Na noite da última quinta-feira, 07/06, no Anfiteatro I do Bloco B da Faculdade
de Ciências Integradas do Pontal/UFU – Universidade de Uberlândia – este humilde
editor do “Cinegnose” ministrou a palestra de abertura do Curso “O Golpe de
2016 e o futuro da democracia”. “Guerra Híbrida e Bombas Semióticas” foi o tema
discutido depois que esse blogueiro estoicamente enfrentou o pânico de avião. A
contribuição que a Semiótica e as ciências da comunicação podem dar como
ferramenta para dissecar a ação da grande mídia na guerra híbrida e as
detonações das chamadas “bombas semióticas” que transformam opinião pública em “clima
de opinião”. E também como referência para ações anárquicas anti-mídia, tendo
em vista a centralidade da grande mídia e da judicialização da vida pública
brasileira.
Com o
gentil convite dos professores Ângela Teles e Marco Sávio, esse humilde
blogueiro fez apalestra de abertura do curso Golpe de 2016: o futuro da
democracia no Brasil no campus avançado da Universidade Federal de Uberlândia,
em Ituiutaba, MG, neste último dia 07/06.
“Guerra
Híbrida e Bombas Semióticas Brasileiras” foi o tema da discussão. Mas com uma
pergunta como subtítulo: “Por que aquilo deu nisso?”
Por
“aquilo” entendendo-se as famosas “jornadas de Junho” em 2013 (que nesse mês
completam-se cinco anos), evento que até hoje parece que ainda não foi uma bem
compreendido ou assimilado, principalmente pelo espectro político mais à
esquerda. Mas que deram “nisso” – um governo ilegítimo com o maior índice de
reprovação na História da República e dois acontecimentos simbólicos que
comprovam atual estado de coisas: uma greve/locaute dos caminhoneiros que ameaçou
derrubar um governo.
E o
desinteresse da população em torno da Copa do Mundo (53% pelo Datafolha) como
evidência que a população está mais preocupada é com seu futuro econômico e
político incertos.
O
Curso “O Golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil” vai de 09/06 a
01/09, aos sábados. Acompanhe aqui a programação. Estamos aguardando
a publicação on line do vídeo da
palestra para podermos disponibilizá-lo aqui no blog.
A recorrência da Guerra Híbrida
A fala
desse editor do Cinegnose começou com
uma simples constatação empírica: se a recorrência é um método científico válido
(descobrir padrões, repetições etc.), então é bem significativo que o script
das jornadas de manifestações que alcançaram o ápice em 2016 com o impeachment
obedeceu o mesmo roteiro das diferentes “primaveras” que circularam o mundo.
Evidência
de uma geopolítica dos EUA baseada na Guerra Híbrida: ao invés de SEALS ou
mariners dando apoio militar a golpes, temos a política como extensão da guerra
por vias semióticas.
Judicialização
de todas as questões nacionais, ao lado do auxílio luxuoso das chamadas “bombas
semióticas” que criam uma narrativa sobre climas de opinião, é o cerne dessa
Guerra Híbrida. E por que “semióticas”? Por que essa área da comunicação vai
para além da linguística, retórica e persuasão. Como operações semióticas criam
climas de opinião, percepção, impressões difusas.
No
início este humilde blogueiro apresentou a especificidade da atual tática de
Guerra Híbrida em relação ao golpe militar de 1964 – enquanto lá tínhamos a
estratégia hipodérmica de doutrinação, inculcação e massificação de slogans
anticomunistas, o que temos na atualidade são “bombas” que explodem na opinião
pública diretamente na psicologia de massas.
Engenharia cognitiva
Como?
Esse foi o trabalho inicial da palestra em Ituiutaba. Vimos como a inteligência
militar dos EUA já possuía essa familiaridade inovadora com essa verdadeira
engenharia cognitiva. Enquanto Goebbels atuava no campo hipodérmico da
ideologia e doutrinação, os EUA criavam a Ghost
Army na invasão aliada pós Dia D – destacamento especial formados por
carros militares infláveis, cenografia e sistema de som para criar a percepção
nos inimigos de tropas e artilharias gigantescas em deslocamento. Em pânico,
divisões nazistas na França batiam em retirada... sobre isso clique aqui.
Pois
em táticas como essas já estava, em germe, toda a atual engenharia de opinião
pública, cujo conceito se transforma em “clima de opinião”.
Os passos da guerra híbrida brasileira
Na
palestra apresentamos os passo-a-passo das fases em que desenvolveu a Guerra
Híbrida a partir de 2013.
Primeira
etapa, percepção de caos. Com a grande mídia em consonância mostrando
incêndios, bandeiras nacionais esgarçadas nas ruas, os icônicos black blocs
(para onde eles foram?) e o rouba da narrativa pela mídia com o discurso da
corrupção, cria-se o clima de incerteza, paranoia. Soma-se ao descontrole
político, o suposto descontrole econômico. Imagem icônica: a apresentadora Ana
Maria Braga com um colar de tomates... os tomates inflacionados assassinos!
Segunda
etapa: Uma etapa mais, por assim dizer, “etnográfica” na qual a grande mídia
começaria a criar as novas hostes de jovens neoconservadores que no futuro
iriam vestir de camisas amarelas da CBF e sair nas ruas apoiando o impeachment:
“novos tradicionalistas”, “simples descolados”, “coxinhas 2.0”, gourmetização
etc. Uma nova geração formada pelos valores meritocráticos, anarcocapitalistas
e desconfiança a tudo que pertença à esfera pública: política Estado, partidos,
sindicatos etc.
Num
terceiro momento, com as manifestações já evoluindo para “Não Vai Ter Copa!”,
entra a naturalização da narrativa política através da narrative ficcional:
miniseries e novelas que começam a replica o que ocorria nas ruas.
Um
exemplo foi a minissérie da Globo Questão
de Família na qual Eduardo Moscovis fazia um juiz da Vara de Família
justiceiro. Eco de Sérgio Moro, o juiz de primeira instância que mais tarde se
consolidaria em super-herói de bonecos infláveis nas manifestações.
Nesse
momento, a palestra derivou para o conceito de “canastrice” como elemento
politico-ideológico: como personagens e narrativas no mundo real são
legitimadas através da ficção por personagens canastrões e overacting. Foi discutido o filme Mera Coincidência (Wag The
Dog, 1997). Assim como Hitler e Mussolini emularam personagens dos filmes
mudos (justificando suas performances canastronas em público), da mesma forma o
juiz Sérgio Moro torna-se verossímil com os inúmeros filmes de super-heróis da
Marvel e DC Comics que invadem os cinemas pelo planeta. “Coincidentemente” no
auge das turnês das várias “primaveras” pelo planeta – afinal, para os
super-heróis, acima do certo e do errado só existe a Justiça... e não importam
aos meios.
O veneno da polarização política
E como
quarta e última etapa, radicalização e polarização. O envenenamento do
psiquismo nacional até ponto em que foi impossibilitado qualquer tipo de debate
político.
Vimos,
o quanto essa tática de polarização ecoa de pesquisas em comunicação como Paul
Lazarsfeld, nos anos 1940 sobre pesquisas empíricas sobre seletividade e
predisposição do público. E as táticas de ação direta de Gene Sharp – trabalhos
com algoritmos em redes sociais (web bots,
efeito-bolha etc.) para a incitação do ódio e intolerância.
Nessa
altura, discutimos o filme Terra
Prometida (Promised Land, 2012):
como uma ação de engenharia de opinião pública pode ser capaz de controlar os
dois lados de um debate, produzindo um controle dos resultados em um debate –
e, no caso do filme, em uma eleição.
Próximo
ao final vimos três critérios para detectarmos uma tática de engenharia de
opinião pública: mídias em consonância, acumulação e onipresença. Conceitos
mobilizados para criar climas de opinião que produzam “espiral do silêncio” – a
falsa percepção que a sua opinião está em minoria, fazendo-o se calar ou
adaptando a opinião a uma suposta maioria.
Sem
haver uma voz sequer de contraponto ou meio termo, a grande mídia fechou totalmente
à favor da agenda do golpe e o projeto econômico neoliberal. Em acumulação, com
coberturas diretas, diárias etc. E com onipresença: diferentes mídias ou
plataformas repercutindo a mesma agenda.
O que fazer?
E ao
final e nas perguntas da plateia veio a clássica questão: o que fazer?
Esse
humilde blogueiro insistiu na necessidade de a esquerda jogar no mesmo campo
simbólico da direita. Simplesmente o apelo à racionalidade da opinião pública
por meio de denúncias que revelem “a verdade” que está por trás do golpe não é
o suficiente.
Se o
que sustenta a grande mídia é a credibilidade e verossimilhança, então é aí que
táticas anárquicas de “guerrilha semiológica” (Umberto Eco) deveriam atuar como
bombas semióticas com sinal trocado. Através de táticas conhecidas como media
prank e cultural jamming (pegadinhas e trolagens) caçar links ao vivo.
Como
uma ação que interrompa o livre fuxo de informação dominante, crie dissonâncias
como o famoso trompete que invade transmissões da Globo entoando
“Olê-olê-olá-Lula-Lula”.
Para
quê? Para criar um novo clima de opinião para que a espiral do silêncio dessa
vez passe para os jornalistas da grande mídia.
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