Diante da sequência de ataques ocorridos na Alemanha, o site da Deutsche
Welle (empresa de radiodifusão alemã) cogitou a possibilidade de o país estar
sofrendo uma sequência de “assassinatos copycat”, efeito de contágio
desencadeado por uma “fórmula dramatúrgica” através da qual a mídia vem
tratando diferentes eventos. Atentados terroristas genuínos e ataques de
assassinos solitários são descritos dentro de um mesmo script sensacionalista,
criando um gigantesco “efeito Heisenberg”: a mídia está cada vez mais cobrindo
a si mesma e os seus efeitos sobre as pessoas.
Nas históricas
nevadas de 1996 na Costa Leste dos EUA, que nas transmissões ao vivo pelo canal
CNN eram consideradas a maiores do século deixando Nova York e mais dez estados
sob quase meio metro de neve, ocorreu um fato inusitado: embora a CNN alertasse
os telespectadores a não saírem de casa, câmeras mostravam pessoas caminhando
pelas ruas. E elas declaravam para as mesmas câmeras o porquê de estarem
arriscando o pescoço: queriam fazer parte de um evento considerado pela TV o
maior do século!
Para o jornalista Neal Gabler a mídia parece
estar cada vez mais cobrindo a si mesma e os seus efeitos sobre as pessoas.
Gabler chamou isso de “efeito Heisenberg” numa referência ao princípio quântico
da incerteza quando a luz que permite que observemos uma partícula interfere no
próprio momentum da partícula.
Uma das facetas
desse efeito Heisenberg midiático é o chamado “efeito copycat”: há evidências
crescentes de que um ato de assassinato em massa irá inspirar outros a cometer
crimes semelhantes. Relatos sensacionalistas da mídia sobre carnificinas como
as ocorridas em Munique e numa casa de repouso no Japão desempenham um papel
crucial na criação de “assassinos copycat”.
Quem admitiu
essa hipótese, há muito discutida por pesquisadores e por esse blog, foi artigo publicado no site da Deutsche Welle de 26 de julho sobre o impacto dos últimos ataques
ocorridos na Alemanha – clique aqui.
O artigo aponta
que o ataque no shopping center em Munique ocorreu exatamente cinco anos após o
extremista de direita Andres Breivik matar 77 pessoas na Noruega. Segundo a
reportagem, há uma possibilidade de que o massacre do norueguês ter sido um
modelo para o assassino de Munique.
Período de contágio
A Deutsche Welle ainda cita a pesquisa do estatístico
Sherry Towers, da Universidade Estadual do Arizona. Em 2015 debruçou-se no que
ele chama de “efeito de contágio” de notícias sobre atiradores em massa. Towers
afirma que notícias sobre esses eventos de ataques (com quatro ou mais mortes)
criam um período de contagio que dura em média 13 dias.
“Esse tipo de pensamento contagioso não é
implausível”, disse Towers. Jovens podem ser suscetíveis a ideias de suicídio ao
ver esses eventos na mídia. “Assassinatos em massa e tiroteios em escolas que
atraem mais a atenção dos meios de comunicação podem, potencialmente, fazer a
mesma coisa em escala maior”, observou Towers.
Assassinos em massa são sempre assassinos
copycat. Para Towers, sempre procuram um modelo de referencia que emulam e até
tentam superar.
Britta Bannenberg, advogado e criminalista de
Giessen, Alemanha, descreve que muitos deles escrevem diários ou inventam
histórias onde descrevem o incidente. Planejam seus ataques com semanas de
antecedência. Eles leem sobre outros incidentes e assistem a documentários e
vídeos. Cercam-se com armas reais ou falsificadas, escrevem notas de despedidas
e pensam no que vão vestir durante o tiroteio.
Bannenberg acrescenta que esses assassinos
copycat ainda jogam vídeo-games com simulações de situações análogas a que
enfrentarão para imaginar a si mesmos realizando as ações.
Ataques na Noruega em 2011 |
A mídia é essencial para esse tipo de
assassino pois fornece informações sobre os ataques anteriores, fazendo o
atacante se identificar com modelos de vingança.
O artigo da publicação alemã cita ainda um
conhecido pesquisador desse blog, o norte-americano Loren Coleman, autor do
livro The Copycat Effect: how the media
and popular culture trigger the mayhem in tomorrow’s headlines.
De acordo com Coleman, nas reportagens sobre
esses eventos devem ser evitadas certas expressões como “ataque bem sucedido”
ou “suicídios mal sucedidos”. Além de estereótipos como “uma pessoa comum”
(“the boy next door”) ou “lobo solitário”. Para Coleman, jornalistas devem
relatar objetivamente tais eventos.
Para o psicólogo alemão Jens Hoffman,
referindo-se ao assassino de 19 anos que matou 16 pessoas na sua escola em
Erfurt, Alemanha, em 2002, “se assassinos como Robert Steinhäuser não forem nem
demonizados e nem apresentados como inocentes, suas biografias futuras
retratarão seus conflitos interiores e fraquezas. Dessa forma a função de
modelo de assassino em massa pode ser enfraquecida”.
“Copycat” é uma expressão em inglês que tem a
sua origem no fato de que filhotes de gato tendem a imitar o comportamento da
mãe.
Fórmulas dramatúrgicas
Uma das bases teóricas explicativas do
chamado efeito copycat é a “Teoria da Aprendizagem Social”, ou “Teoria
da Modelagem”. Essa abordagem sustenta que os indivíduos podem aprender
determinados comportamentos socialmente, de maneira informal, fruto da mera
observação.
Através da observação de comportamentos
considerados como “modelos” produziriam resultados também almejados por outras
pessoas. A imitação ocorreria na expectativa de obter os mesmos resultados
observados na ação ou comportamentos modelados.
A questão é que a mídia não relata
simplesmente os eventos, mas sempre os insere dentro de “fórmulas
dramatúrgicas” que podem acabar criando “modelos bem sucedidos” no mundo real.
O que torna ainda mais irresponsável
estratégias propagandísticas como a recente do ministro da Justiça Alexandre de
Moraes em convocar a imprensa para divulgar “investigações sigilosas” sobre suposta
“célula amadora” do ISIS em território brasileiro a poucos dias dos jogos
olímpicos. “Modus operandi” e as mesmas fórmulas dramatúrgicas foram
didaticamente apresentadas – sobre isso clique aqui.
E ainda aproveitando o timing do ataque em
Nice e aqueles ocorridos na Alemanha, criando a percepção de algum potencial
fenômeno endêmico. O que pela hipótese
do efeito copycat, apenas cria o cenário ideal para mais comportamentos modelados.
De traficante a terrorista
E para piorar, obedientemente a grande mídia
quer transformar a ação de relações públicas do ministro em uma grande suíte
jornalística como se verificou no recente episódio da prisão de um traficante
de drogas libanês em São Paulo.
Procurado pela Interpol por tráfico
internacional de drogas desde 2013, Fadi Hassan Nabha, foi preso ontem em São
Paulo por falsidade ideológica.
Na transmissão ao vivo pela Globo News, o
repórter, diante da delegacia de polícia onde o traficante se encontrava,
reportou a trajetória do libanês com o tráfico de drogas desde 2002. Mas nada
falou sobre uma suposta conexão com o terrorismo do Hezbollah, embora a
manchete colocada nas imagens fosse essa.
Hoje, toda a grande mídia segue
obedientemente a angulação iniciada pela Globo News: uma notícia que deveria se restringir apenas
às páginas policiais, passa a ser enquadrada como mais um evento dentro da
retranca “Ameaças Terroristas na Rio 2016”.
Scripts midiáticos como esses, onde eventos a
princípio isolados são reunidos em uma mesma retranca como se estivessem
ocorrendo dentro de uma ação geral deliberada, é o típico modelo de comunicação
que pode criar assassinos copycat.
Se essa hipótese for verdadeira, o contínuo
midiático seria um gigantesco efeito Heisenberg: se na sua essência as ações
terroristas são voltadas exclusivamente para a repercussão midiática chegamos a
uma situação na qual ficaria impossível distinguir um genuíno evento terrorista
de um assassinato em massa copycat.
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