Para quem ainda duvida e acha que guerra híbrida e bombas semióticas não passam
de “teoria da conspiração”, uma simples comparação entre as peças publicitárias
que promoviam a Copa de 2014 e a desse ano, na Rússia, põe fim a qualquer
dúvida: enquanto a Copa no Brasil foi dominada por criações publicitárias para
lá de polissêmicas (ambiguidade entre festa e agressividade, alegria e raiva,
em consonância com a pesada atmosfera das manifestações do “Não Vai Ter Copa!”
+ Lava Jato), nesse ano a publicidade é bem diferente: uníssona e assertiva - a
Nação deve ficar unida, esquecer as diferenças e torcer pela Seleção. Em 2018 a
Guerra Semiótica veste as chuteiras cumprindo duas funções: a primeira
política, pacificar as ruas com a ideia de união e nação; e no campo ideológico,
enfiar goela abaixo da choldra as preleções de Tite, misto de “coaching” e
pastor motivacional. Para nos fazer acreditar que desemprego não é crise. É
oportunidade para virarmos todos empreendedores. Mas, e se algo sair fora do
script? Então teremos um “Plano B” cujos balões de ensaio já estão sendo
lançados.
Visto
em perspectiva, a intervenção norte-americana no Brasil por meio da estratégia
de guerra híbrida (guerra semiótica implementada pelo complexo
jurídico-policial-midiático com apoio logístico e de inteligência dos EUA) teve
dois propósitos bem definidos: primeiro, o golpe político - o impeachment, nova
modalidade de golpe sem mais traumáticas imagens de tanques de guerra cercando
o Congresso ou um presidente com quepe estrelado
discursando para a TV, e a inviabilização de um candidato de esquerda por meio
da pesada artilharia do chamado “lawfare”.
E
segundo, a conquista dos corações e mentes: fazer a choldra, que olha para tudo
até agora bestializada, acreditar na ideologia do mérito-empreendedorismo da
nova ordem neoliberal imposta ao País – diante da perda das garantias
trabalhistas e sociais e por meio de pitacos ideológico-motivacionais, incutir
nas massas a fé de que, daqui em diante, é cada um por si pelo próprio mérito e
esforço empreendedor. E o salto de fé de que, um dia, a força de trabalho
magicamente se converterá em capital.
Da
mesma forma como na Copa do Mundo de futebol de 1970 (em pleno início do golpe
militar e dos anos de chumbo de perseguições e tortura), na qual a ordem militar calçou as chuteiras dos “90 milhões em ação, prá frente Brasil!”, também o atual
golpe político que promove a guerra semiótica também calça suas chuteiras.
Neste
momento, a palavra de ordem é mostrar uma nação unida, brasileiros “com muito
orgulho e com muito amor”, entusiasmo, felicidade e inspiração. E muitos
pitacos motivacionais do técnico Tite em vídeos publicitários do banco Itaú.
Para
aqueles que ainda duvidam sobre estarmos em plena guerra semiótica ou de que o País
continua alvo de uma guerra híbrida cuja logística poderá colocar em xeque as
eleições desse ano (se as coisas nãos seguirem o script previsto pela banca),
uma prova é fazer um comparativo das campanhas publicitárias de duas copas do
mundo de futebol: a de 2014 e a desse ano.
Lá em
2014 vivíamos o auge de uma pesada guerra semiótica que pretendia
desestabilizar o governo Dilma Rousseff (o clima do “não vai ter Copa” + Lava
Jato).
E
agora em 2018, a luta midiática pela estabilização da Nova Ordem - Lula preso,
a inviabilização de um candidato de esquerda (só esperam a definição do
candidato para a artilharia lawfare
ser acionada) e a catequização diária dos valores do mérito-empreendedorismo
para a massa de desempregados e aqueles inseguros com o emprego que ainda
possuem.
Em
2014, as campanhas publicitárias eram polissêmicas, ambíguas, explorando um
duplo sentido: entre o tradicional ufanismo da pátria de chuteiras e a
incitação das mobilizações de rua do “Não Vai Ter Copa!” e contra o governo
federal.
Bem
diferente, hoje vemos um clima publicitário semioticamente unívoco, assertivo,
com um único sentido: a necessidade da Nação ficar unida, esquecer as
diferenças e torcer pela Seleção. Um incômodo déjà vu que lembra as amargas
atmosferas do anos de chumbo das copas de 1970, 1974 e 1978 – cuja Seleção
chegou até a contar como um técnico militar, Cláudio Coutinho, capitão que se
graduou na Escola de Educação Física do Exército.
Não
foi por acaso que, assim como o juiz Sérgio Moro (arma do lawfare da atual
guerra híbrida), Coutinho fez cursos nos EUA.
A diferença é que foi na área de preparação física com Kenneth Cooper
(idealizador do famoso método de avaliação física), chegando a frequentar o
Laboratório de Estresse Humano da NASA – afinal, o futebol fez parte do aparato
ideológico dos governos militares.
A campanha polissêmica da Copa de 2014
Olhando
em conjunto anúncios e vídeos publicitários é nítida a intenção polissêmica das
criações que antecederam a Copa do Mundo no Brasil: um misto de festa e
agressividade, alegria e raiva. E torcidas que ora parecem as tradicionais
torcidas organizadas de futebol, ora manifestantes que saem às ruas para
protestar.
E tudo
é reforçado com alusões aos icônicos “cara pintadas” das manifestações (cores verde e amarelo pintadas no rosto) pelo
impeachment de Collor em 1992.
Punhos
fechados, gritos com dentes acirrados, gente gritando com fisionomias ambíguas
entre alegria e raiva e massas de torcedores que ocupam ruas com mais punhos
fechados, gritos e bandeiras. Praticamente, as peças publicitárias eram
extensões das imagens dos telejornais de manifestantes nas ruas gritando “não
vai ter Copa” e exigindo “padrão Fifa” para educação e saúde.
Em
outras palavras: vendo em perspectiva a semiótica publicitária daquele momento,
tudo parecia a prévia dos ícones que iriam tomar conta da midiosfera dos anos
subsequentes: batedores de panela com camisetas da CBF, esgarçando os dentes e
fechando os punhos.
Itaú e Boticário vão à luta
Duas
campanhas foram emblemáticas: a do Itaú e do Boticário. A do representante da
banca financeira (interessada em criar a cortina de fumaça do discurso
anticorrupção para esconder o fator dos juros altos na atual crise) criou o
“Hino da Copa do Mundo” composto e dirigido por Jair Oliveira e Simoninha e
cantado por Paulo Miklos e Fernanda Takai. Um vídeo-clip que agora se repete em
2018, porém com outra edição bem sintomática.
Lá na
versão de 2014, o foco são torcedores saindo de casa e tomando as ruas. Muitos
jovens correndo pelas ruas num conjunto de cenas com claras alusões às imagens
dos protestos que tomavam conta dos telejornais naquele momento. Com direito a
um skatista com gestalt de black bloc. Mais punhos fechados e gritos. Há uma
ambiguidade clara entre festa e torcida se contrapondo à tensão e protesto
reforçado pelos signos dos gritos, rostos franzidos e punhos fechados para o
alto.
Na
atual versão do vídeo-clip Itaú do “Hino da Copa do Mundo” tudo mudou: vemos os músicos no estúdio numa
metalinguagem da gravação da música. A atmosfera é de calma, leveza,
concentração e união dos músicos. Com letterings se sobrepondo as imagens nos
quais se ressalta a “união”, “coração”, “todos juntos”, “alma verde-amarela”
etc.
Veja os dois vídeos abaixo e compare:
Quando
as imagens dos torcedores aparecem não há mais ruas tomadas pelas massas. Na verdade, elas estão agora ocupando campos,
áreas arborizadas, montanhas, rios e natureza. Os closes são agora em
bandeiras. Não há mais os planos abertos do alto mostrando massas humanas de
torcedores/manifestantes ocupando as ruas.
Em
2014, o Boticário também foi à luta com a “Coleção Torcida Linda”. Mais gente
nas ruas, dessa vez mulheres lindas e perfumadas. Tendo ao fundo mais
torcedores/manifestantes com punhos fechados e erguidos no ar. O ar é de
leveza, mas a modelo leva as mãos em concha para a boca, como se preparasse
para gritar/manifestar.
A preleção de Tite para os desempregados
No ano
de 2014 víamos nas peças publicitárias torcedores ocupando muito mais as ruas
do que estádios. Agora em 2018 temos o inverso: torcida no estádio e muitos
closes em bandeiras e rostos não mais tensos e com dentes acirrados. Agora
todos com olhos bem abertos e sorrisos.
No
vídeo do Itaú, agora as ruas estão vazias. A torcida foi para o estádio. Os
rostos agora estão limpos. Sem mais a maquiagem dos cara pintadas que dominava
as campanhas de 2014.
Mas se
as ruas foram pacificadas, agora precisa-se conquistar os corações e mentes com
o ideário mérito-empreendedor. Nada melhor do que um misto de personal coaching e pastor motivacional: o técnico da seleção
Tite.
Ele
fala de “resgate de valores” com “determinação e trabalho duro”. Depois que os
corruptos foram presos (aqueles que querem ganhar dinheiro no mole, sem mérito,
trabalho e determinação), instaurou-se a Nova Ordem: a da Meritocracia, com uma
preleção de Tite para todos os brasileiros. Ele fala que “tudo que é passado é
História”, superar o medo, termos coragem para “lutar, retomar e recuperar”...
mesmos com os juros escorchantes da banca representada pelo Itaú.
Portanto,
a guerra semiótica calçou a chuteira nessa Copa ao assumir uma dupla função: no
campo político, pacificar as ruas com a ideia de união e nação; e no campo
ideológico, enfiar à fórceps em corações e mentes a preleção de Tite. Para nos
fazer acreditar que desemprego não é crise. É oportunidade para virarmos todos
empreendedores.
Mas, e
se o script sair do controle? E se as ruas, agora vazias, forem ocupadas
novamente e a “grande esperança branca” não for um candidato forte que
potencialmente vença um candidato à esquerda?
Bom,
então teremos o Plano B, o grande álibi para um golpe dentro do próprio golpe:
um Estado de exceção para combater o suposto novo inimigo interno pós-prisão de
Lula – o crime organizado, aquela “facção criminosa” que a grande mídia não
ousa dizer o nome: o PCC.
Sinais
ou “balões de ensaio” já começam a despontar: a estranha enquete do tucano
telejornal “Jornal da Cultura”, prontamente apagado do Tweeter após reações
negativas contra o post:
E a
escalada de notícias nos telejornais sobre execuções de policiais por
criminosos tanto no Rio quanto em São Paulo.
Um
golpe tão milimetricamente planejado que, até aqui, não sofreu nenhum tipo de revés.
Sabe que diante das ruas vazias e do auxílio luxuoso da grande mídia há uma
grande margem de manobra para a criação de álibis, pretextos e crises que
justifiquem uma nova virada de mesa.
A
esquerda precisa urgentemente de um Goebbels!
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