domingo, maio 27, 2018

O roteiro da greve dos caminhoneiros: um filme já visto?


Se a política é a continuidade da guerra por meios semióticos, então a atual crise provocada pela greve dos caminhoneiros deve ser analisada dentro de dois princípios de engenharia de opinião pública: clima de opinião e espiral do silêncio - criar atmosferas difusas de medo, pânico, emergência, instabilidade. Para construir uma conjuntura política visando efeitos imediatos e de médio prazo. E sempre o petróleo como pivô. Greve de caminhoneiros é um filme já assistido em momentos de instabilidade política e social que antecedem golpes políticos (João Goulart em 1964 e Allende no Chile em 1973, por exemplo). Em muitos aspectos o script da greve que atinge todo o País é idêntico ao das “Manifestações pelos 20 centavos” de 2013: “espontaneidade”, suposta organização horizontal, redes sociais etc. Mais uma ação de guerra híbrida para melar as eleições? Para criar comoção pública que justifique intervenção e adiamento das eleições? Para, na falta de um candidato competitivo da situação, ganhar tempo para a realização da agenda neoliberal de privatizações?

A política é a continuidade da guerra por meios semióticos, parafraseando o conceito de guerra híbrida traçado pelo jornalista Pepe Escobar. O objetivo principal da guerra híbrida, assim como de qualquer engenharia de opinião pública, é criar um determinado clima de opinião – atmosfera dentro da qual, principalmente a vasta classe média não engajada ideologicamente, cria a percepção de que existe alguma opinião ou tendência supostamente majoritária.

 A consequência psicológica desse clima é a chamada “espiral do silêncio”: indivíduos ideologicamente não engajados tendem a pensar que estão isolados ou em minoria. Das duas uma: ou ficam em silêncio, envergonhados, achando que estão em desvantagem ou tendem a adaptar sua opinião à tendência supostamente majoritária. E numa dinâmica de profecia autorrealizável, o que era “percepção” acaba se tornando realidade.

Quando a guerra híbrida (estratégia dos EUA  contra os países hostis a sua geopolítica centrada no petróleo) se encontra com as táticas de engenharia de opinião pública temos a guerra semiótica como a extensão simbólica de uma guerra convencional.


Panelas e camisetas amarelas


Pegue os exemplos das panelas que batiam e as camisetas amarelas da CBF como táticas para criar climas de opinião artificiais nos meses que antecederam o impeachment de 2016. Ouvia-se aqui e ali em varandas de prédios sons de um suposto “panelaço”. Era o suficiente para criar uma percepção de onda de descontentamento. Enquanto qualquer um que aparecesse vestindo uma camiseta da seleção era confundido com um “coxinha” protestando contra o governo petista.  

Simples panelas e camisetas amarelas ajudaram a criar uma profecia autorrealizável – a espiral do silêncio que levou milhares a urrar de ódio ocupando avenidas nos domingos, amplificado pela cobertura ao vivo da grande mídia.

Mas essa engenharia do clima de opinião não se presta apenas para atingir alvos específicos. Também pode criar atmosferas difusas de medo, pânico, emergência, instabilidade. Para criar uma conjuntura política visando efeitos de médio a longo prazo.

E, como sempre, o petróleo é o pivô de tudo.

2013 e 2018: dois scripts semelhantes?


Olhando em perspectiva a greve/locaute dos caminhoneiros que, na prática, provocou uma greve geral que a esquerda até então foi incapaz de realizar, até aqui tem revelado um script muito semelhante ao das “jornadas de junho de 2013” ou “Manifestações dos 20 centavos”.

(a) Estranha letargia


Em 2013 o governo Dilma foi incapaz de perceber o sentido das primeiras manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus em 2012. Por exemplo, a passeata Candelária-Central do Brasil no Rio ou a “Revolta do Busão” em Natal, RN.  Assim como no atual governo do desinterino Temer, os movimentos representativos dos caminhoneiros alertavam desde o início de maio a possibilidade de uma paralisação diante dos aumentos sucessivos no preço do diesel – as constantes oscilações de preços prejudicava o cálculo do valor do frete.

Mas uma diferença importante: lá em 2012-13 o início foi silencioso e fragmentado. E aqui nesse ano, as ameaças dos caminhoneiros foram explícitas. Mas o Governo estranhamente se manteve letárgico, até chegar ao ápice das paralisações e desabastecimento. Para depois ameaçar com decisões da Justiça publicadas no Diário Oficial  e acenar com a risível possibilidade de colocar soldados nas boleias dos caminhões para fazê-los chegar ao destino – tão risível que lembra o episódio da caça do boi no pasto por agentes federais com o desabastecimento proposital de empresários do setor durante o Plano Cruzado em 1986.


(b) Horizontalidade?


Lá em 2013 as manifestações eram descritas como “horizontais”, “sem lideranças” e convocadas de forma espontânea através das redes sociais.

Agora, ao vivo na TV, vemos caminhoneiros estacionados nas rodovias repetirem para as câmeras o mesmo discurso após o acordo feito entre a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) na sexta-feira com o Governo Federal: “não nos sentimos representados”, “o movimento é horizontal” etc. E a descrição que os manifestantes fazem de si próprios é que “o descontentamento se espalhou rapidamente através das redes sociais e pelos grupos do WhatsApp”.

(c) A profecia autorrealizável turbina os protestos


Nas “Jornadas de Junho” as manifestações contaram com a cobertura ostensiva da grande mídia com enquadramentos de câmera dramáticos (imagens aéreas e black blocs posando para cinegrafistas com coquetéis molotov) e filmes publicitários fazendo marketing de oportunidade com muitas alusões a bandeiras e ruas tomadas por jovens. Um ciclo que se retro-alimentou.

Enquanto nessa semana, a grande mídia, em particular a Globo, deu o pontapé inicial para a crise – as notícias sobre um eminente desabastecimento em postos de gasolina e supermercados só acelerou a realização da previsão: em questão de horas não havia mais combustível, para então se passar a respirar a atmosfera de medo e ansiedade.


(d) Apropriação da narrativa


Como sempre, protestos surgem por motivos reais e justos: em 2013 o aumento de um transporte público sem qualidade; e hoje, a escalada diária do aumento dos combustíveis numa política de preços voltada exclusivamente para satisfazer os acionistas da Petrobrás.

Se as manifestações de junho foram contra as tarifas dos ônibus, logo a grande mídia se apropriou do movimento para impor sua agenda: PECs 37 e 33, fim da corrupção, contra os gastos da Copa das Confederações e o “Não Vai Ter Copa”.

No início os manifestantes eram avaliados pela mídia como “baderneiros”,  “ignorantes políticos” e “rancorosos”. Depois se transformaram no “novo na política” contra “tudo que está aí” na avaliação dos colunistas da grande imprensa.

E também, para a Globo, os caminhoneiros nada mais eram do que “arruaceiros”, “baderneiros” e “perigosos”. Nesse momento, os analistas da emissora voltam seus canhões para a passividade e demora do governo Temer esboçar uma reação. Enquanto as câmeras seletivamente enquadram faixas de caminhoneiros contra os impostos, a corrupção na Petrobrás e pedindo “intervenção militar já!”. E nada de mostrar protestos contra a política de preços pró-acionistas do presidente Pedro Parente.

(e) Um Governo fraco e inseguro


Em junho de 2013 explodiram as denúncias de Edward Snowden sobre as práticas de espionagens da NSA sobre e-mails da Petrobrás e da presidenta Dilma Rousseff. Revelação repercutida em horário nobre pela grande mídia como evidência de um governo fraco, incapaz de proteger a soberania nacional.

 Hoje temos um cenário parecido. Além das críticas da direita à esquerda de que o atual governo Temer é um rebotalho, sem capacidade e autoridade, foi divulgado um vídeo da FETCESP (Federação de Empresas de Transporte de São Paulo) de 2017 no qual descreve as consequências para a sociedade quando os caminhões “somem”. O vídeo foi mostrado pela grande mídia como evidência de locaute e conspiração de empresários contra um governo débil.


Mais uma “Revolução Popular Híbrida”?


 Em muitos pontos na atual crise há semelhanças com o script das manifestações “espontâneas” que tomaram as ruas de 2013 a 2016. Seria a greve dos caminhoneiros mais uma “revolução popular híbrida”? – sobre esse conceito leia “Receita para fazer uma Revolução Popular Híbrida” – clique aqui.

Tudo então seria mais um lance da guerra híbrida norte-americana para criar um clima de opinião favorável a uma intervenção militar e o adiamento das eleições desse ano? Melar as eleições de 2018 para dar mais um tempo à execução do desmonte e privatização da Petrobrás? Quais as evidências?

(1) Greve de caminhoneiros é um filme já visto em momentos de crise política que antecedem golpes: criam climas de opinião favoráveis a derrubadas de governos, como João Goulart em 1964 ou a queda de Allende no Chile em 1973. E, como não poderia deixar de ser, com a apoio logístico e de inteligência da CIA.

(2) Em meio à crise dos caminhoneiros, o Senado aprovou um projeto que define as regras para a eleição indireta, pelo Congresso Nacional, do presidente em caso de vacância nos dois últimos anos do período presidencial. Dá no que pensar...

(3)  A “Primavera” brasileira conseguiu derrubar um governo de esquerda, para impor a agenda liberal de “flexibilizações” das leis trabalhistas e privatização do setor energético – Eletrobrás e Petrobrás. A agenda ainda não foi totalmente realizada. E a incapacidade da situação emplacar um candidato competitivo, somado ao crescimento do imprevisível candidato de extrema-direita Bolsonaro e a persistência de Lula permanecer na liderança das pesquisas apenas tornam ainda mais atraente a possibilidade de melar as eleições – criar o clima de opinião favorável a uma intervenção “Deus ex machina” (termo para designar num roteiro soluções arbitrárias, sem nexo ou plausibilidade na narrativa).

Carlos Marun: vergonha alheia proposital?

(4) Cada vez mais o desinterino Temer tem dado provas que no script o seu papel é desempenhar o chamado “boi de piranha”. A inacreditável paralisia e desinformação da “inteligência” do Governo e a performance da coletiva de imprensa do Ministro-chefe da Secretaria de Governo Carlos Marun (grosseiro, dispersivo e desinformado dando até vergonha alheia em assistir), também dá no que pensar: parece até proposital – forma de, desculpem o trocadilho, jogar mais combustível na fogueira e elevar o clima de opinião até o desfecho “salvador”: um golpe jurídico-militar.

Seria Temer a verdadeira “ponte para o futuro”? Propositalmente levantada para desmoronar para criar o pretexto para o Estado de Exceção?

O fato é que dentro desse roteiro de guerra semiótica falta apenas uma última cena para completar esse filme já assistido em outros momentos na História: um gigantesco blecaute que atinja a Região Centro-Sul para definitivamente o medo e o pânico das massas serem a racionalização de mais um golpe dentro do golpe.

Com informações da BBC Brasil, El País, Jornal GGN, Tijolaço, Associação Brasileira dos Jornalistas (ABJ).


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