quarta-feira, dezembro 10, 2014

Efeito Pinball potencializa bombas semióticas na mídia

Quem não conhece o jogo de arcade chamado Pinball? Um lançador dispara uma bolinha de metal que bate e rebate em pinos somando pontos a cada tilintar barulhento. Numa tragicômica analogia, a grande mídia parece ter transformado o País numa gigantesca arcade ao chegar no estado da arte de impor sucessivas agendas que se assemelham a bolinhas metálicas disparadas em um Pinball: “mensalão”, “caos aéreo”, “o gigante acordou”, “petrolão” etc. O Governo responde aqui e ali com notas, criando um círculo infernal de bate-rebate que só legitima a agenda anteriormente criada. O Efeito Pinball se transforma no meio condutor das bombas semióticas que são detonadas diariamente nas mídias. Por si só elas não têm força: necessitam do meio condutor da agenda, assim como as ondas de choque produzidas por uma bomba química necessitam do ar.

Nas últimas edições do telejornal SPTV da Globo, o apresentador Cesar Tralli tem se mostrado particularmente indignado, não se sabe porque orientado pelo ponto para que ele eleve o tom das críticas ou se está contaminado pelo clima do chamado “terceiro turno” que se seguiu após as eleições.

Em sucessivas matérias Tralli tem demonstrado uma indignação tão cívica quanto seletiva. Na inauguração de mais uma ciclo-faixa, na Zona Norte da cidade de São Paulo, dispara inconformado: “assim é fácil fazer 400 quilômetros de ciclo-faixas, passar a tinta sobre buracos”, diz mostrando um close up de um buraco no meio da faixa recém-inaugurada. Pelo tipo de lente e esmero da teleobjetiva parecia mais uma cratera lunar!


SPTV apresenta a "indignação" de César Tralli
Cresce o número de latrocínios (roubos seguidos por morte) em São Paulo? Tralli fica com raiva, tenta atropelar por três vezes o comentarista especialista em segurança do telejornal, Diógenes Lucca, para tentar nacionalizar um problema que é de alçada estadual: “é muita arma andando por aí”, repete, para tentar puxar o problema para uma suposta ineficiência do Governo Federal em vigiar as fronteiras do País e impedir o tráfico de armas para dentro do País.

A represa Guarapiranga esvazia na eufemisticamente chamada “crise hídrica”? Culpa da construção ilegal de casas em áreas de mananciais que a Prefeitura deveria fiscalizar... O repórter às margens da represa até tenta relativizar: as construções TAMBÉM colaboram com a crise hídrica. Corta para o estúdio: para o indignado Tralli não existe “também”. O prefeito Haddad é o único responsável pela seca na represa.

“O que é bom a gente fatura”


Essa é apenas uma amostra mínima das bombas semióticas cotidianas que a grande mídia vem detonando diariamente, de segunda a domingo, em cada telejornal, a qualquer hora do dia: problemas locais devem ser obrigatoriamente nacionalizados – quem não se lembra, por exemplo, no caso “tem alemão no campus” onde um repórter da rádio CBN tentou ligar manifestações estudantis na USP com uma situação pré-insurrecional supostamente dominando o País - sobre isso clique aqui.

E os problemas nacionais devem se transformar em evidências da proximidade do colapso econômico e do escândalo político. A não ser que o TSE nos salve.

Até aí não há grande novidade. Desde que em 1994 as antenas parabólicas transmitiram indiscretamente a fala do ministro da Fazenda Rubens Recupero antes de entrar no Jornal da Globo (“Eu não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”), esse modus operandi promíscuo entre grande mídia e os cenários políticos não surpreende ninguém.

A espiral do silêncio:
clima de opinião e conformismo
A novidade é que essas pequenas bombas semióticas cotidianas não buscam a persuasão (como é a natureza de toda bomba). Seu objetivo não é o convencimento ou doutrinação ideológica – as pequenas bombas semióticas visam criar pânico, alterar a percepção, disseminar a chamada espiral do silêncio – estado de clima de opinião de uma suposta unanimidade graças a consonância e onipresença nas mídias, onde as vozes discordantes tendem a silenciar por terem a percepção de serem minoritárias – tendem ou à cooptação ou ao simples silêncio.

Para que essas bombas semióticas sejam eficazes é necessário um “ambiente” condutor, assim como o ar que propaga as ondas de choque de uma explosão. Esse ambiente é proporcionado pela criação de uma agenda. Antes das bombas semióticas serem lançadas, é necessário que a grande mídia imponha uma agenda, uma pauta que produza consonância, acumulação e onipresença midiática.

O Efeito Pinball


Nesses doze anos de governos do PT, nunca o governo federal conseguiu impor uma agenda própria. Ao contrário, reage sempre numa estratégia de controle de danos aos sucessivos estragos provocados pelas agendas criadas pela mídia e replicada pela oposição parlamentar. O que cria um curioso efeito que poderíamos denominar de Efeito Pinball – o tradicional jogo de arcade operado por moedas onde o jogador opera uma ou mais bolinhas metálicas contidas no interior de um campo coberto por vidro. Com a mesma dinâmica da diversão eletrônica, a grande mídia dispara a bolinha que começa a rebater em pinos e flips, somando pontos.

Bolinhas são seguidamente disparadas: a agenda do mensalão; depois o caos aéreo; a descontrolada inflação do tomate; as manifestações de rua do “gigante que acordou”; o chamado “terceiro turno”; e atualmente o “escândalo do petrolão” e a iminência de um impeachment da presidenta eleita.

Estamos presos numa
pinball machine?
Elas rebatem aleatoriamente nos pinos e flips criando ressonância, recursividade, loopings: numa estratégia reativa de controle de danos o Governo é obrigado a ser o interlocutor, dar respostas em notas aqui e ali. O que dá mais legitimidade ao jogo... e as bolas batem e rebatem... tlim!... tlim!... tlim!.... Pontos são somados num ciclo vicioso infernal.

A única agenda que os governos petistas tem sido bem sucedidos é a econômica, nada bolivariana, por sinal: modernizou o capitalismo brasileiro com a normalização das funções de reprodução da mão de obra e consumo como medidas de inserção social e a manutenção da financeirização – o neodesenvolvimentismo.

Como vimos em outra oportunidade, essa combinação de estratégia de controle de danos no pinball político e o neodesenvolvimentismo acabou chocando o ovo da serpente de duas formas: de um lado o ódio da Casa Grande que não suportava dividir aeroportos com a chamada “nova classe média” e ver o quarto da empregada vazio (ela foi embora para a Universidade!); e do outro, os novos egressos da sociedade de consumo que confundiram consumo com ascensão social e combinaram despolitização com ideologia meritocrática – sobre isso clique aqui.

É a agenda, estúpido!


O verdadeiro poder da mídia não está em dizer para as pessoas o que pensar, mas sim sobre o que pensar. Essa sutil mas enorme diferença é a base da chamada Agenda Setting ou Teoria do Agendamento formulada em 1972 por Donald Shaw e Maxwell McCombs – a mídia é muito pouco eficiente em impor conteúdos, posições ou valores, mas ela é ótima em criar uma pauta ou hierarquia de temas supostamente pertinentes a serem discutidos pela sociedade.

Para que a pauta seja pertinente, é necessário que a percepção da opinião pública seja moldada através de uma sensação de acumulação, consonância e onipresença das mídias. Para a Teoria do Agendamento, pouco importa se essa percepção tenha alguma base na realidade. O que interessa é o efeito de criar o meio condutor das ondas de choque das bombas semióticas.

Por si, as bombas semióticas não possuem efeito. As mídias manipulam e sempre manipularão. Porém, a novidade é que elas necessitam dessa engenharia de opinião pública que dê pertinência às manipulações semióticas.

Apesar da relativização do fator da ocupação dos mananciais como causa da seca da Guarapiranga que o repórter tentou dar no SPTV da Globo, a desautorização de César Tralli no estúdio só passou a ser relevante porque tem toda uma agenda por trás: a pauta da catástrofe que representariam as administrações petistas.

Na medida em que o Governo Federal ou Municipal se tornam interlocutores nessa agenda, só a legitima e acaba criando o infernal efeito Pinball: apenas rebate a bolinha para o próximo pino que retorna com força maior.

Em consequência acaba produzindo a espiral do silêncio: a percepção de uma suposta unanimidade que acaba cooptando outros pinos que rebaterão a bolinha – roqueiros como Roger e Lobão, por exemplo.

Tudo que resta ao Governo é a capacidade de criar uma contra-agenda, capaz de criar uma guerrilha semiótica.


O paradoxal em tudo isso é que todo o jogo baseia-se na percepção e no imaginário: no mundo real a grande mídia olha para o próprio abismo financeiro, com a perda de audiência, credibilidade, relevância e ainda o fantasma das tecnologias de convergência que ameaçam engolir as mídias de massas.

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