O sucesso na Internet da camiseta vermelha da seleção brasileira, para
torcedores de esquerda torcerem na Copa sem serem confundidos com “paneleiros
do pato amarelo”, e do “Museu da Direita Histérica” no Facebook são dois
sintomas de um mal-estar da esquerda: a derrota por WO no campo da comunicação.
Quando ri dos vídeos impagáveis da “direita raivosa” ou se diverte com a
camiseta alternativa da seleção, no fundo ri de si mesma – enquanto a esquerda
brada as armas dos símbolos (o vermelho, cartas para Lula e bandeira do MST e
CUT etc.), a direita dispara a bomba semiótica da iconificação – a apropriação
dos símbolos para se converterem em ícones facilmente massificados ou
viralizados. Símbolos são iniciáticos, sectários, exclusivos. Enquanto os
ícones valem mais do que mil símbolos. Desde a iconificação do símbolo da
suástica pelos nazistas.
Diante
do fracasso dos movimentos proletários, a ascensão do nazi-fascismo e
consolidação do capitalismo através da indústria cultural, o pensador alemão
Theodor Adorno (expoente máximo da chamada Escola de Frankfurt) disse certa
vez: “agora não se trata mais de estabelecer planos para o futuro, mas
relembrar as oportunidades perdidas no passado”.
Como
Nietzsche, Adorno temia que, sem uma arqueologia das oportunidades perdidas, a
História se repetiria como um eterno retorno – as mesmas conjunturas de crise,
as mesmas revoluções traídas, as mesmas contrarrevoluções, como uma espécie de
neurose social que sempre teima em revisitar a cena do trauma. Porém, sem
superação, cura ou simbolização.
Assim
como no Brasil: um dia toda essa nova geração que hoje faz seu salto de fé no
ideário do mérito-empreendedorismo e todo o seu corolário (startups,
aceleradoras, iniciativa pessoal, inovação, ideias etc.) introjetará tanta
culpa pelo próprio fracasso em meio ao darwinismo social (mas, desta vez, sem as
mínimas garantias sociais de outrora) que se transformará em ressentimento,
combustível para as futuras guerras híbridas e novos golpes políticos.
Deveria
ser uma prioridade da esquerda entender como, após 14 anos no poder, um governo
trabalhista foi tão facilmente apeado do poder através de uma bem planejada
“primavera” que prometia purificar o País de todas as mazelas da corrupção e do
bolivarianismo.
Mesmo
que ganhe as eleições nesse ano (se tiver!), eventualmente um novo presidente
progressista enfrentará outro terceiro turno – novamente o complexo
judicial-meganha-midiático ateará fogo ao combustível do ódio, ressentimento e
intolerância. E, mais uma vez entraremos num loop, no eterno retorno de uma
neurose social.
O Incrível Exército Brancaleone: será que o jogo jurídico é mais importante do que a comunicação? |
O exército Brancaleone e eleições
Porém,
a esquerda continua apostando suas fichas nas instituições, acreditando que
poderá “corrigir” tudo unicamente com a força do voto, das alianças e do
“povo”.
E também
continua rindo dos “bolsominios” e da direita histérica como fossem apenas
curiosos espécimes antropológicos ou etnográficos. Seres que voltarão para as
trevas, assim que o remédio democrático fizer a profilaxia e tudo retornar ao
eixo.
O
problema é que enquanto a esquerda aguarda ansiosa as eleições e o exército
brancaleone de advogados tenta juridicamente libertar Lula, a direita ganha de
goleada a guerra simbólica da comunicação. A esquerda sabe disso e sente o
golpe, embora tente racionalizar tudo num processo patológico de negação e autoengano
– por exemplo, reduzindo a direita a “histéricos” e “hidrófobos”. Mas estão
ganhando por WO a guerra semiótica.
O mal-estar da Camiseta vermelha e do Museu da Direita
Dois
episódios recentes demonstram esse mal-estar esquerdista pela sua displicência
com o tema da comunicação.
O
primeira episódio foi o lançamento nas redes sociais de uma camiseta da seleção
brasileira “de esquerda”. Criada pela designer mineira Luísa dos Anjos Cardoso,
é uma camiseta vermelha, com o escudo da CBF e o símbolo comunista da foice e
martelo. A camiseta alternativa seria uma solução para esquerdistas torcerem
para a seleção na Copa: como poderão torcer pela seleção na Copa da Rússia com
a camiseta amarela que acabou se tornando emblemática nas manifestações dos
“coxinhas” nas ruas?
E o
outro episódio é a página do Facebook “Museu da Direita Histérica”, com mais de
15 mil seguidores. O propósito é “guardar para a posteridade os maiores micos
dos representantes da extrema-direita na história recente do País”. Lá tem de
tudo: da dança do impeachment ao non sense da maçã da Luana Piovani para comemorar
a prisão de Lula.
Claro
que a camiseta alternativa da seleção brasileira foi um sucesso com milhares de
pedidos de encomenda. Para a artista plástica, a camiseta seria para torcer
pela seleção “sem ser confundido com o pato amarelo paneleiro”.
Esses
dois simples episódios parecem demonstrar que quando a esquerda tenta
ridicularizar o rival político, na verdade está rindo de si mesma. Um riso
amarelo e nervoso – afinal os “paneleiros do pato amarelo” ganharam a guerra da
comunicação. E aqueles histéricos de camiseta amarela que gritam na foto de
capa da página do Museu da Direita fizeram parte de uma estratégia profissional
de Guerra Híbrida, para a qual, até agora, a esquerda olha bestificada.
A bomba semiótica da iconificação
Olha
atônita e sem reação para a estratégia semiótica profissional chamada de iconificação, estratégia criada pela
propaganda nazista e que até hoje é a marca da iconificação da indústria pop e
da táticas de guerra semiótica em tempos de conflagração política.
O que
é a operação semiótica de iconificação? Tudo começou lá na década de 1920 com a
construção do logo da suástica nazi: pega-se um símbolo místico budista tibetano
e “iconifica”: invertida e colocada na forma sinistrogira (giro anti-horário,
ao contrário da normal, dextrogira), num design elegante preto em um fundo
branco, tornou-se um ícone.
Ícones
têm a propriedade de serem facilmente massificados, ao contrário dos símbolos.
Símbolos são sectários e exclusivos – dependem do domínio de um código para ser
decifrado pelo iniciado.
Enquanto
os ícones não exigem códigos e são compreendidos em si mesmos: “uma imagem vale mais do que mil palavras”,
diz a máxima confuciana. Não importa em qual cultura ou religião encontremos
uma suástica. Sempre faremos a associação sinistra com o nazismo, deixando de
lado o símbolo: afinal, só compreendido para iniciados a uma religião ou
cultura.
Na
cultura pop temos a clássica iconificação do mito simbólico de Che Guevara: de
símbolo exclusivo da esquerda, foi iconificado a partir da fotografia clássica
de Alberto Korda. Transformado em ícone pop, abandonou o simbolismo ideológico
guerrilheiro para se converter numa imagem motivacional de alguém que lutou
pelos próprios ideais – estampada desde capas de estepes em caras SUVs
importadas chegando a ser encontrada em adesivos nos baús de motoqueiros –
sobre a “semiótica de Che Guevara” clique aqui.
A
tática de guerra semiótica da direita não poderia deixar de lado essa perfeita
bomba semiótica da iconificação. Se apropriaram de dois símbolos: a bandeira
nacional (o verde simbolizando nossas matas, o amarelos as riquezas etc.) e a
camiseta da seleção brasileira (o simbolismo da “pátria de chuteiras”) para se
transformarem em ícones perfeitos: adereços em manifestações para exposição
repetitiva nas ruas e TV. Até se transformarem em ícones perfeitos: os símbolos
foram esquecidos (o nacionalismo) para se converterem em ícones de “paneleiros”
e “coxinhas”.
A urgência do ícone
Enquanto
isso, no campo da comunicação a esquerda se arrasta com a exposição de
simbolismos de luta e resistência: da cor vermelha de forte carga ideológica às
“cartas para Lula” (com mensagens de “solidariedade e resistência”) e as
centenas de pessoas que gritam “bom dia, Lula” diante dos cárceres da PF em
Curitiba.
Símbolos
são mensagens oblíquas, enviesadas, sectárias. Enquanto ícones são assertivos,
afirmativos, urgentes.
As
poucas iniciativas de iconificação na rarefeita estratégia de comunicação
esquerdista tendem para o grotesco, como “teratopolítica” (transformar o
oponente no morfologicamente disforme, monstro ou simulacro humano): por
exemplo, figurar o desinterino Temer como um vampiro. Ícone que explora o medo,
enquanto os ícones “parasitários” (por apropriação) tendem para a positividade
e asserção.
Bonecos
infláveis do justiceiro Sérgio Moro figurado como um super-herói ou Lula como
um presidiário (o “pixuleco”) são exemplos bem sucedidos desses ícones
parasitários. Assim como as camisetas de “Che Madruga” parasitando o herói
comunista.
O riso
nervoso da esquerda ao ver os vídeos impagáveis do Museu da Direita Histérica
ou o clique apressado para conseguir fazer uma encomenda da “camiseta da
seleção esquerdista” pela Internet são sintomas da acachapante vitória da
direita no campo semiótico da sociedade.
Enquanto
a esquerda agita bandeiras e balões simbólicos do PT, MST e CUT em
manifestações, a direita parasita iconicamente os símbolos nacionais. Por isso
a esquerda sempre perde a batalha desigual contra a bomba semiótica da iconificação.
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