Nazistas são maus, frios e assassinos. É a própria encarnação do Mal no cinema, criando dramas pessoais e tragédias humanas. Tão poderosos que, através da propaganda política, teriam poderes totais sobre as massas hipnotizadas. Mas o filme “Jojo Rabbit” (seis indicações ao Oscar em 2020 e disponível no Star +) é uma visão alternativa nesse senso comum. Equilibrando-se corajosamente no fio da navalha entre tragédia e humor, o diretor Taika Waititi mergulha na guerra interior do pequeno protagonista: entre o superego do seu amigo imaginário (nada menos que o próprio Hitler) e o inconsciente secreto que se esconde no sótão da sua casa. Jojo finge ser uma nazista cruel da juventude hitlerista. Mas tudo o que quer é fazer parte de um clube. “Jojo Rabbit” cria uma representação fílmica da psicologia freudiana no nazismo: no fundo, as pessoas sentem-se solitárias e mal-amadas – sós, procuram a sensação de pertencimento. Nem que seja entre nazistas.
Nazistas sempre foram os vilões perfeitos para o cinema: frios, maus, calculistas, cínicos, assassinos. Como não poderia deixar de ser, filmes sobre nazistas e segunda guerra mundial sempre focalizaram nos dramas pessoais, famílias que se separam e o horror diante do genocídio, o ódio e o racismo organizado como um sistema político-ideológico.
Mas além da maldade, os nazistas parecem dotados de algum tipo de poder hipnótico sobre as massas, capazes de agitar as multidões e arrastá-las à irracionalidade.
Essa visão que perpassa todos os subgêneros dos filmes sobre nazismo (exploitation, históricos, biográficos, humor negro etc.) é um senso comum diretamente originado do polímata francês Gustave Le Bon, no século XIX – para ele, as multidões seriam contagiadas pelo poder hipnótico dos líderes. Solto na multidão, o indivíduo abandonaria a responsabilidade individual e cederia às emoções. Um prato cheio para a propaganda política.
Mas o filme Jojo Rabbit (2019), com seis indicações ao Oscar (Melhor Filme, Roteiro Adaptado, Atriz Coadjuvante, Figurino, Montagem e Design de Produção), do diretor judeu polinésio Taika Waititi, traz um enfoque diferente. Mais freudiano para fenômenos de massa como foi o nazismo no século XX.
Jojo Rabbit é uma comédia dramática que satiriza a Alemanha nazista já nos estertores da guerra e na iminência da derrota, cujo protagonista é um garoto solitário que tem como amigo imaginário nada menos do que Adolf Hitler. É justamente aí que está a aposta arriscada de Waititi quanto ao tom do humor – um dos maiores genocidas da História como uma figura paterna alternativa, aparecendo para oferecer apoio e conselhos. Aliás, interpretado pelo próprio diretor.
Mas é justamente nesse improvável amigo imaginário de um garoto de dez anos que está a novidade de Jojo Rabbit entre a cinematografia do nazismo: o garoto é um fanático aspirante à juventude nazista, mas não porque foi contagiado pelo poder hipnótico da propaganda nazi em uma pequena cidade no interior da Alemanha.
Solitário (seu pai e irmã morreram e vive com sua mãe), ele está desesperado pelo anseio de pertencer a um grupo, ser reconhecido, respeitado e amado. Adere ao nazismo, assim como poderia aderir a qualquer movimento que estivesse em evidência.
Tudo o que deseja é ter a sensação de pertencimento. Nada mais freudiano do que a psicologia de massas na qual se baseia o drama do pequeno protagonista: o que as pessoas mais temem não é a morte, mas a tragédia de não serem amadas – de morrerem em vida, sós e anônimas. Por isso, tendem a acompanhar a maioria, pelo medo de ficarem para trás. Não amadas.
O Filme
Jojo Betzler (brilhantemente interpretado por Roman Griffin Davis) é um garoto solitário em algum lugar da Alemanha nazista nos últimos estágios da guerra. Ele mora com sua mãe Rosie (Scarlett Johansson), tendo perdido o pai e a irmã. Desesperado por pertencer a alguma coisa, o pequeno Jojo torna-se um membro fanático da Juventude Hitlerista, sempre acompanhado pela assessoria do seu amigo imaginário Adolf Hitler.
Este Hitler imaginário é um amálgama de superego nazista e racionalizações reconfortantes. Às vezes, ele se enfurece (“Me acalme!”). Quando não tem o que dizer, oferece cigarros para o garoto. Às vezes ele fala gírias adolescentes... e come unicórnios.
Jojo parte para um campo de treinamento para jovens de Hitler, liderado pelo ex-capitão da SS alcoólatra chamado Capitão K (Sam Rockwell) e sua grotesca assistente, Fraulein Rahm (Rebel Wilson).
Não demonstrando a crueldade necessária ao ser desafiado a matar um coelho, é humilhado pelo grupo e passa a ser chamado de “Jojo Rabbit”. Depois de uma conversa motivacional com o Hitler imaginário, Jojo então tenta demonstrar suas proezas marciais arrebatando uma granada de mão, apenas para explodir em si mesmo, tornando-se manco e com grandes cicatrizes no rosto.
Jojo, um antissemita fanático, descobre horrorizado, que sua mãe está escondendo uma adolescente judia, Elsa (Thomasin McKenzie) no sótão.
Incapaz de traí-la sem também trair sua própria mãe, Jojo faz um pacto desconfortável com Elsa, insistindo que ela revele os segredos sinistros dos judeus para um livro que está escrevendo chamada “Yoohoo Jew”. Para assustar ainda mais Jojo, Elsa informa os “segredos” dos judeus: eles têm chifres, são atraídos por coisas brilhantes e penduram-se no teto quando dormem, como morcegos.
Dinâmica freudiana
Elsa é capaz de entender a dinâmica psíquica freudiana do pequeno Jojo: "Você não é nazista, Jojo... Você é uma criança de dez anos que quer apenas fazer parte de um clube”, explica para o menino.
Ela ainda concede a Jojo a experiência do seu primeiro beijo. Mas Jojo permanece dividido entre seus sentimentos possessivos por Elsa e a lealdade a seu amigo imaginário, cada vez mais inconformado com a aliança: "Então, como tudo está indo com aquela coisa de judeu lá em cima?" Hitler pergunta. Quando Jojo questiona sobre o que fazer, Hitler retruca: "Você acha que eu sou o especialista?"
Os simbolismos freudianos da narrativa são evidentes: enquanto Jojo carrega o seu superego patético e desajeitado de Hitler, na sua casa, escondido no sótão, está seu inconsciente – a adolescente judia, o seu primeiro amor e a descoberta da sexualidade latente da pré-adolescência.
Há uma guerra lá fora, mas também Jojo está em guerra consigo mesmo. Seu inconsciente lutando contra o superego pateticamente cada vez mais insatisfeito com as negociações de Jojo com a menina judia – uma força real, desdenhosa e zombeteira, que brinca com os preconceitos assumidos por Jojo na luta do seu ego para ser amado por todos.
Através das lentes de Waititi, Jojo na verdade não tem medo de Elsa por ser judia. Mas por ela ser adolescente e ele um garoto de dez anos aspirando pelas descobertas da adolescência.
Para todos, Jojo quer demonstrar que é um nazista que “ama matar”. Mas é incapaz de dar um nó nos cadarços dos próprios sapatos.
Na medida em que a narrativa avança, Jojo muda da inocência da infância para a maturidade brutalmente forçada. Literalmente, a cor do seu mundo se esvai, simbolicamente representada pela fotografia do filme.
Assim como no filme A Vida é Bela (aliás, citado em uma breve sequência por Scarlett Johansson), na medida em que a narrativa avança de forma amarga, o tom de humor e as piadas começam a se equilibrar no fio da navalha. O filme até ameaça descarrilhar nessa ambiguidade tonal, mas Waititi consegue se equilibrar na sequência final entre tragédia e alívio cômico – principalmente pela performance do pequeno amigo gordinho e picaresco chamado Yorki (Archie Yates) que quase rouba as cenas no filme.
Jojo Rabbit é inspirado em “Caging Skies”, livro da escritora neozelandesa-belga Christine Leunens. Como o diretor admite “não ser um contador de histórias dramáticas”, Waititi acrescentou o führer amigo imaginário para equilibrar drama e comédia.
Mas o diretor conseguiu mais do que isso: representar filmicamente a dinâmica da psicologia de massas do nazismo.
Ficha Técnica
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Título: Jojo Rabbit
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Diretor: Taika Waititi
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Roteiro: Taika Waititi inspirado em “Caging Skies” de Christine Leunens
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Elenco: Roman Griffin Davis, Thomasin McKenzie, Scarlett Johansson, Sam Rockwell, Archie Yates
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Produção: TSG Entertainment, Piki Films
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Distribuição: 20th Century Fox Brazil
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Ano: 2019
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País: Nova Zelândia, EUA
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