Onde foi parar o caderno de anotações
do físico sérvio Nikola Tesla, com segredos capazes de mudar o mundo? Está nas
mãos de agências do Governo? Corporações já aplicam seus segredos? Ou esses
segredos já são conhecidos por sociedades secretas como o Bohemian Grove? Ao
investigar um caso corriqueiro de infidelidade conjugal, um detetive barato
tropeça por acaso numa das maiores conspirações do século XX. Esse é o filme
“The American Side” (2016) onde nos revela como o personagem do Detetive sofreu
profundas alterações desde Sherlock Holmes de Conan Doyle: enquanto Holmes
contava com a lógica dedutiva, o detetive atual tem unicamente ao seu lado a
intuição, a experiência e paranoia que comprovam que a realidade em muito
supera a ficção. Por isso esse traços pós-moderno vão aproximar o Detetive da
mitologia gnóstica. Mais um filme sugerido pelo nosso leitor Felipe Resende.
Era uma vez o detetive, o herói da modernidade, com
sua mente privilegiada e infalibilidade. Esse personagem surgiu na literatura
no século XIX onde imperava a ciência e a crença da racionalidade do mundo. Com
seu raciocínio dedutivo implacável ultrapassava o véu das aparências e revelava
a verdade por trás dos enigmas, crimes e sombras. Sherlock Holmes de Conan
Doyle foi o representante dessa era.
Hoje, as ilusões e a desconfiança continuam, mas a
fé na dedução e na racionalidade se perderam. O detetive de Doyle foi
substituído pela figura do detetive particular barato, desiludido e alcoólatra
que a tradição do film noir criou.
Sem método, esse detetive tenta resolver enigmas e mistérios com a intuição e
experiência.
Mas esses mistérios
tornaram-se ainda mais espessos. Na verdade, tornaram-se verdadeiras
conspirações onde o detetive descobre que por trás de pequenos escroques,
assassinos e chantagistas escondem-se sociedades secretas, corporações e
confrarias sem rostos. Diante desses demiurgos o raciocínio dedutivo não mais
funciona: a própria razão faz parte da ilusão. O que torna todos nós detetives,
porque a existência inteira é uma conspiração de alguém que não nos ama.
O filme The American Side revisita esse
verdadeiro arquétipo contemporâneo do detetive cruzando com uma das maiores
teorias conspiratórias do século XX: o destino dos cadernos de anotações
perdidos do subestimado inventor e físico sérvio Nikola Tesla.
Assim como o detetive noir, Tesla acreditava muito mais na
intuição do que na ciência ortodoxa e pagou um preço caro por isso: foi
destruído pelos seus financiadores norte-americanos Westinghouse e JP Morgan,
quando estes se sentiram enganados ao descobrirem que Tesla usava o dinheiro
para pesquisar a energia livre e sem fios através da atmosfera – um
contrassenso aos interesses econômicos monopolistas.
Tesla morreu em 1943
solitário em um quarto de hotel em Nova York, financeiramente quebrado e na
companhia de um bando de pássaros. Seu precioso caderno de anotações com
apontamentos e diagramas teria sido confiscado pela inteligência militar
americana. Subprodutos das suas descobertas, em torno de 700 patentes, estariam
espalhados por todos os lados, do rádio e TV, passando pela Corrente Alternada
que conduz energia elétrica a distâncias, até chegar a componentes de
computadores. Tesla inventou o século XX – mais sobre ele clique aqui.
Mas a principal
invenção estaria cercada de mistérios: o chamado “raio da morte”, imortalizado
pela literatura pulp fiction scy fi
ao longo de décadas. Tesla acreditava que se ambos os lados tivessem a arma
seria criado um impasse estratégico e, por fim, a paz mundial. Porém, DARPA
(Defense Advanced Research Projects Agency), CIA e o complexo militar
norte-americano conspiram para tornar a arma unicamente propriedade do lado
americano.
Essa é a ambiguidade
do título do filme: refere-se ao lado americano das cataratas do Niágara onde
um dos personagens se matou; mas também é o esforço de uma conspiração
governamental para que a grande invenção de Tesla fique do lado dos EUA. E o
detetive anti-herói de The American Side,
sem querer, mergulha nessa trama sinistra onde só pode contar com sua intuição.
O Filme
Escrito pelo ator
principal Greg Sthur e dirigido por Jenna Ricker é uma aventura com diversas
referências que vão do film noir ao
suspense de Hitchcock, cheio de personagens obscuros e que fazem a delícia dos
cinéfilos. A narrativa gira em torno do caderno de anotações perdidos de Tesla,
procurado por luminares da ciência, FBI, CIA, DARPA e até por agentes da terra
natal do inventor, a Sérvia.
O detetive particular
Charlie Paczynski (Sthur) nunca sequer ouviu falar de Tesla e nem tem qualquer
interesse em aprender. É um detetive barato que fuma um cigarro atrás do outro
enquanto investiga casos de traição conjugal reunindo provas por meio de fotos.
Mas em um dos casos a
coisa foi mais longe do que imaginava. Ao tirar as fotos de um dos
investigados, Tom Soberin, em um encontro amoroso em um carro sob o neón de uma
roda gigante de um parque de diversões, tudo acaba terminando abruptamente com
um tiro matando a companheira. O que Charlie não sabia é que Soberin não era
apenas um velho mulherengo. Era um engenheiro mecânico que trabalhava para a
empresa Chase and Whitmore em um projeto secreto.
Ao investigar o
assassinato da amante de Soberin, Charlie cai em uma teia de espionagem
internacional. Todos estão à procura de uma página perdida do caderno de Tesla,
com projetos e diagramas de uma invenção capaz de mudar a geopolítica mundial –
o “raio da morte”.
Durante todo o resto
do filme acompanhamos uma trama complexa, e algumas vezes confusa: um professor
que supostamente se matou nas cataratas do Niágara se jogando dentro de um
barril (no “lado americano” das cataratas); uma engenheira sexy e brilhante
chamada Nikki, uma agente do FBI que pode não ser quem diz ser; um rico vilão
psicótico interpretado por Matthew Broderick que parece querer dominar o mundo
com as invenções de Tesla e sua irmã Emily que faz o jogo da donzela em perigo,
mas com alguma espécie de plano de revelar o projeto da energia livre e ilimitada
do inventor Tesla. E uma galeria de outros personagens suspeitos que apenas
servem de pistas falsas tanto para o detetive quanto para o espectador.
Charlie é paranoico,
somente se comunica através de telefones públicos e tem uma atração pelo lado
underground ou “perdedor” da sociedade. Quando no filme o comparam a Philip
Marlowe, famoso personagem dos filmes noir
interpretado por Humphrey Bogart, Charlie é seco – “prefiro Mike Hammer”, menos
conhecido detetive de histórias em quadrinhos dos anos 1950.
O Detetive pós-moderno
Ao contrário do
detetive clássico que fundou a modernidade, o detetive pós-moderno vive no
submundo. Seus informantes são dançarinas e cantoras de boates, investigadores
da polícia que vivem na fronteira com a ilegalidade. As cenas pontuais do filme
são perseguições em estruturas industriais abandonadas ou à beira de abismos
que despencam nas cataratas do Niágara.
É a vida por um fio em
um mundo em ruínas. Em ruínas porque as aparências e as ilusões são destruídas
pelo detetive, mas não através de um método dedutivo. Mas sempre por meio de
coincidências, golpes. O detetive conta com o aleatório, o acaso.
O detetive pós-moderno,
mais paranoico e menos racional, funda-se nas experiências marcantes do
pós-guerra: as experiências das bombas atômicas em Nevada, o incidente da queda
de um suposto disco voador em Roswell, EUA, no auge dos avistamentos de OVNIS
na cultura pop nos anos 1950. Aliens? Área 51? Experiências secretas do
Governo? O Governo é dominado por aliens ou sociedades secretas? Ou é tudo a
mesma coisa?
Do pós-moderno ao gnóstico
As linhas de diálogo
de The American Side chegam a citar o
famigerado Bohemian Grove, clube exclusivo da elite mundial localizado na Califórnia
onde, entre outras coisas, teria sido decidido o ataque nuclear ao Japão no
final da Segunda Guerra Mundial. Tudo em meio a estranhos rituais de culto aos
pés de uma gigantesca estátua de pedra na forma de coruja que remontaria à
adoração a uma entidade luciferiana babilônica chamada Moloch – sobre isso clique aqui.
Embora muito carregado
e caricato, o detetive Charlie aproxima-se do personagem gnóstico do Detetive,
aquele cuja desconfiança radical diante da consistência (ou racionalidade) da
realidade conduz ao estado alterado de consciência da paranoia: nessa
verdadeira falha da razão, o personagem se abre para a descoberta de conexões
impossíveis de serem descobertas por um método lógico.
Quando descobrimos os
verdadeiros demiurgos por trás da aparente banalidade e realismo do dia-a-dia
(os gigantescos interesses de corporações, governos e confrarias) tememos ter o
mesmo destino do físico e inventor Nikola Tesla. E nesse instante tomamos
consciência de que as “coincidências” e “acasos” fazem a realidade superar a
ficção.
Ficha Técnica |
Título: The
American Side
|
Diretor: Jenna Ricker
|
Roteiro: Greg Stuhr, Jenna Ricker
|
Elenco: Greg Sthur, Alicja Bachleda,
Camila Belle, Matthew Broderick, Robert Foster
|
Produção: One Horse Shy Productions
|
Distribuição:
The Orchard
|
Ano: 2016
|
País: EUA
|
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