Se a política é a continuidade da guerra por meios semióticos, então a
atual crise provocada pela greve dos caminhoneiros deve ser analisada dentro de
dois princípios de engenharia de opinião pública: clima de opinião e espiral do
silêncio - criar atmosferas difusas de medo, pânico, emergência, instabilidade.
Para construir uma conjuntura política visando efeitos imediatos e de médio
prazo. E sempre o petróleo como pivô. Greve de caminhoneiros é um filme já
assistido em momentos de instabilidade política e social que antecedem golpes
políticos (João Goulart em 1964 e Allende no Chile em 1973, por exemplo). Em
muitos aspectos o script da greve que atinge todo o País é idêntico ao das
“Manifestações pelos 20 centavos” de 2013: “espontaneidade”, suposta organização
horizontal, redes sociais etc. Mais uma ação de guerra híbrida para melar as
eleições? Para criar comoção pública que justifique intervenção e adiamento das
eleições? Para, na falta de um candidato competitivo da situação, ganhar tempo
para a realização da agenda neoliberal de privatizações?
A
política é a continuidade da guerra por meios semióticos, parafraseando o
conceito de guerra híbrida traçado pelo jornalista Pepe Escobar. O objetivo
principal da guerra híbrida, assim como de qualquer engenharia de opinião
pública, é criar um determinado clima de opinião – atmosfera dentro da qual,
principalmente a vasta classe média não engajada ideologicamente, cria a
percepção de que existe alguma opinião ou tendência supostamente majoritária.
A consequência psicológica desse clima é a
chamada “espiral do silêncio”: indivíduos ideologicamente não engajados tendem
a pensar que estão isolados ou em minoria. Das duas uma: ou ficam em silêncio,
envergonhados, achando que estão em desvantagem ou tendem a adaptar sua opinião
à tendência supostamente majoritária. E numa dinâmica de profecia
autorrealizável, o que era “percepção” acaba se tornando realidade.
Quando
a guerra híbrida (estratégia dos EUA
contra os países hostis a sua geopolítica centrada no petróleo) se
encontra com as táticas de engenharia de opinião pública temos a guerra
semiótica como a extensão simbólica de uma guerra convencional.
Panelas e camisetas amarelas
Pegue
os exemplos das panelas que batiam e as camisetas amarelas da CBF como táticas
para criar climas de opinião artificiais nos meses que antecederam o
impeachment de 2016. Ouvia-se aqui e ali em varandas de prédios sons de um
suposto “panelaço”. Era o suficiente para criar uma percepção de onda de
descontentamento. Enquanto qualquer um que aparecesse vestindo uma camiseta da
seleção era confundido com um “coxinha” protestando contra o governo petista.
Simples
panelas e camisetas amarelas ajudaram a criar uma profecia autorrealizável – a
espiral do silêncio que levou milhares a urrar de ódio ocupando avenidas nos
domingos, amplificado pela cobertura ao vivo da grande mídia.
Mas
essa engenharia do clima de opinião não se presta apenas para atingir alvos
específicos. Também pode criar atmosferas difusas de medo, pânico, emergência,
instabilidade. Para criar uma conjuntura política visando efeitos de médio a
longo prazo.
E,
como sempre, o petróleo é o pivô de tudo.
2013 e 2018: dois scripts semelhantes?
Olhando
em perspectiva a greve/locaute dos caminhoneiros que, na prática, provocou uma
greve geral que a esquerda até então foi incapaz de realizar, até aqui tem
revelado um script muito semelhante ao das “jornadas de junho de 2013” ou
“Manifestações dos 20 centavos”.
(a) Estranha letargia
Em
2013 o governo Dilma foi incapaz de perceber o sentido das primeiras
manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus em 2012. Por exemplo, a
passeata Candelária-Central do Brasil no Rio ou a “Revolta do Busão” em Natal,
RN. Assim como no atual governo do
desinterino Temer, os movimentos representativos dos caminhoneiros alertavam
desde o início de maio a possibilidade de uma paralisação diante dos aumentos
sucessivos no preço do diesel – as constantes oscilações de preços prejudicava
o cálculo do valor do frete.
Mas
uma diferença importante: lá em 2012-13 o início foi silencioso e fragmentado.
E aqui nesse ano, as ameaças dos caminhoneiros foram explícitas. Mas o Governo
estranhamente se manteve letárgico, até chegar ao ápice das paralisações e
desabastecimento. Para depois ameaçar com decisões da Justiça publicadas no Diário
Oficial e acenar com a risível
possibilidade de colocar soldados nas boleias dos caminhões para fazê-los
chegar ao destino – tão risível que lembra o episódio da caça do boi no pasto
por agentes federais com o desabastecimento proposital de empresários do setor
durante o Plano Cruzado em 1986.
(b) Horizontalidade?
Lá em
2013 as manifestações eram descritas como “horizontais”, “sem lideranças” e
convocadas de forma espontânea através das redes sociais.
Agora,
ao vivo na TV, vemos caminhoneiros estacionados nas rodovias repetirem para as
câmeras o mesmo discurso após o acordo feito entre a Associação Brasileira dos
Caminhoneiros (Abcam) na sexta-feira com o Governo Federal: “não nos sentimos
representados”, “o movimento é horizontal” etc. E a descrição que os
manifestantes fazem de si próprios é que “o descontentamento se espalhou
rapidamente através das redes sociais e pelos grupos do WhatsApp”.
(c) A profecia autorrealizável turbina os protestos
Nas
“Jornadas de Junho” as manifestações contaram com a cobertura ostensiva da
grande mídia com enquadramentos de câmera dramáticos (imagens aéreas e black
blocs posando para cinegrafistas com coquetéis molotov) e filmes publicitários
fazendo marketing de oportunidade com muitas alusões a bandeiras e ruas tomadas
por jovens. Um ciclo que se retro-alimentou.
Enquanto
nessa semana, a grande mídia, em particular a Globo, deu o pontapé inicial para
a crise – as notícias sobre um eminente desabastecimento em postos de gasolina
e supermercados só acelerou a realização da previsão: em questão de horas não havia
mais combustível, para então se passar a respirar a atmosfera de medo e
ansiedade.
(d) Apropriação da narrativa
Como
sempre, protestos surgem por motivos reais e justos: em 2013 o aumento de um
transporte público sem qualidade; e hoje, a escalada diária do aumento dos
combustíveis numa política de preços voltada exclusivamente para satisfazer os
acionistas da Petrobrás.
Se as
manifestações de junho foram contra as tarifas dos ônibus, logo a grande mídia
se apropriou do movimento para impor sua agenda: PECs 37 e 33, fim da
corrupção, contra os gastos da Copa das Confederações e o “Não Vai Ter Copa”.
No
início os manifestantes eram avaliados pela mídia como “baderneiros”, “ignorantes políticos” e “rancorosos”. Depois
se transformaram no “novo na política” contra “tudo que está aí” na avaliação
dos colunistas da grande imprensa.
E
também, para a Globo, os caminhoneiros nada mais eram do que “arruaceiros”,
“baderneiros” e “perigosos”. Nesse momento, os analistas da emissora voltam
seus canhões para a passividade e demora do governo Temer esboçar uma reação.
Enquanto as câmeras seletivamente enquadram faixas de caminhoneiros contra os
impostos, a corrupção na Petrobrás e pedindo “intervenção militar já!”. E nada
de mostrar protestos contra a política de preços pró-acionistas do presidente
Pedro Parente.
(e) Um Governo fraco e inseguro
Em
junho de 2013 explodiram as denúncias de Edward Snowden sobre as práticas de
espionagens da NSA sobre e-mails da Petrobrás e da presidenta Dilma Rousseff.
Revelação repercutida em horário nobre pela grande mídia como evidência de um
governo fraco, incapaz de proteger a soberania nacional.
Hoje temos um cenário parecido. Além das
críticas da direita à esquerda de que o atual governo Temer é um rebotalho, sem
capacidade e autoridade, foi divulgado um vídeo da FETCESP (Federação de
Empresas de Transporte de São Paulo) de 2017 no qual descreve as consequências
para a sociedade quando os caminhões “somem”. O vídeo foi mostrado pela grande
mídia como evidência de locaute e conspiração de empresários contra um governo
débil.
Mais uma “Revolução Popular Híbrida”?
Em muitos pontos na atual crise há semelhanças
com o script das manifestações “espontâneas” que tomaram as ruas de 2013 a
2016. Seria a greve dos caminhoneiros mais uma “revolução popular híbrida”? –
sobre esse conceito leia “Receita para fazer uma Revolução Popular Híbrida” – clique aqui.
Tudo
então seria mais um lance da guerra híbrida norte-americana para criar um clima
de opinião favorável a uma intervenção militar e o adiamento das eleições desse
ano? Melar as eleições de 2018 para dar mais um tempo à execução do desmonte e
privatização da Petrobrás? Quais as evidências?
(1)
Greve de caminhoneiros é um filme já visto em momentos de crise política que
antecedem golpes: criam climas de opinião favoráveis a derrubadas de governos,
como João Goulart em 1964 ou a queda de Allende no Chile em 1973. E, como não
poderia deixar de ser, com a apoio logístico e de inteligência da CIA.
(2) Em
meio à crise dos caminhoneiros, o Senado aprovou um projeto que define as
regras para a eleição indireta, pelo Congresso Nacional, do presidente em caso
de vacância nos dois últimos anos do período presidencial. Dá no que pensar...
(3) A “Primavera” brasileira conseguiu derrubar um
governo de esquerda, para impor a agenda liberal de “flexibilizações” das leis
trabalhistas e privatização do setor energético – Eletrobrás e Petrobrás. A
agenda ainda não foi totalmente realizada. E a incapacidade da situação
emplacar um candidato competitivo, somado ao crescimento do imprevisível
candidato de extrema-direita Bolsonaro e a persistência de Lula permanecer na liderança
das pesquisas apenas tornam ainda mais atraente a possibilidade de melar as
eleições – criar o clima de opinião favorável a uma intervenção “Deus ex
machina” (termo para designar num roteiro soluções arbitrárias, sem nexo ou
plausibilidade na narrativa).
Carlos Marun: vergonha alheia proposital? |
(4)
Cada vez mais o desinterino Temer tem dado provas que no script o seu papel é
desempenhar o chamado “boi de piranha”. A inacreditável paralisia e
desinformação da “inteligência” do Governo e a performance da coletiva de
imprensa do Ministro-chefe da Secretaria de Governo Carlos Marun (grosseiro,
dispersivo e desinformado dando até vergonha alheia em assistir), também dá no
que pensar: parece até proposital – forma de, desculpem o trocadilho, jogar
mais combustível na fogueira e elevar o clima de opinião até o desfecho
“salvador”: um golpe jurídico-militar.
Seria
Temer a verdadeira “ponte para o futuro”? Propositalmente levantada para
desmoronar para criar o pretexto para o Estado de Exceção?
O fato
é que dentro desse roteiro de guerra semiótica falta apenas uma última cena
para completar esse filme já assistido em outros momentos na História: um
gigantesco blecaute que atinja a Região Centro-Sul para definitivamente o medo
e o pânico das massas serem a racionalização de mais um golpe dentro do golpe.
Com informações da BBC Brasil, El País, Jornal GGN, Tijolaço, Associação
Brasileira dos Jornalistas (ABJ).
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