e topografia da mente. Mente e consciência compostas por regiões dentro dos quais o protagonista encontra-se preso, necessitando de um mapa para poder orientar-se e encontrar uma saída. Esse é o tema da minha apresentação dentro da programação do VI Encontro Científico e de Iniciação Científica da Universidade Anhembi-Morumbi.

Nesta sexta-feira (26/11/2010) apresentarei no VI Encontro Científico e de Iniciação Científica da Universidade Anhembi Morumbi o resultado das minhas recentes pesquisas sobre as conexões entre as novas tecnologias computacionais e o filme gnóstico, pesquisas originadas a partir de discussões e reflexões a partir de postagens desse blog.

sexta-feira, outubro 08, 2010

Livros "Cinegnose" e "O Caos Semiótico" lançados na Universidade Anhembi Morumbi

Entre as várias palestras e atrações do Encontro de Comunicação da Universidade, os dias 6 e 7 de outubro foram marcados pelo lançamento dos livros "Cinegnose" e "O Caos Semiótico" para a comunidade docente e discente. Em edições sob demanda ("on demand") em breve os títulos estarão disponíveis para venda em sites como da Livraria Cultura e da Giz Editorial, inclusive em versão e-book. Aguarde!

Os livros “Cinegnose” e “O Caos Semiótico” tiveram o seu debut no Primeiro Encontro de Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi. Anderson Meneses, seguidor desse humilde blog, foi o primeiro a adquirir um exemplar do “Cinegnose”. Entusiasmado, falou que vai lê-lo detalhadamente para partilhar suas opiniões através de comentários nesse blog.

Pela natureza paradidática do livro, “O Caos Semiótico” foi bastante procurado pelos alunos do curso de Comunicação. Bem conhecido por ex-alunos, agora é re-lançado em uma nova versão atualizada e ampliada para ser aplicado em sala de aula, tanto nas aulas de Comunicação Visual como na disciplina Estudos da Comunicação.

Já o livro “Cinegnose” chamou a atenção do corpo docente pelo ineditismo do tema: a
confluência entre gnosticismo e cinema. Esse livro é o primeiro dentro da bibliografia nacional a explorar esse tema dentro do campo da produção cinematográfica, audiovisual e cultura pop. Embora seja um tema já conhecido e discutido entre pesquisadores norte-americanos e europeus (Erik Davis, Erik Wilson, Victoria Nelson etc.) ainda no país essa discussão é incipiente.

Ambos os títulos foram impressos em processo digital e sob demanda (“on demand”). Portanto, o livro brevemente poderá ser adquirido através da Internet pelo sites da Livraria Cultura e da Giz Editorial. Também estará disponível para venda no site da editora a versão e-book dos títulos.

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sábado, outubro 02, 2010

Noites de Lançamento dos livros "Cinegnose" e "O Caos Semiótico"

Os livros "Cinegnose" e "O Caos Semiótico", cujo autor é esse humilde blogueiro que lhes escreve, terá seu lançamento dentro da programação do I Encontro de Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, nos dias 06 e 07 de outubro. O evento é aberto para o público, em especial para os seguidores e leitores desse Blog. Estão todos convidados!

Finalmente teremos as noites de lançamento e autógrafos dos livros "Cinegnose" e "O Caos Semiótico", pela Giz Editorial de São Paulo. Ocorrerão nos dias 06 e 07 de outubro dentro do I Encontro de Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi. No dia 06 o evento começará às 21h na sala 511B, no primeiro andar do prédio da Unidade 5 no Campus Vila Olímpia (Rua Casa do Ator, 294). No dia 6, o evento ocorre no mesma unidade, dessa vez na sala 515 (também no primeiro andar) com início também às 21h.

O livro "Cinegnose: a Recorrência de Elementos Gnósticos na Recente Produção Cinematográfica Norte-americana" é o livro que deu origem a esse blog. O livro é a dissertação de Mestrado defendida na Pós em Comunicação Contemporânea (Análise de Imagem e Som) da Universidade Anhembi Morumbi-São Paulo no ano passado.

Nesse trabalho analiso a produção cinematográfica norte-americana recente (1995 a 2005) onde é marcante a recorrência de elementos temáticos inspirados em narrativas míticas do Gnosticismo (conjunto de seitas sincréticas de religiões iniciatórias e escolas de conhecimento nos primeiros séculos da era cristã).

Temos a frequência de temas como conspirações cósmicas, universos paralelos, amnésia e paranóia, além da ambivalente relação entre o sujeito e a realidade, consciência (especialmente alterada por estados de consciência iluminados) e revolta contra sistemas autoritários de controle. Filmes como Cidade das Sombras (Dark City, 1998), a Vida em Preto e Branco (Pleasantville, 1998), Show de Truman (Truman Show, 1998), Vanilla Sky (Vanilla Sky, 2001), entre outros, apresentam uma idéia geral de que o mundo que percebemos é uma ilusão criada por alguém que não nos ama e que a chave para revelar a ilusão e descobrir a realidade reside numa forma de autoconhecimento ou iluminação. Uma pista para descobrirmos essa conexão entre gnosticismo e cinema passa pela discussão entre misticismo e imaginário tecnológico. Esse período da produção cinematográfica norte-americana refletiria um imaginário tecnológico que alguns autores definem como “gnosticismo tecnológico” ou “tecnognose” (veja o Sumário do livro abaixo).


O Caos Semiótico

Já o livro "O Caos Semiótico - Ensaios Críticos de Estudos da Comunicação" é um relançamento, atualizado e ampliado. Lançado em 1996 teve duas edições pela Editora Terra. Esgotado o livro, não houve tempo para uma terceira edição com o fechamento da Editora Terra lá pelos idos de começo desse novo século.

Bem conhecido entre meus alunos da Universidade Anhembi Morumbi, passou, então, a frequentar sebos reais e virtuais na Internet e diversas cópias digitais em PDF.

Pois bem, finalmente teremos um relançamento com uma versão atualizada e ampliada. Composto por seis capítulos, o livro é estruturado em duas partes distintas: a primeira parte a “Psicanálise da Comunicação” e, a segunda, “Da Semiótica ao Pós-Moderno”( veja abaixo o Sumário do livro).

A novidade é o último ensaio do livro: “Tecnognose: do Vale do Silício à Hollywood”. Foi um artigo apresentado no II Simpósio Nacional da ABCIBER – Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura realizado em outubro de 2008 na PUC/SP. Esse trabalho foi o ponto de partida de um projeto desenvolvido no Mestrado em Cinema da Universidade Anhembi Morumbi sobre como o imaginário místico (ou gnóstico) por trás novas tecnologias computacionais vão contaminar a produção cinematográfica da recente produção norte-americana nos aspectos temáticos, narrativos, iconográfico e simbólico.


Lançamento dos livros "Cinegnose" e
"O Caos Semiótico"
  • Dia 06/10/2010 - 21h às 23h na sala 511B (primeiro andar) Unidade 5 Campus Vila Olímpia.
  • Dia 07/10/2010 - 21h às 23h na sala 515 (primeiro andar) Unidade 5 no Campus Vila Olímpia.
  • Local: I Econtro de Comunicação - Universidade Anhembi Morumbi (Rua Casa do Ator 294, Vila Olímpia, São Paulo).
Sumário do livro "Cinegnose"


Sumário do livro "O Caos Semiótico"


sexta-feira, setembro 03, 2010

Drogas, Discoteca e 3D: a materialização pop do místico e do sagrado

Dos primeiros espaços sensoriais multimídia das discotecas dos anos 70 ao cinema 3D da atualidade, acompanhamos a materialização neo-platônica de toda uma dimensão metafísica mística e sagrada: a materialização de todos os simbolismos arquetípicos da espécie diante dos nossos sentidos por meio da convergência das mídias para as tecnologias digitais. Qual o destino da milenar aspiração mística e religiosa por transcendência num ambiente altamente tecnologizado sob o controle de grandes corporações?


Em uma aula da disciplina Comunicação Visual na Universidade Anhembi Morumbi discutia com meus alunos as referências visuais de cada década. Em relação aos anos 70, apresentava as referências visuais da Disco Music: moda, comportamento e, principalmente, os espaços multi-sensorias que eram as discotecas. Luzes estroboscópicas, pistas de dança com luzes em movimento criando formas geométricas randômicas, gelo seco etc. Em termos de comportamento, sabemos que, ao longo das décadas as drogas acompanham cada tendência dentro da cultura pop. Na era da Disco Music acompanhamos a decadência das drogas lisérgicas e a ascensão das drogas "speed" como a cocaína. Diante de tanto estímulo sensorial, o importante era ficar ligado e dançar a noite inteira.

Um aluno levantou uma consideração importante: em ambientes como a discoteca já não eram mais necessárias as drogas lisérgica: os aparatos multisensorias já reproduziam os efeitos das viagens dos ácidos. Portanto, o mais importante era se manter ligado para estender a “viagem” promovida pela tecnologias sensoriais.

Essa talvez seja a questão crucial para entendermos o porquê da decadência das drogas lisérgicas e a ascensão das drogas “speed” (da cocaína ao ecstasy) que acompanhou as sucessivas tendências em moda e comportamento das últimas décadas. E mais do que isso. Nesta questão está embutida outra: se no estado alterado de consciência do lisérgico já estava presente a possibilidade de experiências místicas ou religiosas, será que a motivação secreta das tecnologias sensoriais e multimídia não seria a da materialização dessa possibilidade de uma forma mercantilizada e controlada? Em outras palavras: a virtualização das experiências místicas e religiosas através de uma catarse tecnológica multimídia.

No final de sua vida o neurocientista norte-americano Thimoty Leary (considerado o guru do LSD nos anos 60) já acreditava que os softwares dos computadores iriam substituir o LSD como meio indutor a estados alterados de consciência. Para ele, a televirtualidade era a palavra chave: com capacete e luvas de velcro, “smart drugs” na cabeça e programas que convertam na tela as ideias presentes no cérebro teríamos a libertação psíquica onde cada indivíduo criaria sua própria realidade.

Não é mera coincidência acompanharmos o crescimento das smart drugs paralelo ao desenvolvimento das tecnologias computacionais e virtuais, dos espaços multisensoriais de entretenimento (das danceterias habituais às raves) e da música eletrônica cujos artistas fazem constantes associações entre o som, transe e esoterismo new age.

Essa parece ser a essência da tecnognose: por meio do desenvolvimento de uma tecnologia que busca aprimorar a derradeira interface (as conexões entre as redes neuronais e redes eletrônicas), criar uma espécie de atalho para a aspiração sagrada por transcendência. Sob o pretexto de que as tecnologias oferecem um canal mais “limpo” e menos “químico” do que as drogas lisérgicas, a tecnognose cria as condições para o solipsismo (onde cada indivíduo cria seu próprio horizonte narcísico de experiências) e, ao mesmo tempo, favorece o controle por meio de sistemas de vigilância.

Materialidade das Imagens

Todas as tecnologias de produção de imagens, do cinema ao audiovisual, irão acompanhar esse movimento de materialização da experiência do místico e do sagrado. Por exemplo, no cinema acompanhamos uma profunda alteração no próprio dispositivo cinematográfico.

Com a evolução dos recursos digitais, croma key etc., progressivamente o cinema ou a própria câmera estão se desconectando da realidade. Se no passado, o dispositivo cinematográfico partia do objeto real (atores, cenografia, iluminação etc.), hoje, cada vez mais, prescinde de um referencial “realista”. Todos os recursos digitais de edição, montagem, efeitos especiais, na medida em que se virtualizam, estão cada vez mais materializando o imaginário (mitologia, fantasias etc.). O espectador tem, à sua frente, a transformação em imagens de todos os mitos, sonhos e fantasias.

Recursos tecnológicos aprimorados como o 3D ajudam a materializar todo um universo arquetípico do nosso inconsciente coletivo. Se no passado, era necessário a ascese, a disciplina da meditação, o domínio de técnicas e filosofias herméticas ou a indução a experiências místicas por meio de drogas pesadas, agora tudo o que buscávamos por meio desses instrumentos se materializa diante de nossos olhos numa tela.

Enquanto nossos corpos jazem inertes na poltrona confortável de um multiplex, nossos olhos veem a materialização das nossas aspirações arquetípicas.

Portanto, qual o destino de toda a dimensão metafísica do sagrado e da transcendência num contexto tecnológico multimídia? Se testemunhamos uma era neo-platônica onde toda a metafísica se materializa não só para nossos olhos, mas, cinestesicamente, para todos os sentidos, qual o destino da experiência do místico e do sagrado?

Toda a euforia de Thimoty Leary, que via nas tecnologias computacionais uma estrada de libertação psíquica, o fazia desprezar um importante detalhe: as grandes corporações que, afinal, detém o monopólio tecnológico do desenvolvimento e fabricação dos softwares e hardwares.

Se o futuro do cinema aponta para o fim do próprio suporte (a película) substituído por arquivos digitais transmitidos em streaming para as salas de projeção (realizando a convergência de todas as mídias às tecnologias computacionais), temos, então, a perigosa tendência da concentração midiática em poucos gigantes corporativos.

Na medida em que todo o material simbólico arquetípico (sonhos ou aspirações por transcendência da espécie) for materializado para fins de pura catarse ou entretenimento a transcendência se perderá na imanência: o controle político e social das grandes corporações. Ou, colocado de outra forma: se as drogas pesadas e lisérgicas podiam produzir não a transcendência ou iluminação, mas a dependência e auto-destruição, da mesma forma a materialização das imagens pode criar uma progressiva dependência viciosa de formas de entretenimento patrocinadas por um sistema sócio-político que a própria motivação mística e sagrada procurava transcender.

sexta-feira, julho 30, 2010

Autor do Blog "Cinema Secreto" lançará dois livros: "O Caos Semiótico" e "Cinegnose"

Já está no prelo da Giz Editorial dois livros que lançarei no próximo mês: “O Caos Semiótico – Ensaios Críticos de Estudos da Comunicação” e “Cinegnose: a recorrência de elementos gnósticos na recente produção cinematográfica norte-americana (1995 a 2005)”.

O primeiro é um relançamento, atualizado e ampliado. Lançado em 1996 teve duas edições pela Editora Terra. Esgotado o livro, não houve tempo para uma terceira edição com o fechamento da Editora Terra lá pelos idos de começo desse novo século.

Bem conhecido entre meus alunos da Universidade Anhembi Morumbi, passou, então, a frequentar sebos reais e virtuais na Internet e diversas cópias digitais em PDF.

Pois bem, finalmente teremos um relançamento com uma versão atualizada e ampliada. . Composto por seis capítulos, o livro é estruturado em duas partes distintas: a primeira parte a “Psicanálise da Comunicação” e, a segunda, “Da Semiótica ao Pós-Moderno”.

A novidade é o último ensaio do livro: “Tecnognose: do Vale do Silício à Hollywood”. Foi um artigo apresentado no II Simpósio Nacional da ABCIBER – Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura realizado em outubro de 2008 na PUC/SP. Esse trabalho foi o ponto de partida de um projeto desenvolvido no Mestrado em Cinema da Universidade Anhembi Morumbi sobre como o imaginário místico (ou gnóstico) por trás novas tecnologias computacionais vão contaminar a produção cinematográfica da recente produção norte-americana nos aspectos temáticos, narrativos, iconográfico e simbólico.


Cinegnose

O segundo livro, como dá para perceber pelo extenso título, só pode ser uma dissertação ou tese de pós-graduação. Trata-se do primeiro caso: "Cinegnose" é uma dissertação de Mestrado defendida na Pós em Comunicação Contemporânea (Análise de Imagem e Som) da Universidade Anhembi Morumbi-São Paulo no ano passado.

Nesse trabalho analiso a produção cinematográfica norte-americana recente (1995 a 2005) onde é marcante a recorrência de elementos temáticos inspirados em narrativas míticas do Gnosticismo (conjunto de seitas sincréticas de religiões iniciatórias e escolas de conhecimento nos primeiros séculos da era cristã).

Temos a frequência de temas como conspirações cósmicas, universos paralelos, amnésia e paranóia, além da ambivalente relação entre o sujeito e a realidade, consciência (especialmente alterada por estados de consciência iluminados) e revolta contra sistemas autoritários de controle. Filmes como Cidade das Sombras (Dark City, 1998), a Vida em Preto e Branco (Pleasantville, 1998), Show de Truman (Truman Show, 1998), Vanilla Sky (Vanilla Sky, 2001), entre outros, apresentam uma idéia geral de que o mundo que percebemos é uma ilusão criada por alguém que não nos ama e que a chave para revelar a ilusão e descobrir a realidade reside numa forma de autoconhecimento ou iluminação. Uma pista para descobrirmos essa conexão entre gnosticismo e cinema passa pela discussão entre misticismo e imaginário tecnológico. Esse período da produção cinematográfica norte-americana refletiria um imaginário tecnológico que alguns autores definem como “gnosticismo tecnológico” ou “tecnognose”.

Aguarde nesse Blog mais notícias sobre datas de lançamentos.

sexta-feira, julho 16, 2010

"Para o Infinito e Além": a Gnose de Buzz Lightyear


A trilogia Toy Story explora uma rica simbologia sagrada cujas origens estão na antiguidade com a Teurgia e Alquimia que envolve a gnóstica relação com os simulacros humanos (bonecos e fantoches e, na modernidade, autômatos, replicantes e andróides). Porém, de forma ambígua onde a Gnosis é dominada pela Episteme.

Certa vez o Prof. Marcelo Tassara, em uma das aulas do Mestrado em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi, falou sobre a habilidade das animações norte-americanas, voltadas para o público infantil, de tornar divertidos temas trágicos, pesados e adultos.

Desde Bambi (onde o protagonista perde a mãe de forma cruel) até Wall-E (ficção científica cínica e dark) as animações dos estúdios norte-americanos exercitam essa capacidade de fazer crianças rirem do cruel e do trágico.

A trilogia Toy Story não é diferente. Brinquedos desesperados em não perder o amor e a atenção do seu dono Andy (o mítico plot freudiano da relação da criança com a mãe na primeira infância), crianças sádicas que destroçam cruelmente brinquedos (outro plot freudiano, a crueldade infantil do drama edipiano ainda não resolvido) e um personagem, Buzz Lyghtyear, que acredita plenamente no script inserido nos seus chips pela indústria fabricante, a identidade de herói intergalático. Buzz não se acha um brinquedo, mas um herói dentro de uma narrativa espacial épica.

Até que, numa sequência rica em simbologias, Buzz vê a si mesmo (ou para mais um exemplar da sua série) numa propaganda na televisão, onde o fabricante anuncia o produto Buzz Lightyear com suas especificações, embalagem e as falas pré-programadas que Buzz repete como suas. Em destaque no comercial uma frase que decisivamente desconstrói Buzz: “esse produto não voa”. Perplexo, desiludido e impotente, mesmo assim Buzz tenta voar saltando do alto de uma escada para se esburrachar em seguida. Uma sequência triste, assim como a perda da inocência da infância, uma metalinguagem forçosa que toda criança terá que fazer ao descobrir que os scripts de seus jogos infantis estão contidos num mundo ainda maior e incompreensível.

Toy Story explora uma simbologia arquetípica dos bonecos e fantoches, isto é, a simbologia mística e sagrada dos simulacros humanos onde, na atualidade, temos a continuação com Replicantes, Ciborgues e personagens humanos híbridos. Uma simbologia essencialmente gnóstica onde o homem projeta, no seu simulacro, a sua própria condição de prisioneiro na realidade física criada por um Demiurgo ou Titereiro. Na cultura popular do século XX temos um aumento do fascínio por autômatos e bonecos com o surgimento do conceito marionete-mestre (humana ou divina) inserida dentro de uma cosmologia gnóstica das relações entre homem/autômato e homem/deus. Esse fascínio por autômatos ou marionetes dentro desse gnóstico esquema simbolizaria a maneira pela qual podemos avaliar a própria experiência humana, ou seja, como nos vemos como prisioneiros dentro de um cosmos hostil.

Teurgia e Alquimia

O fascínio humano por bonecos, fantoches (que, mais tarde, se tornariam brinquedos infantis) e demais simulacros humanos têm sua origem nos filósofos e sacerdotes Helenísticos. Platão falava em um ser chamado Demiurgo, criador do mundo visível, personagem largamente usado na antiguidade para explicar a origem da alma humana a partir de uma forma Divina e Original: Anthropos. Do Mundo das Formas Anthropos desceu ao mundo material, originando o homem.

Apesar de ser uma forma inferior, o ser humano teria dentro de si fagulhas divinas da sua origem (Anthropos). Portanto, objetivo da sua existência seria galgar os degraus que o façam retornar às suas origens divinas. Nós, humanos, não passaríamos de simulacros do Humano Primal, assim como o mundo dos nossos sentidos é um simulacro do Mundo das Formas. Através do autoconhecimento ou gnose poderíamos então retornar à Luz é à vida eterna possuída por Antropos, esse humano essencial.

A Teurgia surge no mundo helenístico como a primeira forma de alcançar isso através da manipulação da matéria onde, assim como o Demiurgo, podemos dar vida e alma a uma forma material e inferior. Se temos dentro de nós uma parte desse Anthropos, podemos retornar a ele exercendo as mesmas habilidades reservada aos deuses: imitatio dei por generatio animae, imitar Deus criando vida.


Para Victoria Nelson (“The Secret Life of Puppets”) essa é a origem secreta do fascínio atemporal por bonecos e fantoches ao longo da história. Para a autora, é na Alquimia que temos esse encontro decisisivo entre gnosis e epistemis, entre a ciência experimental e a prática religiosa através de sucessivas operações que reproduzem as etapas da criação do cosmos físico pelo Demiurgo até a redenção da matéria representado pela criação da “Pedra Filosofal” ou da “criança/homunculus” (“pequeno homem”, também chamado como “mannikin”).

Na modernidade, essas origens sagradas são relegadas ao mundo da infância e, na literatura e cinema, ao gênero do terror: Frankenstein, bonecos assassinos e fantoches que ganham vida própria e dominam seu criador, bonecos de vudu etc.

Na infantil fusão entre brinquedo e criança, onde a alma do objeto absorve as melhores qualidades do seu dono (ternura, bondade, coragem etc.) temos esse simbolismo atemporal da dimensão sagrada dos simulacros humanos. Se no mundo adulto a espisteme reprime a gnosis (a racionalidade supera o Sagrado), será na infância o último e transitório reduto dessa dimensão perdida.

Como vimos em postagem anterior, são nos jogos infantis que a criança ri do Mal (acaso, aleatório, acidente) presente no cosmos físico. Da mesma forma, a atualização da manipulação dos simulacros humanos na infância é a sobrevivência desses mitos teúrgicos e alquímicos da antiguidade. A fusão boneco/criança (a projeção na matéria inanimada das manifestações das partículas de Luz divina presentes em cada um de nós) repete, para a visão do adulto, de forma pueril e inconsequente, todo o drama mítico dos passos a serem galgados para a gnose.

Simulacros Humanos na Indústria do Entretenimento

Voltando à sequência em que Buzz Lightyear descobre-se como um briquedo, Toy Story explora e atualiza este fascínio gnóstico pelos simulacros humanos: assim como no Gnosticismo o ponto de partida da gnose é a descoberta que o mundo real não passa de um véu de ilusões, Buzz descobre que toda a sua existência não passava de um programa pré-fabricado pela indústria de brinquedos.

Mas há uma ambigüidade nessa gnose de Buzz Lightyear.

Sabemos que, desde Toy Story de 1995, os roteiros das animações dos Studios Wall Disney são orientados pelo chamado “Memorando de Vogler”: um memorando corporativo escrito por Christopher Vogler propondo uma estrutura de formulas para um roteiro de sucesso baseado nas idéias do historiador de mitos Joseph Campbell como solução para o estúdio superar os sucessivos fracassos das animações do estúdio nos anos 80. A partir daí originou-se o bem sucedido “Paradigma Disney” de roteiro baseado na arquetípica “Jornada do Herói”.

Mas apenas isso não sustenta uma estrutura-clichê de um produto de entretenimento. É necessário mais: conteúdos arquetípicos que falem fundo para a alma humana. Assim como a gnose de Buzz que trás o fascínio atemporal pelo drama de fantoches e bonecos que lutam pela liberdade (veja, por exemplo, em Blade Runner – 1982 – e Quero ser John Malkovich – 1999).

Na verdade uma gnose governada pela episteme (toda a tecnologia de produção de imagens digitais e a estrutura-clichê dos roteiros). Se na Teurgia e Alquimia Gnose e Episteme buscam o encontro, aqui na indústria do entretenimento temos a submissão da Gnose, do Sagrado e de toda dimensão mística à Episteme: a busca por resultados financeiros do estúdio, o cálculo científico das reações emotivas do público etc. Brinquedos que não são mais manufaturados pela criança, mas pela indústria do entretenimento que, tal qual o Drama de Buzz, impõe um script à fantasia infantil.

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domingo, julho 04, 2010

Trabalho de conclusão da pós da UAM estuda a recorrência de anjos na recente produção cinematográfica

Entender como a figura mitológica e arquetípica do Anjo é representada no cinema a partir de análises fílmicas, análise da imagem e Mitologias foi o objetivo de Ionara Lermen e Milton Siqueira Jr. com o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) "Cinema e Mitologia: a representação fílmica do personagem anjo", defendido em banca pública no dia 19/06 na pós-graduação em Cinema da Universidade Anhembi Morumbi (UAM).

A oportunidade que tive em orientar este TCC dentro do programa de pós em Cinema, Fotografia e Multimídia da Universidade Anhembi Morumbi foi de grande sincronicidade. O projeto de Ionara e Milton foi apresentado para mim num momento em que ministrava a disciplina Estrutura de Roteiro na Graduação em Comunicação e estava envolvido nas discussões em torno de Campbell, Vogler e a utilização de arquétipos e narrativas míticas nos roteiros cinematográficos e, ao mesmo tempo, vinha de recente defesa da dissertação de mestrado sobre a recorrência de elementos do Gnosticismo na produção cinematográfica.

A partir do filme de Win Wenders, Asas do Desejo (1987), a pesquisa da dupla detectou um crescimento no número de filmes que trabalham com o personagem arquetípico do anjo. O por quê dessa tendência, a pesquisa apontou para três hipóteses:

Primeiro: o crescimento na utilização da simbologia arquetípica em diversas narrativas midiáticas audiovisuais como publicidade, telenovela etc., com o objetivo de despertar desejos e associar temas, emoções e sentimentos a marcas, como na Publicidade.

Segundo: partindo das idéias de Nelson Brissac Peixoto, a recorrência do personagem Anjo no cinema seria um sintoma da saturação das imagens e estímulos sensoriais organizados como clichês dentro da Pós-Modernidade. A figura do Anjo representaria o anseio pela pureza, inocência perdida, um "olhar da primeira vez" de um anjo que vivia na eternidade e, de repente, cai no mundo material e experimenta as experiências banais pela primeira vez, buscando a transcendência no mundo material.

Terceiro: A própria evolução tecnológica do cinema que não mais precisa de luzes e película para as suas produções. Através de ferramentas oferecidas pela computação gráfica e seus efeitos especiais a criação de personagens etéreos e divinos torna-se mais fácil, tornando-se uma tendência considerável nos últimos anos. Soma-se a isso, personagens como gnomos, duendes, fadas, ETs etc.

A partir de análises de filmes como Asas do Desejo, Dogma, Anjos Rebeldes, Cidade dos Anjos, Constantine, a dupla de pesquisadores descobriu que as características mitológicas são conclusivamente judaico-cristãs.

O Curta-Metragem


Ao final a dupla apresentou sua produção audiovisual no formato curta-metragem "Se Essa Rua Fosse Minha" (o TCC da Pós em Cinema e Fotografia da UAM consiste na produção de artigo científico e de um produto audiovisual). O projeto teve o objetivo de inverter a fábula presente na cantiga infantil contando a história de um relacionamento entre um anjo e uma menina, o mundo da "miticidade" e o da realidade "mundana".
Mais do que isso, através de uma atmosfera dramatúrgica permeada de ludicidade e surrealismo, o curta re-interpreta a figura do anjo por um viés gnóstico: através de elementos simbólicos como o céu, a pena (que representa as asas), as brincadeiras infantis, a maçã, o caminho de brilhantes e o coração, o anjo abandona as representações tradicionais judaico-cristãs para ingressar no universo mítico do Gnosticismo. Nesse curta, o a anjo quase vira um Aeon!

Ficha Técnica:

  • Roteiro e Direção: Ionara Lermen e Milton Siqueira Jr.
  • Atores: Rafael Reigado (Anjo Azhazel), Ana Beatriz Cedro (Isabel criança), Fernanda Migotto (Isabel adulta).
  • Direção de Fotografia e Montagem: Milton Siqueira Jr.
  • Direção de Arte, Figurisno e arte gráfica: Ionara Lermen
  • Trilha Sonora: André Cortada
  • Agradecimentos: Ultrassônica Produções e ITD-Instituto Tecnológico Diocesano Santo Amaro
  • Orientação: Prof. Me. Wilson Roberto V. Ferreira

domingo, maio 09, 2010

Grupo de Pesquisas da UAM discute a "materialidade das imagens"

A ruptura do paradigma tecnológico no cinema atual (a ruptura com o referencial "realista" do dispositivo cinematográfico com as tecnologias digitais) proporciona a "materialização" de todo o imaginário mítico ou arquetípico humano diante de nossos olhos. Qual a implicação disso na experiência da gnose no Cinema? Esse foi o principal tema discutido na reunião do Grupo de Pesquisa sobre Religião e o Sagrado no Cinema e Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi (UAM)

Neste último sábado (08/05) continuei a apresentar os resultados das minhas pesquisas sobre o tema Cinema e Gnosticismo dentro da programação de Seminários Avançados do Grupo de Pesquisas sobre Religião e o Sagrado no Cinema e Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi (UAM). Participaram do encontro o Prof. Dr. Luiz Vadico, a profa. Celina Paiva, Profa. Ilca Moya e Karyna Berenguer.

Basicamente a apresentação expôs o tema das últimas postagens desse blog: O porquê o cinema gnóstico ser uma tendência norte-americana e hipóteses para explicar o Gnosticismo em Hollywood (clique aqui para ler). A hipótese do “Sincromisticismo”, proposta por Jason Horsley (“The Secret Life of Movies: Schizophrenic and Shamanic Journeys in American Cinema”), proporcionou as maiores discussões. Horsley faz um mapeamento da esquizofrenia e paranóia no cinema norte-americano, procurando entender como o cinema pode ser visto como um diagnóstico de uma sociedade igualmente paranóica e esquizofrênica. Mais do que um diagnóstico, o cinema poderia possibilitar “jornadas xamânicas”, a possibilidade de o espectador experimentar um estado alterado de consciência, vivenciando simultaneamente lugares diferentes (a experiência do 3D poderia ser um exemplo disso). Explicando melhor, se a vida é mito (negada pela racionalização da sociedade), a única forma de compreender a própria realidade seria por meio de uma “jornada xamânica” (gnose) atraavés de narrativas fílmicas esquizos e paranóicas.

O Prof. Dr. Luiz Vadico propôs um interessante fator complicador para essa hipótese, ao sugerir que na atualidade está ocorrendo uma profunda alteração no próprio dispositivo cinematográfico: com a evolução dos recursos digitais, croma key etc., progressivamente o cinema ou a própria câmera estão se desconectando da realidade. Se no passado, o dispositivo cinematográfico partia do objeto real (atores, cenografia, iluminação etc.), hoje, cada vez mais, prescinde de um referencial “realista”. Todos os recursos digitais de edição, montagem, efeitos especiais, na medida em que se virtualizam, estão cada vez mais materializando o imaginário (mitologia, fantasias etc.). O espectador tem, à sua frente, a transformação em imagens de todos os mitos, sonhos e fantasias. Se para o Gnosticismo o processo da gnose é a ascese, ou seja, a elevação a partir da condição somática, como ficaria essa possibilidade com a materialização do próprio imaginário por meio das imagens? Se a “vida secreta” do cinema é o mito (o sub-texto do roteiro), não teríamos hoje a concreção dessa dimensão mítica? O virtual estaria se tornando atual? Voar sem asas, tomar banho em cachoeiras de chocolate realizam-se diante dos nossos olhos, sem uma disciplina ascética, sem qualquer experiência mística ou estado alterado de consciência.

Desde movimentos artísticos como o Surrealismo ou o Expressionismo Alemão, procura-se materializar, diante dos nossos olhos, sonhos, mitos e pesadelos. No caso do Expressionismo Alemão, seus artífices tiveram à época todo o know how resultante das experiências em edição, montagem para produzir densas atmosferas de pesadelo e paranóia. É claro, que na atualidade as novas tecnologias rompem com o velho paradigma cinematográfico (o referente real e a película) para produzir imagens míticas muito mais “verossímeis”, com a imersão do próprio espectador nelas. Talvez estejamos diante de mais um exemplo do “atalho para Satori” (na expressão de Theodore Roszak), motivação secreta do tecnognosticismo: por meio das novas tecnologias computacionais alcançar a gnose sem a necessidade da ascese (em termos alquímicos, sem a necessidade de redimir a matéria, simplesmente descartando-a).

Se Horsley observou todo um movimento de reação dentro do cinema hollywoodiano em criar plots racionalizantes nos roteiros para confinar as experiências fílmicas esquizos e xamânicas dentro de limites politicamente seguros, talvez essa tecnologização tecnognóstica da experiência cinematográfica seja mais um movimento racionalizante e de confinamento da experiência do sagrado. As próprias tecnologias dos efeitos especiais tornam-se o marketing promocional do próprio filme. É a fetichização da técnica. Como em Avatar ou Titanic, o filme é promovido muito menos pelas qualidades artísticas do roteiro ou narrativa (aliás fracos) e muitos mais pelos making offs dos efeitos especiais e das novas tecnologias empregadas e, principalmente, dos custos astronômicos envolvidos (sempre ouvimos falar em “filmes mais caros da história”).

Os aspectos místicos ou metafísicos da experiência são colocados em segundo plano pelas crifras astronômicas e pelas façanhas da indústria e da tecnologia.

O próximo encontro do grupo será no dia 05 de junho com a apresentação do seminário da Profa. Ilca Moya sobre a sua pesquisa sobre as relações entre o Sexo e o Sagrado.

segunda-feira, abril 19, 2010

Reunião do Grupo de Pesquisas da UAM discute relações entre Gnosticismo e Cinema

No seminário avançado na última reunião do Grupo de Pesquisas sobre Religião e Sagrado no Cinema e Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi (UAM) aprofundou-se as discussões em torno da recorrência de elementos gnósticos na recente produção cinematográfica. Foi abordado desde a natureza do Sagrado na experiência da gnose presente nas narrativas fílmicas até a experiência tecnognóstica propiciada pela introdução do 3D no dispositivo cinematográfico.

Dando continuidade aos seminários avançados do grupo de pesquisas sobre Religião e o Sagrado no Cinema e Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi, apresentei os resultados das minhas pesquisas sobre Cinema e Gnosticismo. Participaram das intensas discussões do seminário na tarde do último sábado (17/04) o Prof. Dr. Luiz Vadico (professor do Mestrado da UAM), a Profa. Ilca Moya da UAM e Geraldo de Lima (Mestre pela UAM).

A apresentação se iniciou com a minha proposta sobre a busca pela “Negatividade do Sagrado”, já discutido em postagens anteriores neste blog (clique aqui para ler sobre o conceito de “negatividade do sagrado”). A partir da tese de doutorado de Eduardo Losso “Teologia Negativa e Adorno – a secularização da mística na arte moderna” (Faculdade de Letras da Universidade federal do RJ) onde se discute as diferenças entre Teologia Positiva, Teologia Negativa e Metafísica dentro do pensamento de Theodor Adorno, procurei traçar o gnosticismo como uma Teologia Negativa ou herética e como essa natureza se manifesta no filme gnóstico.

O primeiro aspecto é a diferença entre gnose e auto-conhecimento (tal como preconizado pela literatura de auto-ajuda) nos filmes gnósticos. Embora possamos qualificar a gnose como uma “reforma íntima” do protagonista, não se confunde com o auto-conhecimento. Enquanto a gnose se origina na Teologia Negativa (onde o indivíduo não se submete à Totalidade mas rompe com essa ordem criada pelo Demiurgo), ao contrário, o auto-conhecimento busca inserir o indivíduo numa totalidade racionalizante e confortadora (seja religiosa ou científica). Essa é a Teologia Positiva onde a verdade está na Totalidade e não na existência individual. Por isso, esse discurso da auto-ajuda ou New Age (“Somos todos um”) se converteria numa falsa experiência do sagrado, porque totalitária: o sagrado como uma percepção intuitiva do Todo. Diferente desse ideário, a gnose é a percepção intuitiva de uma ausência de sentido no Todo, porque constructu arbitrário e corrompido de um Demiurgo (o reality show de Show de Truman ou o mundo virtual da Matrix).

O segundo aspecto está na construção narrativa dos filmes gnósticos onde não há restabelecimento da ordem: nos filmes gnósticos o protagonista não é punido pela transgressão da ordem. Ao contrário das exigências decorrentes dos gêneros comerciais onde o clichê de quebra-da-ordem-e-retorno-a-ordem é dominante, no filme gnóstico a quebra da ordem não é punida, isto é, não há um restabelecimento da ordem (seja social, política, institucional, familiar, moral ou pessoal) com a punição das pretensões de ruptura das ilusões da realidade material.

Filmes 3D, Imersão e estado de suspensão gnóstica

Vadico propôs se os recursos digitais e do 3D no cinema estariam introduzindo não apenas a alteração da relação do público com o filme (de espectador passivo a uma relação de jogo) mas de criar uma experiência gnóstica de transcendência do corpo ao simular uma situação de imersão. Teríamos, dessa forma, a alteração não apenas da recepção como também do próprio dispositivo cinematográfico.

Para mim, essa aproximação das inovações tecnológicas do dispositivo cinematográfico e uma experiência espiritual tecnognóstica lembra o estado de “suspensão” de Basilides (filósofo gnóstico de Alexandria - 117-138 DC- possivelmente originário de Antioquia). Para ele, a gnose somente poderia ser buscada por um específico estado alterado de consciência: o silêncio, o esvaziamento da mente de todo ou qualquer pensamento pois a linguagem e o conhecimento são fontes de erro (Deus é inapreensível e icogniscível) e o estado mental de suspensão. Essa hipótese tecnognóstica no dispositivo cinematográfico mostrou-se interessante nas discussões, pois se associou ao personagem gnóstico do Viajante. A simulação de imersão do espactador no filme lembra um estado de suspensão (entre o corpo físico e a narrativa fílmica, isto é, o espectador tem a sensação de estar sendo impelido para uma outra dimensão sensorial mas, ao mesmo tempo, sabe estar em uma situação ficcional).

Como vimos em postagens anterioras desse blog a respeito dos protagonistas nos filmes gnósticos (clique aqui para ler), essas são características do personagem Viajante e o tema é “O Jogo”. Se a experiência de imersão do 3 D cria uma relação de jogo entre espectador e narrativa fílmica, estaríamos diante de uma tendência onde o filme gnóstico (como Avatar, por exemplo) estaria explorando a recorrência de elementos do gnosticismo não apenas na narrativa, mas, inclusive, na relação do público com o dispositivo ao simular estados alterados de consciência tecnognósticas.

Isso suscitou outra questão: qual o sentido dessa experiência “tecnognóstica”? É uma verdadeira experiência de gnose ou de sagrado? Isso levou a lembrar das críticas de autores como Erick Felinto e Theodore Roszak (veja de Felinto o livro “Religião das Máquinas” e de Roszak o livro , “From Satori to Silicon Valley: San Francisco and the American Counterculture”) fazem dessa aproximação paradoxal entre novas tecnologias e o impulso místico do Gnosticismo. Roszak, ironicamente, afirma que a tecnologia seria um “atalho para Satori”, um atalho para mais rapidamente alcançar o descarte da existência física do corpo.

Lembrei que devemos diferenciar entre duas vertentes históricas do Gnosticismo, a partir do Gnosticismo clássico do início da era cristã: o Gnosticismo Cabalístico e o Gnosticismo Alquímico. Enquanto o primeiro vê a matéria como disforme, caótica e sem vida própria, necessitando ser organizada e vivificada pelo espírito (e, por esse motivo, encarada como grilhões que confinam a plenitude espiritual), no segundo a matéria não deve ser simplesmente descartada, mas redimida (a manipulação alquímica da matéria tem a ver com o próprio refinamento espiritual). Esse tecnognosticismo cinematográfico se enquadraria nessa busca de um atalho para a gnose, de forma rápida, lúdica e irrefletida. Essas formas tecnognósticas levariam a conseqüências como o solipsismo e a uma liquidação do indivíduo no interior de uma totalidade tecnocientífica.

domingo, março 07, 2010

Grupo de Pesquisas da UAM discute filmes de Mel Gibson

Filmes dirigidos por Mel Gibson, principalmente o polêmico A Paixão de Cristo, buscam uma transcendência religiosa ou filosófica ou são meros reflexos do neo-conservadorismo político e cultural da passada era Bush?
O Grupo de Pesquisas sobre Religião e o Sagrado no Cinema e Audiovisual, formado no ano passado na Universidade Anhembi Morumbi (UAM), deu início ao ciclo de seminários avançados. O primeiro componente do grupo a expor suas pesquisas foi Cléver Cardoso T. de Oliveira (estudante de Rádio e TV da UAM e estudante de Filosofia da USP) onde apresentou as conexões entre dois filmes de Mel Gibson (Paixão de Cristo - The Passion of Christ, 2004 e Apocalypto - Apocalypto, 2006) com conceitos do filósofo político teuto-americano Leo Strauss (1899 - 1973).

Autor do livro "Direito Natural e História" é tido por muitos como o pai intelectual de todo o neo-conservadorismo norte-americano e da cúpula de dirigentes do governo Bush e das suas políticas neo-liberais. Sua obra procura combater o relativismo do olhar multiculturalista da antropologia, isto é, através da Razão e do Direito Natural, tenta encontrar um ponto de referência filosófico que permita o estabelecimento de juízos sobre culturas diversas no tempo e no espaço.

Através desse referente, por assim dizer, fixo que pairaria sobre todos os relativismos culturais, poderíamos entrar no interior de uma cultura e participar dela, ao contrário do olhar antropológico ocidental que se distância por meio de uma espécie de “olhar de sobrevôo”.

Para Cléver, os filmes de Mel Gibson A Paixão de Cristo e Apocalypto procuram exatamente isso ao utilizar-se de recursos fílmicos que permitam ao espectador, muito mais do que uma identificação, entrar no corpo do próprio protagonista e personagens.

Recursos como o da linguagem falada nos filmes ser a da própria época retratada (aramaico em Paixão de Cristo e a linguagem maia Yucateco em Apocalypto), um áudio “hiperreal” (sons exageradamente audíveis como a dos instrumentos de flagelo de Cristo utilizados pelos soldados romanos, o ranger da madeira da Cruz sob o peso de Cristo, as flechas que cortam o ar em Apocalypto etc.), os planos de câmera em ponto de vista (como de Cristo que cai quase sem sentidos após ser torturado e vê a todos ao redor de um plano invertido, o ponto de vista das cabeças decepadas que rolam pela escadaria da pirâmide maia, entre outros exemplos analisados por Cleverson.

A discussão ficou em torno dessa questão: será que essa transcendência que Mel Gibson procura no sentido de que nos despojemos do ponto de vista da cultura da atualidade e entremos na cultura daquela época retratada para que possamos fazer um juízo racional (será que os judeus foram os verdadeiros assassinos de Cristo? Será que a vingança do protagonista em Apocalypto foi justa ao defender sua família a fúria sanguinária dos maias) é muito menos religiosa ou filosófica e muito mais reflexo do conservadorismo político da era Bush? Afinal, esse esforço em buscar um D

ireito Natural para além do Direito Positivo que nos permitiria julgar ações no interior de uma dada cultura não seria um discurso que cairia como uma luva para a política internacional de luta contra o “eixo do mal” do governo Bush Jr.? Como, por exemplo, impor a democracia, mesmo que seja à força através do sacrifício de milhares de civis inocentes, a países distantes geográfica e culturalmente.

Em Apocalypto, por exemplo, a cena final do filme (os maias avistando a chegada das caravelas dos conquistadores espanhóis) vai de encontro ao ponto de vista da xenofobia do neo-conservadorismo: a força dos estrangeiros é proporcional ao enfraquecimento moral interno da cultura ocidental (vítima do relativismo e do niilismo). A epígrafe que abre o próprio filme (“Uma grande civilização não é conquistada de fora, até que tenha destruído a si mesma por dentro”) é uma pista para podermos considerar esse filme uma fábula neo-conservadora sobre a política internacional.

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quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Grupo de Pesquisas sobre Cinema e Audiovisual realiza seu primeiro encontro



O Grupo de Pesquisas sobre Religião e Sagrado no Cinema e Audiovisual, da Universidade Anhembi Morumbi, realizou seu primeiro encontro que definiu as linhas de pesquisa, a sistemática de trabalhos e forma de publicação dos resultados das pesquisas




Realizou-se no dia 06/02 a primeira reunião do Grupo de Pesquisas formado na Universidade Anhembi Morumbi sobre “Religião e o Sagrado no Cinema e Audiovisual”. Contou com a participação do Prof. Dr. Luiz Vadico do Programa de Mestrado da Universidade (expondo seu tema sobre o desenvolvimento dos filmes sobre Cristo e o desenvolvimento do conceito de “filme religioso”, da Profa. Ilca Moya da UAM (apresentando sua proposta de estudos sobre as relações entre o Sagrado e o Sexo a partir das idéias de Bataille),da mestranda da UAM Karyna Berenger (expondo sua proposta de aprofundar as relações da religião e do sagrado na obra cinematográfica de Andrei Tarkovsk), do aluno do curso de Rádio e TV da UAM Clever Cardoso Teixeira de Oliveira (que expôs a sua proposta sobre uma ontologia do cinema a partir de Gilles Deleuze e, também, uma discussão teológica a partir de Santo Agostinho e a relação com o cinema de Win Wenders – principalmente “Asas do Desejo”), Marcos Aleksander Brandão (apresentando sua proposta a partir da sua dissertação defendida no mestrado da UAM – “Transtextualidade Remixada em Moulin Rouge” – com a discussão da aceleração das imagens no cinema e o sagrado e o profano, e Wilson Roberto V. Ferreira (expondo as pesquisas em torno do tema Gnosticismo e Cinema e suas relações com a Teologia Negativa em T. Adorno).

Até o final do ano, o grupo de pesquisa pretende reunir o resultado das pesquisas individuais dos componentes em uma coletânea a ser publicada.

Como proposta de sistemática de trabalho, a cada encontro mensal ocorrerá a apresentação de dois seminários com os participantes do Grupo. Para o próximo encontro, dia 06/03, Clever de Oliveira e Wilson Ferreira farão as primeiras exposições e discussões dentro do programa de seminários.

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quarta-feira, dezembro 16, 2009

Criado na UAM Grupo de Pesquisas "Religião e Sagrado no Cinema e Audiovisual"


Grupo de Pesquisas da Universidade Anhembi Morumbi objetiva ampliar, incentivar e divulgar a pesquisa na área.


O grupo dedica-se ao estudo das diferentes manifestações da Religião e do Sagrado no cinema e no audiovisual. O objetivo é compreender a forma como as diversas práticas religiosas lidaram e se apropriaram dos meios de comunicação, bem como buscar entender a experiência que permite a sobrevivência de fragmentos do discurso religioso, e do sagrado, na contemporaneidade. Essa compreensão passa pela busca de novos métodos de análise que permitam disponibilizar maneiras adequadas a todos os pesquisadores para lidarem e reconhecerem as várias facetas dos veios religiosos. Formam o grupo os seguintes pesquisadores:

Linha 1:

  • Celina Paiva: Busca compreender as múltiplas facetas da violência contemporânea e o sagrado.

  • Ilca Moya: Pretende aprofundas os estudos nas relações entre Sexo e Sagrado.

  • Geraldo de Lima: aprofunda suas pesquisas no campo dos mundos paralelos e examina os mundos propostos pelo sagrado.

  • Karyna Berenguer: aprofunda as relações do sagrado e da religião na obra de Andrei Tarkovsk.

  • Wilson Ferreira: Aborda a questão do Gnosticismo no cinema Contemporâneo.

Linha 2:


  • Angelúcia Habert: seu último trabalho analisava os gestos das benzedeiras no documentário de Andréia Tonacci. Situando-se nas relações antropológicas do tema.

  • Luiz Vadico: Estuda estética, narratividade e formação dos Filmes de Cristo, e desenvolve trabalho com o Campo do Filme Religioso.

  • Daniel Paes: Verifica a influência Católica no Cinema através das Revistas de Crítica cinematográfica mantida pelas instituições religiosas.

  • Marcos Brandão: aprofunda o tema da redenção e do sacrifício e as suas influências estéticas e narrativas nos musicais.

  • Miguel Serpa Pereira: Aprofunda as discussões relativas ao Cinema praticado por cineastas cristãos.
Leia mais no Blog "Luiz Vadico - Religião e Audiovisual"

domingo, dezembro 13, 2009

Pesquisa da Pós em Cinema da UAM apresenta religiosidade no cinema documental


Ao aproximar a Teoria da Tragédia Moderna com o jogo da representação cinematográfica, pesquisa aponta para o gnosticismo no cinema documental

Participei neste último sábado (12/12) de uma banca examinadora do trabalho de conclusão da pós lato sensu em cinema da Universidade Anhembi Morumbi. O trabalho era de Vivian Cristina Cardozo com o tema “Da Tragédia Moderna ao Jogo de Representação no Documentário Jogo de Cena de Eduardo Coutinho”. A apresentação oral de Vivian apenas confirmou-me o que senti na leitura do trabalho: uma potencial discussão sobre a presença da religiosidade e do sagrado no audiovisual.
Vivian inicia fazendo um histórico das transformações do conceito de tragédia na arte dramática: das trajetórias dos personagens míticos da antiguidade, passando pelas tragédias medievais e elizabetanas (momento de transição do herói coletivo para o herói indivíduo) até chegar a tragédia na Modernidade. Temos, então, um novo modelo estético ficalizado na angústia, sofrimentos e dilemas individuais. A Justiça é algo abstrata, restando ao homem isolado no mundo apegar-se à “religiosidade” para fazer frente à experiência da morte e da perda.
Vivian vai localizar este componente no documentário de Eduardo Coutinho Jogo de Cena, onde 23 mulheres relatam seus acontecimentos trágicos, “pequenas tragédias pessoais de mulheres comuns, que tentaram resgatar suas próprias histórias por meio da experiência audiovisual.”
O interessante é a aproximação que autora faz entre o foco trágico de Coutinho com elementos narrativos auto-reflexivos: atrizes que interpretam as protagonistas reais e que, mais tarde, falam para a câmera a dificuldade que tiveram para interpretar o papel, narrativa que incorpora elementos cênicos típicos do teatro etc. O jogo de representação de Coutinho (atrizes, cenários, visão frontal do espectador e personagens reais) cria situações ambíguas: ao entrar uma pessoa em cena, o espectador não sabe se é uma entrevistada ou atriz. O objetivo é produzir distanciamento, reflexão sobre as histórias contadas.
O resultado da pesquisa de Vivian foi a produção de um pequeno documentário dirigido pela autora, Aquarius, onde em aproximadamente 10 minutos vemos o depoimento de duas atrizes sobre experiências de perda e morte (também experimentados na vida pessoal da autora). Temos aqui o apego à “religiosidade”: sonhos que o papel volta para se despedir, a gravidez de uma das atrizes contrapondo-se com a morte (morte/renascimento) etc.


Cena de "Aquarius"

Que experiência “religiosa” é essa? Com certeza não uma religiosidade cristã tradicional, mas uma experiência muito mais mística do que propriamente religiosa. Faz parte da tragédia na Modernidade: isolado em um mundo aparentemente sem sentido, dominado por uma percepção de Justiça fria, distante e abstrata, o indivíduo apega-se a fragmentos de religiosidade como verdadeiras bóias para enfrentar a corrente. O resultado é uma percepção muito mais mística do que religiosa. Estamos nos aproximando de um espírito gnóstico de percepção do sagrado. É o componente central da Tragédia na Modernidade.
Tal qual a literatura Romântica dos séculos XVIII e XIX que experimentou a insuficiência da linguagem em representar esta natureza trágica da Modernidade, temos no pequeno documentário Aquarius de Vivian e em Jogo de Cena de Coutinho o recurso da IRONIA como forma de refletir esses limites da representação. Isto é, a única forma de representar através de um documentário esta natureza trágica do indivíduo e o seu apego a um misticismo gnóstico é através de uma narrativa irônica: assim como a realidade é uma ilusão ou, no mínimo, carece de um sentido imanente, da mesma forma a narrativa fílmica é ilusão e ambiguidade, exigindo do espectador distanciamento para desvelar os véus do ilusionismo cinematográfico.

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