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terça-feira, setembro 01, 2015

A reencarnação é o inferno da repetição no filme "The Scopia Effect"


Ideia central presente em diversos sistemas filosóficos e religiosos, a reencarnação muitas vezes é concebida como oportunidade de aprendizado, jornada de evolução espiritual ou simplesmente a oportunidade de uma segunda chance. Ao contrário, o filme de estreia do diretor ingles Christopher Butler, “The Scopia Effect” (2014), apresenta uma visão bem diferente: uma regressão hipnótica faz uma jovem ter acesso a partes do cérebro que contém detalhes de suas vidas passadas. E o resultado é a descoberta, da pior maneira possível, do porquê esquecemos nossas vidas anteriores. Aproximando-se de uma concepção gnóstica sobre a reencarnação e inspirado em animes japoneses, “The Scopia Effect” mostra não só como esquecemos os fantasmas não resolvidos de outras vidas, como também o esquecimento nos condena a revive-los em um eterno retorno.

quarta-feira, dezembro 24, 2014

Cristo já está dentro de nós nesse Natal?

“Aquele que beber da minha boca se tornará como eu e eu serei ele”. Essa frase atribuída a Jesus no evangelho gnóstico de São Tomas encontrado no Egito há quase 70 anos é fonte de controvérsia por inspirar uma visão herética de Cristo e da sua missão aqui na Terra: Ele não veio nos “salvar”, mas nos “curar”, isto é, despertar Ele dentro de nós mesmos.

O historiador e mitólogo Joseph Campbell no livro O Poder do Mito nos oferece uma didática interpretação dessa passagem do Evangelho de São Tomas. “Que blasfêmia”, teria observado um padre na plateia em uma conferência de Campbell. Claro, "somente um deus pode se equiparar a outro deus."

Para além da sua figura histórica, como Mito, Jesus Cristo reflete nossas potencialidades espirituais, evocando poderes em nossas próprias vidas. Para Campbell é uma ideia potencialmente revolucionária: além da fé em Cristo suplantar a própria religião institucionalizada, significa, também, superar o nosso próprio ego ao voltarmos à raiz da palavra “religião”: religio, religar, onde a nossa vida isolada é ligada a uma vida una.

sábado, março 08, 2014

Há um fantasma na máquina no filme "Ela"

No filme “Ela” (Her, 2013 - Oscar de melhor roteiro original), o diretor Spike Jonze retorna ao tema da intimidade e incomunicabilidade das relações humanas abordadas pelo filme “Quero Ser John Malkovich” (1999). Só que dessa vez sem alegorias, mas com a mediação tecnológica de um sistema operacional que parece adquirir inteligência e desenvolver emoções autênticas. Será que o software desenvolve uma verdadeira inteligência ou será que nós estamos rebaixando nossas expectativas sobre a inteligência para as máquinas parecerem mais espertas? Se isso for verdade, isso não prejudicaria também nossas expectativas em relação aos relacionamentos e o amor? Mas para Spike Jonze há um fantasma na máquina que pode subverter as programações algorítmicas e encontrar uma dimensão espiritual no espaço quântico entre o “0” e o “1” da codificação binária.

Em meados da década de 1990 um hacker americano em Berlin e um colega francês colocaram em prática uma curiosa experiência em ciber-sexo: criaram um traje especial para o corpo imergir numa experiência de sexo à distância. Uma perfeita máquina de ciber-sexo que possibilitaria uma relação sexual virtual entre Paris e Berlin. O experimento foi divulgado e atraiu uma multidão nas duas cidades. O que se sucedeu foram pessoas vetorizando seus corpos, supostamente sentindo toques e penetrações de seus parceiros remotos como fossem experiências presenciais.

Mas algo curioso aconteceu. Ao final do segundo dia um ciber-parceiro de Paris mandou uma mensagem dizendo que estava tendo um problema com os códigos: uma falha na programação estava fazendo o programa funcionar em loop, em um feedback fechado. O que significava que em dado momento o usuário não estava mais fazendo sexo com algum parceiro remoto, mas com suas próprias sensações digitalizadas em looping. E os participantes estavam adorando! Em síntese, a experiência europeia de ciber-sexo converteu-se em um evento autístico, uma ciber-masturbação (leia KROKER, Arthur. Hacking the Future. New York: St. Martin Press, 1996).

segunda-feira, janeiro 20, 2014

Carma e atração gravitacional no filme "Gravidade"

Desde “2001: Uma Odisséia no Espaço”, nunca um filme como “Gravidade” (2013) do mexicano Alfonso Cuarón, conseguiu representar tão bem a vastidão do espaço e seu vazio obliterante. Indicado ao Oscar de filme, direção, atriz entre outras categorias técnicas, o filme é elogiado pela crítica pela narrativa direta, crua e de grande verossimilhança científica, diferente dos blockbusters recentes, sempre envolvidos em complexas mitologias. Porém, por trás das alucinantes sequências de destruição por detritos espaciais que obrigam a abortar a missão de reparos no telescópio Hubble, há um poderoso núcleo místico-religioso que o próprio diretor admite em entrevistas: morte e renascimento. Mas o filme vai mais além, ao simbolicamente aproximar a lei da gravidade (o mais importante personagem do filme) com a Lei do Carma, atração gravitacional com a reencarnação.

Você está solto no espaço a 375 milhas acima da Terra, o oxigênio está se esgotando, a comunicação foi perdida, uma nuvem de restos catastróficos de satélites está voando na sua direção a 32 mil km/h e não há nenhuma esperança de resgate. O que você faz? O filme Gravidade dirigido pelo mexicano Alfonso Cuarón vai direto ao assunto: sem introduções ou apresentações dos personagens, apenas uma legenda inicial que nos informa que a vida no espaço é impossível. Corta para o exterior onde sempre é noite, a não ser pela enorme nimbus azul-cinza da curvatura da Terra, uma presença constante que representa a força literal da nossa casa: a atração gravitacional, o grande inimigo e ao mesmo tempo aliado com o qual os astronautas terão que lidar para sobreviver.

Uma equipe da NASA está em um passeio espacial de rotina fazendo reparos e atualizando o sistema de computadores do telescópio Hubble. A engenheira Dra Ryan Stone (Sandra Bullock) é a especialista da missão responsável pelos reparos no telescópio enquanto Matt Kowalski (George Clooney) é o experiente líder em sua última missão antes da aposentadoria, coordenando os trabalhos e voando em torno do ônibus espacial. Até que o inesperado acontece: do outro lado do planeta um míssil russo destrói acidentalmente um satélite cujos destroços produz uma reação em cadeia de destruições de outros satélites, criando uma mortal nuvem de destroços.

quarta-feira, julho 17, 2013

Sincromisticismo, parapolítica e matrix na série "Nosso Lar"


Clássico da literatura espírita, a série “Nosso Lar”, psicografada por Chico Xavier, é tradicionalmente interpretada pelo viés moral e religioso da “reforma íntima” do protagonista. Mas olhando detidamente em seu conjunto, a série oferece muito mais: a possibilidade da existência de um campo unificado entre ciências “materialistas” como a Política e Comunicação e o místico e o oculto. As descrições das influências do pensamento dos encarnados no Umbral e como “exércitos sombrios” espirituais próximos da Terra visam o domínio de corações e mentes do planeta para roubar “energia anímica” da humanidade (o que lembra o filme “Matrix”) forneceriam subsídios para duas abordagens heterodoxas: o Sincromisticismo e a Parapolítica.

Desde que li a primeira vez a série “Nosso Lar”, psicografada pelo médium Chico Xavier e atribuída ao espírito de André Luiz, impressionou-me a descrição da dinâmica dos mundos espirituais repleta de conceitos teosóficos como “formas-pensamento”, pluralidade de mundos que se interpenetram, as inter-relações entre os centros corporais de energia (chakras) e as energias presentes no “plano astral”, projeções astrais realizadas pelo espírito no sono etc.

Surpreendeu-me porque até então a abordagem que tinha sobre o conjunto dessa obra era concentrada na necessidade do que os espíritas chamam de “reforma íntima” (a necessidade da mudança interior moral, espiritual e ética no sentido evolutivo) concentrada no exemplo da trajetória espiritual do médico André Luiz. Palestras, preleções, e lições baseadas principalmente nos princípios do Evangelho cristão e a compreensão da Lei da Ação e Reação à qual todos os espíritos estariam submetidos.

sexta-feira, julho 05, 2013

Um espiritualismo eletromagnético no filme "Accumulator 1"


A engraçada ficção científica checa “Accumulator 1” (1994) se associa a uma longa tradição cinematográfica de representações da TV e do controle remoto como veículos de disseminação do Mal, portais multidimensionais ou como meio de conexão com mundos espirituais e virtuais que podemos ver em filmes como “Poltergeist”, “Videodrome” ou “Click”. Por trás desse imaginário estaria o fascínio pelos fenômenos eletromagnéticos que, desde a sua descoberta, sempre estiveram associados ao oculto e ao espiritualismo. Em “Accumulator 1”, por exemplo, a TV é um dispositivo que drena energias vitais dos espectadores que vão animar um universo alternativo espelhado.

sexta-feira, março 08, 2013

Quem você vai encontrar depois de morrer?


As representações da vida pós-morte no cinema são um verdadeiro sismógrafo do que se passa entre os vivos aqui na Terra. As sucessivas mudanças das representações cinematográficas do céu e da morte ao longo das décadas parecem refletir ansiedades culturais, avanços tecnológicos e importantes fatos históricos. Ao fazer um cruzamento do conto “Os Fantasmas de Scrooge” de Charles Dickens com a chamada “Teoria dos Seis Graus de Separação” o filme “As Cinco Pessoas Que Você Encontra no Céu” (Five People You Meet In Heaven, 2004) comprova essa tese ao nos apresentar um cenário pós-morte onde pessoas criam seus próprios “céus”, como fossem anjos decaídos imersos em si mesmos. Seria o reflexo da virtualização atual do eu no ciberespaço onde avatares se transformam em espécies de divindades criadoras?

As representações do cinema sobre a existência pós-morte revelam muitas mais as mazelas da vida terrena do que qualquer verdade extra-corpórea. Como nenhum cineasta conseguiu voltar da morte com takes para um documentário sobre a vida após a morte, o tema acabou tornando-se um espelho das ansiedades culturais, avanços tecnológicos e crises religiosas e espirituais de cada época.

Apesar das representações do céu, da morte, e da existência pós-vida se alterarem de acordo com o imaginário de cada época, uma fórmula básica se mantém, a partir da qual se criam diversas narrativas e variações: personagem principal morre, chega no “céu” (algum espaço intermediário entre a Terra e o céu, limbo, ante-sala celestial ou a própria plenitude celeste etc.)  e é submetido a algum tipo de julgamento (revê sua própria vida, mentores ou entidades superioras o julgam, retorna para a vida para uma “segunda chance” etc.).

quarta-feira, janeiro 09, 2013

Gnose e viagem no tempo em "Safety Not Guaranteed"

Ao contrário dos filmes tradicionais sobre viagem no tempo onde a atração principal são sempre os aparatos tecnológicos, no filme independente “Safety Not Guaranteed” (2012) a máquina do tempo é apenas o pretexto para a narrativa apresentar insights reveladores do estranhamento de pessoas em relação ao mundo moderno e nas maneiras de escapar e expressar seu descontentamento. E também diferente dos clichês da “segunda chance” nas viagens ao passado, nesse filme a suposta existência de uma máquina do tempo é a oportunidade de uma espécie de “transcendência espiritual mundana” baseado na ruptura da prisão existencial de “perdedores” em uma sociedade vazia de sentido.

Viagem no tempo é um tema recorrente no cinema. Na concepção clássica encontramos até os anos 1970 o viajante como uma mera testemunha de eventos do passado e do futuro que não podem ser alterados. Os protagonistas lutam contra a seta do tempo e podem até morrer, mas fatos providenciais sempre impedem que a História seja alterada. A série de TV “O Túnel do Tempo”(1966-67) ou o filme “Um Século em 43 minutos” (1979) são bons exemplos.

A partir da trilogia “De Volta para o Futuro” nos anos 1980 temos uma viagem no tempo paradoxal: podemos voltar ao passado e criarmos futuros alternativos, novos presentes e até confrontarmos com o “paradoxo dos gêmeos”. O cinema passa a explorar o tema da “segunda chance”: a viagem no tempo torna-se uma esperança para alterarmos as causas dos maléficos efeitos que enfrentamos. Dor, culpa, arrependimento poderiam ser consertados, às vezes com nefastas consequências como no filme “Efeito Borboleta” (Butterfly Effect, 2004).

Já o filme independente “Safety Not Guaranteed” (um típico produto do Instituto Sundance), primeiro longa de Colin Trevorrow, parece criar um contraponto nessa trajetória do Tempo no cinema: o filme não é sobre viagem no tempo, mas é de viagem no tempo no sentido mais amplo do termo. A possível existência de uma máquina do tempo serve apenas de pretexto para os protagonistas revelarem em relação ao passado nostalgia, experiência de perdas, culpa e remorso. Ao longo da narrativa vemos ambíguos indícios ou pistas sobre a construção de uma máquina do tempo, o que parece ser apenas mais uma estória que revela a problemática relação dos protagonistas com o passado.

sexta-feira, outubro 12, 2012

Os Cátaros, Paulo Coelho e o turismo esotérico

Escalar uma "montanha mágica" nos Pirineus para encontrar a fortaleza dos heréticos Cátaros do século XII. O problema é que, para eles, toda a suposta beleza dos céus e da Terra era “obra de um demônio”. Mas para um turista esotérico isso não importa: a jornada descrita pelo famoso escritor de best sellers esotéricos Paulo Coelho confirma os principais mitos dessa agenda “new age” cujo imaginário criou um subgênero na indústria do turismo. Os mitos dessa jornada: Os “Sinais”, O “Todo”, Os “Lugares Especiais” e O “Antigo”.

Em uma das minhas visitas à cidade de Santos (meus pais moram lá) me detive diante de uma banca de jornal e parei na primeira página do jornal “A Tribuna de Santos”. Era domingo, dia em que o jornal vem com o suplemento “ATrevista”, uma revista de variedades culturais, culinárias e dicas de compras. Temas bem amenos para um típico domingo santista ensolarado e quente. Folheando a revista, perdido entre receitas culinárias e páginas publicitárias, encontro uma coluna do famoso escritor de best sellers esotéricos Paulo Coelho intitulado “Montanha Mágica” (clique aqui para ler).

O texto começa com uma típica descrição turística sobre “uma das as mais belas regiões do mundo”, Languedoc nos Pirineus e Sudoeste da França. “Mas foi nesse lugar magnífico que nasceu a primeira grande “heresia” europeia: o catarismo. Muitos livros foram escritos sobre o tema, entretanto, é possível resumir a filosofia cátara numa simples frase: o universo foi criado pelo demônio. Toda esta beleza aparente é uma obra diabólica.” Uauuu! Que tema para um domingo de sol e praia!

Para quem não sabe, os Cátaros foram os responsáveis pelo reaparecimento do Gnosticismo na Europa no século XII, esparramados pelo Sul da França, Languedoc, Catalunha e norte da Itália. Foi um movimento cristão considerado herético pela Igreja, com forte paralelo com os gnósticos do princípio da era cristã, mais precisamente com o dualismo de Mani (viveu no Irã no século III) que sustentava que o cosmos seria dividido por dois poderes opostos: o Bem e o Mal, o verdadeiro Deus e o Demiurgo, uma divindade decaída e enlouquecida com o próprio poder que nos aprisiona em um universo físico corrompido.

quarta-feira, setembro 26, 2012

Espiritismo e iconolatria no filme "Chico Xavier"

Mais do que um filme que evita tratar o tema Espiritismo para um nicho de público especializado, "Chico Xavier" de Daniel Filho apresenta um sintoma do destino da religisiosidade e do sagrado na atualidade. Ao tratar o tema de forma comercial para um grande público (sejam ateus, católicos ou mesmo espíritas) acaba reduzindo o Espiritismo ao mínimo denominador comum de toda religiosidade na indústria do entretenimento: iconolatria e um, por assim dizer, ecumenismo pós-moderno que filtra a vida de Chico Xavier através do ideário pragmático da autoajuda.

Depois da comédia de costumes, os olhos do cinema de massa do chamado período de “retomada” do cinema brasileiro volta-se para o Espiritismo e religiosidade. Depois do sucesso de “Bezerra de Menezes – Diário de um Espírito” de Glauber Filho e José Pimentel, o diretor Daniel Filho (no esteio de sucessos de bilheterias à época como “Se Eu Fosse Você”) explorou esse novo filão temático do cinema brasileiro.

A primeira coisa que chama a atenção no filme “Chico Xavier” é o apuro técnico com muitos travellings e movimentos de grua com câmera, a decupagem “clipada” e inquieta, a narrativa marcada por sucessivos flash backs (o eixo da narrativa – o “tempo presente” – é a noite da histórica participação do protagonista no Programa “Pinga Fogo” da TV Tupi em 1971 que, programado para uma hora, acabou se estendendo para três). 

quinta-feira, julho 12, 2012

Góticos, darks e emos vagam pelos shoppings

O poder dos símbolos e divindades pagãs é estetizado há décadas pela indústria do entretenimento, por exemplo, através do imaginário dark, gótico ou de todo um "sub-zeitgeist" que fascina sucessivas gerações. Seria o sintoma ao mesmo tempo de tendências depressivas principalmente de jovens e adolescentes e do anseio pela "experiência religiosa imediata". Com o esvaziamento da mitologia política, temos agora o Sagrado e o Religioso como um novo imaginário para canalizar a angústia por transcendência do jovem.




"Toda ideologia tem o seu momento de verdade" (Theodor Adorno)

Recentemente os alunos da disciplina de Estrutura de Roteiro da Escola de Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi produziram seus primeiros Argumentos e Sinopses, apresentando oralmente suas produções na sala de aula. Uma característica recorrente nos argumentos das narrativas apresentadas me chamou a atenção: de 14 estórias apresentadas, quase a metade se inseriam em um imaginário gótico e místico, recheado de simbologias alquímicas, protagonistas esquizofrênicos que não distinguem ilusão de realidade, lugares subterrâneos e mundos paralelos atacados por vampiros etc.

Estórias cujos protagonistas em geral adolescentes, que levam uma vida normal até descobrirem que têm estranhos poderes e que são observados secretamente por entidades sombrias. Por que jovens com idades em torno dos 20 anos são fascinados por esse imaginário dark, com tonalidades ao mesmo tempo depressivas e épicas?



É marcante o constante revival entre jovens deste universo que ao longo das décadas assume diversos rótulos. 

sábado, fevereiro 25, 2012

Uma Jornada Espiritual Vira Pesadelo no Filme "Beyond The Black Rainbow"

Uma das mais estranhas sci fi dos últimos tempos, o filme canadense “Beyond The Black Rainbow” (2010) do estreante Panos Cosmatos explora dois paradoxos: primeiro de ser uma ficção científica que não é ambientada nem no futuro ou passado, mas em uma espécie de “futuro do passado” envolta em uma atmosfera kubrickiana de “2001” e nos mistérios metafísicos dos filmes do russo de Tarkovsky; e segundo ao mostrar como uma jornada espiritual pode se converter em um pesadelo autoritário. Com isso Cosmatos faz um acerto de contas com a chamada geração “baby boomer” que teria fracassado em buscar a espiritualidade em “ocultas e sombrias regiões”.

“Ela abriu estranhas portas que nunca mais se fecharam”
(David Bowie, “Scary Monsters” - 1980)

Lançado em 2010 “Beyond The Black Rainbow” (passou por alguns festivais na Europa e no ano passado teve sua premier no Tribeca Film Festival nos EUA) é um sci fi paradoxal: retro e ao mesmo tempo futurista, uma espécie de “futuro do passado”. Grande parte da narrativa se passa em um “futurista” ano de 1983 e em uma estranha e opressiva clínica onde um estranho homem realiza estranhas experiências com uma garota.

A narrativa procura desvendar os mistérios do Instituto Arboria onde uma bela jovem chamada Elena (Eva Allan) com poderes psíquicos é mantida prisioneira por um cientista chamado Barry Nyle (Michael Rogers) envolvido em uma complexa experiência psicológica. Nyle tem um objetivo místico-espiritual: a busca da “paz interior” por meio de uma delirante e alucinógena jornada em estilo LSD controlada por uma sinistra tecnologia à base de drogas.

O filme é a estreia do diretor e roteirista Panos Cosmatos (filho de George P. Cosmatos, diretor de filmes na década de 1980 como “Rambo: First Blood”, “Stallone Cobra” e “Tombstone”), onde cuidadosamente reproduz a atmosfera futurista de Kubrick em “2001” com salas e corredores sinistramente brancos e assépticos, o design clean e geométrico de clássicos futuristas como “THX 1138” e referência aos enigmas metafísicos dos filmes sci fi do russo Tarkovsky (“Solaris” e “Stalker”). Isso sem falar nas referências do lado terror do filme: Cronenberg, Argento e John Carpenter.

quarta-feira, fevereiro 08, 2012

Uma Mercadoria Chamada Cometa Halley

Vinte e seis anos depois do último grande fenômeno astronômico (a passagem do cometa Halley pela imediações da Terra cercado mensagens "new age" de paz, boas novas e otimismo), agora as notícias sobre a suposta visita de um misterioso corpo celeste com diversos nomes para as mais variadas crenças (Nibiru, Planeta X, Hercólobus, Marduk, planeta “Chupão” etc.) vem acompanhado de previsões apocalípticas. Por que essa mudança de sensibillidade e simbolismos em relação a fenômenos celestes? Talvez a resposta esteja na mercantilização dos fenômenos celestes pela indústria do entretenimento.


Após o último post sobre o filme “Another Earth” (veja links abaixo), lembrei-me de um artigo de minha autoria de priscas eras, do tempo em que era repórter de Economia no Jornal “A Tribuna de Santos”, lá pelos idos de 1986. 

Apesar de trabalhar na época em uma editoria de assuntos tão áridos, meu verdadeiro interesse era mesmo pela área cultural. Numa dessas puladas de cerca dos limites da editoria, consegui emplacar um artigo no suplemento de cultura do jornal, um texto que refletia sobre a histeria mercadológica que envolvia um fenômeno astronômico de importância naquele ano: a passagem do cometa Halley que de tão próximo da Terra seria visível a olho nu.

O que chamou a atenção naquele ano foi a onda de produtos e mensagens das mais diversas áreas (desde Astrologia e Espiritualismo até Moda, Turismo e HQs) que, em linhas gerais, associavam ao fenômeno astronômico prenúncios de boas novas, otimismo, renovação e saúde para a espécie humana. O que tornou o cometa Halley um fenômeno de “New Age” (movimento espiritual buscando a fusão Oriente/Ocidente ao mesclar autoajuda, psicologia motivacional, parapsicologia, esoterismo e física quântica).

Curioso, pois se em toda a História a passagem de corpos celestes era interpretado como prenúncio de guerras, pestes e cataclismos (e na última passagem do Halley em 1910 não foi diferente – chegou-se a falar que o gás da calda do cometa envenenaria a atmosfera da Terra, criando um onda de pânico), em 1986 o cometa se transfigurou em arauto de novas e promissoras eras.

Mas por que 26 anos depois as notícias sobre a passagem de um misterioso corpo celeste com diversas nomeações (Nibiru, Planeta X, Hercólobus, Marduk, planeta “Chupão” etc.) é  marcada por profecias apocalípticas? 

Lendo aquele artigo de 1986 pode-se arriscar uma tese: naquela época em que o movimento ecumênico da New Age crescia, o cometa Halley foi investido de um simbolismo que ajudou a expandir a consciência da “Nova Era” que seria um dos pilares ideológicos da Globalização pós-queda do Muro de Berlin em 1989.

sexta-feira, dezembro 30, 2011

Os Fantasmas do Tempo no Filme "Christmas Carol"

O livro “Christmas Carol” (Um Cântico de Natal, 1843) de Charles Dickens é atemporal por apresentar dois grandes arquétipos que marcarão a vida moderna: Fantasmas e o Tempo. Ao fazerem uma adaptação usando animação digital (através da tecnologia de “captura de performance”), a Walt Disney Pictures e o diretor Robert Zemeckis ("De Volta para o Futuro" e "Forrest Gump") produzem um efeito paradoxal: esvaziam o olhar crítico de Dickens sobre o início da modernidade ao reduzir a narrativa à estética videogame por meio de uma tecnologia moderna. O Ocultismo e a problematização do Tempo, marcas da literatura do século XIX como formas de questionar a modernidade, são temas oportunos para uma reflexão nesses momentos que antecedem a celebração de Ano Novo onde todos querem reter um momento do tempo, que então será passado.

O livro clássico de Charles Dickens “Christmas Carol” já recebeu centenas de adaptações. É um dos livros mais lidos, lembrados e citados de todos os tempos. A narrativa conta a estória de Ebenezer Scrooge, velho ranzinza e sovina que passou a vida inteira juntando uma fortuna, desprezando qualquer contato com as pessoas. Ele odeia o Natal por achar que é uma época onde as pessoas gastam mais do que têm e ironiza como gente tão pobre pode ser feliz. Na noite de Natal recebe a visita de três fantasmas (que mostram para ele as visões do passado, do presente e do futuro) levando-o a uma transformação íntima e reavaliando o significado da vida.

Só para ficar no cinema (as adaptações do livro de Dickens abrangem teatro, televisão, ópera, história em quadrinhos etc.) existem adaptações desde 1901. Desde então praticamente toda década há alguma adaptação, referência ou revisitação da obra, passando pelos mais diversos gêneros.

De Walt Disney temos o personagem do Tio Patinhas (Uncle Scrooge) inspirado no protagonista avarento do livro de Dickens, um curta de 1983 “Mickey’s Christmas Carol” e o recente “Os Fantasmas de Scrooge” (Christmas Carol, 2009) dirigido por Robert Zemeckis (“De Volta para o Futuro”, “Forrest Gump” e “Contato”).

Essa produção repete a velha fórmula dos estúdios Disney: a capacidade de lidar com temas trágicos, pesados e adultos de uma forma divertida para crianças e jovens ao diluir simbolismos arquetípicos. No caso da adaptação de Zemeckis, a utilização da tecnologia chamada “captura de performance” onde a animação digital é feita a partir do escaneamento das expressões dos atores. O diretor já havia utilizado essa tecnologia em “A lenda de Bewulf” e “Expresso Polar”, mas em “Os Fantasmas de Scrooge” há um estranho efeito: se a maior qualidade do conto de Dickens é a sua atemporalidade, na produção Disney a tecnologia converte a narrativa, em muitos momentos, em um videogame com cenas de ação desnecessárias. Os grandes temas arquetípicos da obra de Dickens (que induzem à reflexão existencial e moral das ações humanas) são esvaziados pelo ritmo frenético e uma estética cujas opções que o protagonista sovina tem que tomar parecem alternativas de um game em computador.

sábado, setembro 10, 2011

Filme "2012": Uma Odisséia New Age

A reccorrência atual de filmes-catástrofes aponta para uma necessidade ideológica que Hollywood tenta dar conta: com a perda da legitimidade espiritual das principais religiões monoteístas, surge a necessidade de uma nova teologia, dessa vez ecumênica: a New Age. Só falta criar uma nova Escatologia: o apocalipse, seja ele ecológico ou galático.


Perguntado sobre a sua relação recorrente com o tema do fim do mundo, o diretor Roland Emmerich respondeu: “é um caso de amor”.

Diretor do filme “2012” e de outros filmes catástrofes como “Independence Day” (1996) e “O Dia Depois de Amanhã” (2004), Emmerich afirmou que o projeto do filme “2012” começou com uma ideia do dilúvio global ao fazer uma releitura do drama bíblico da Arca de Noé. Conta que assim como em “Independence Day” onde o mito da Área 51 foi amarrado à trama para dar “mais credibilidade”, da mesma forma foi com a suposta profecia do final do mundo em 2012 previsto pelo calendário Maia, para dar mais verossimilhança ao apocalipse do filme.

“Quando você vai ao site da Amazon encontra uma centena de livros sobre as profecias de 2012. É incrível. Encomendei os primeiros seis ou sete livros. Todo mundo conta uma história diferente!”, falou Emmerich entre gargalhadas (“Roland Emmerich interview”, 2012 in Movies OnLine).

De fato, graças ao sucesso comercial e de público do filme “2012” (arrecadou 225 milhões de dólares nos primeiros cinco dias), finalmente a chamada New Age desse século (“Nova Era” - movimento espiritual buscando a fusão Oriente/Ocidente ao mesclar auto-ajuda, psicologia motivacional, parapsicologia, esoterismo e física quântica) obteve o seu cenário apocalíptico. Ou, em termos teológicos, a sua Escatologia. Agora a New Age pode se colocar orgulhosamente ao lado de cristãos, muçulmanos, judeus e até mesmo dos secularistas, pois, finalmente, possui a sua própria versão do Apocalipse.

Diversas seitas cristãs têm o seu apocalipse fundamentado nas profecias do apóstolo João em torno dos Quatro Cavaleiros (Conquista, Guerra, Fome e Morte); radicais islâmicos ainda estão à espera do décimo segundo Imam; secularistas fracassaram com a bomba do Y2K (o chamado “bug” do milênio) que não explodiu em 2000, mas, agora, têm a bomba das alterações climáticas de Al Gore (o “aquecimento global”).

sábado, maio 21, 2011

A Semiótica da Macumba

Os estudos da Semiótica confirmam,se não eficiência, pelo menos a lógica linguística da chamada “magia simpática” ou simplesmente “macumba”: a busca de contiguidade física de comunicação entre a ordem sobrenatural e feiticeiros ou xamãs e de objetos que criem relações de semelhança entre o despacho e a vítima/beneficiado. Paradoxalmente, é nas manifestações atuais de magia e religião por meio de mídias digitais (Internet e celulares iPhone) que encontraremos mais irracionalidade que nas formas arcaicas: como é possível a magia por meio de algoritmos cuja natureza é simbólica, arbitrária e fragmentada?

Essa postagem se originou em uma questão levantada por um aluno em uma aula de Estudos da Semiótica na Universidade Anhembi Morumbi.  Estava apresentando a tricotomia básica dos signos da Semiótica peirciana (de Charles Sanders Peirce, filósofo, cientista e matemático norte-americano  fundador da ciência dos signos, a Semiótica): índices, ícones e símbolos.  Descrevia o índice como o signo mais primitivo por fazer parte, inclusive, dos fenômenos naturais (a fumaça como índice do fogo ou o trovão como o índice do raio), além  de servir de orientação para os animais (através do olfato). Por ser sua percepção de natureza intuitiva, os índices têm forte presença nas sociedades chamadas de  “primitivas” onde são intensamente percebidos e se tornam sinalizadores cotidianos (mudanças atmosféricas, caça etc.). Um aluno questionou se as formas mágicas (“macumbas”, “despachos” etc.) primitivas também não seriam formas de ação humana carregadas de índices.

Essa questão iniciou uma interessante (e até divertida), por assim dizer, “análise semiótica da macumba”. No final, uma questão: como é possível práticas tão indiciais conviverem na atualidade em mídias simbólicas digitais (macumbas, despachos ou simpatias e até confissões de pecados on line até as formas secularizadas de magia como sessões de psicanálise ou vidências e tarot pela Internet)?

terça-feira, outubro 26, 2010

A Experiência Cinematográfica pode ser Transcendente?

Aproximar o conceito de “transcendência” de Theodor Adorno (a experiência da alteridade, do “inteiramente outro”) com a experiência de transcendência como evento espiritual ou místico decorrente de um estado alterado de consciência é o desafio para a pesquisa atual sobre as conexões entre o Cinema e o Audiovisual com o Sagrado e Religioso. Se, como em toda obra de arte, o cinema busca ultrapassar a si mesmo ("transcendência"), talvez aí esteja uma explicação para o crescente interesse dos roteiros fílmicos pelo fantástico, o espiritual, o sincrônico, o místico e o gnóstico.

Quando Adorno apontava para a alteridade e transcendência contidas na arte, ele aproximava-se da temática central da Teologia Negativa: a busca do “inteiramente outro”, do “plenamente diferente”, do “diferente por excelência”, ou seja, aquilo que está além da representação. Adorno pensava o conceito de transcendência não no sentido religioso como epifania ou experiência mística de fato, de uma forma positiva. 

domingo, outubro 17, 2010

Uma "teologização" do Espiritismo no filme "Nosso Lar"

Se aspectos da divisão do trabalho na produção e o meio de distribuição e produção influenciam a estética e conteúdo do filme, então "Nosso Lar" é um bom exemplo. Para adequar o livro original às exigências internacionalizadas de produção e distribuição, "Nosso Lar" teologiza o Espiritismo e o enquadra dentro de um "ecumenismo pós-moderno" da ideologia da nova ordem mundial globalizada.

Muito se discute nos estudos acadêmicos sobre cinema como o meio produtor dos filmes (grupo de autores, técnicos, colaboradores da criação) ou os aspectos socioeconômicos (filme de produção independente ou não, aspectos de distribuição etc.) influenciam ou condicionam os conteúdos das produções.

O que mais vem chamando a atenção na área das pesquisas cinematográficas nas últimas décadas são as consequências da crescente internacionalização e globalização da divisão do trabalho da produção cinematográfica.

segunda-feira, janeiro 25, 2010

"Quem Somos Nós": a estupidez da Auto-Ajuda em uma teologia secularizada



O documentário “Quem Somos Nós” (What the Bleep, 2005) sob o pretenso objetivo de unir Ciência e Religião, nada mais faz do que perpetuar o pior de ambas (a liquidação do particular e do indivíduo pela Totalidade) na secularização da Teologia por meio do discurso do espiritualismo e auto-ajuda.


Se no documentário O Segredo (The Secret, 2006) tínhamos uma abordagem mais direta ou grosseira do velho tema da auto-ajuda sobre o poder da mente (com esse poder você seria capaz, por exemplo, de fazer chegar até cheques pelo correio!), pelo menos em "Quem Somos Nós" a abordagem é “filosófica” ao tomar, como ponto de partida, a discussão da união Ciência e Religião por meio da Física Quântica, Neurologia e Neurofisiologia. As perguntas clichês de uma teologia secularizada estão presentes: de onde viemos? Quem somos nós? Para onde vamos? Qual o propósito da nossa existência?... e assim por diante. Mas o ponto de chegada é o mesmo: pérolas motivacionais especialmente elaboradas para o mundo corporativo e de vendas (no final, os grandes consumidores deste tipo de vídeo para motivar equipes de vendas, gerencias e chefias), noções filosóficas e científicas fragmentadas e arbitrariamente associadas ao temas de auto-ajuda etc.

Muitos fóruns, blogs ou sites (como, por exemplo, http://gnosticteachings.org/forum/index.php?showtopic=716&mode=threaded ou http://www.religionnewsblog.com/14722) acabam se impressionando com a pretensa discussão filosófica do vídeo e acabam associando-o ao Gnosticismo, principalmente pelas críticas à religião. Puro engano, pois “Quem Somos Nós” perpetua o pior tanto da Ciência quanto da Religião: o esmagamento da importância do indivíduo diante de uma totalidade (seja natural ou divina). Ou seja, vai num sentido oposto do Gnosticismo.

Se não, vejamos. O filme parte do princípio que a cisão entre Ciência e Religião parte de uma percepção limitada do indivíduo. Os sentidos são fonte de erros porque a nossa consciência é a ínfima parte das informções que o cérebro processa (analogia do cérebro com o computador). Partindo da física quântica descobrimos que a nossa percepção cotidiana é falsa: não há matéria (grande parte do átomo é composto de vazio), objetos e eventos não estão isolados no tempo e no espaço, mas conectados entre si numa rede de interferências, da qual o Observador faz parte.

Por isso, o indivíduo é limitado por não conseguir se conectar com o “Ser Abstrato Puro”, com a “Consciência Abstrata Pura”, com o “Ser Transpersonal Único”. A consciência seria limitada por ser “um subproduto do Espírito quando entra na Matéria”. As velhas dualidades teológicas são atualizadas, até chegar a liquidação total do indivíduo: a secularização do pecado. Essa limitação do Espírito confinado na Matéria propicia a limitação da percepção e do pensamento, preso que está a esquemas viciosos (melancolia, depressão, tristeza e “negatividades” em geral). Esquemas que produzem fracasso, derrota etc.
A verdade está no Todo e jamais no indivíduo, persistentemente limitado e em queda numa nova forma de pecado: a do desconhecimento da “Consciência Abstrata Pura”. Seu pecado é o da ignorância.

O documentário não consegue superar a dualidade Ciência/Religião por estar presa a uma Teologia Positiva que, afinal, é a matriz epistemológica de ambas: o sacrifício ritual do indivíduo diante do Absoluto e o Infinito. Mas, e se esta melancolia, depressão e tristeza do indivíduo forem estados críticos de consciência contra esta Totalidade? Em outras palavras, e se for a Totalidade Natural, Divina ou Social (no final, todas a mesma coisa) a fonte do sofrimento individual?
Este é o caminho de uma Teologia Negativa ou “Herética” como fala T. Adorno: a verdade esta no particular, no indivíduo, no singular diante de uma Totalidade autoritária, origem de toda dor. Toda a literatura e videografia Espiritualista ou de Auto-ajuda nada mais faz do que atualizar este ritual cotidiano de sacrifício da parte pelo Todo.

Há uma sequência no filme Beleza Americana (American Beauty, 1999) que sintetiza essa problemática da Teologia Positiva na Auto-Ajuda. É quando Carolynn (corretora de imóveis e voraz consumidora de literatura motivacional para negócios), frustrada por não ter conseguido vencer naquele dia uma casa após uma exaustiva maratona de clientes, encosta na parede e reprime o choro e a frustração, batendo a mão no próprio rosto: “Cale-se. Pare, sua fraca, infantil!” (veja a sequência abaixo). É a repetição de um mantra dessa espiritualidade que reprime o momento de verdade contida na dor individual em nome de uma Totalidade da qual ela se origina.
Teologia Positiva como
Tecnologias do Espírito
Esta secularização teológica surge no século passado através daquilo que Lucien Sfez (Veja o livro "Crítica da Comunicação" da editora Loyola) chama de “Tecnologias do Espírito”, um discurso científico sintetizado pelos seguintes conceitos: Rede, Paradoxo, Simulação e Interação. É o modelo das ciências computacionais aplicados autoritariamente ao Espírito: indivíduo, cérebro, percepção, sentidos etc., funcionam de forma análoga aos computadores no sentido mais paradoxal e interativo.

Como nos informa “Quem Somos Nós,” a realidade não existe (tal informação confere um ar “espiritualizado” e “místico” à teologia da Auto-Ajuda). Ela nada mais é do que conceito, informação, idéias processadas pelo nosso cérebro. Se, então, isso for verdade, confere um surpreendente livre-arbítrio para o indivíduo (negado até hoje pelas religiões): a realidade é aquilo que queremos que seja, é a força do nosso pensamento (concentração, meditação). E como alcançar essa liberdade? Abandonando “vícios, medos e limitações” (os novos pecados) para, assim, entrarmos no reino da “Consciência Abstrata Pura”.
Diante desse híbrido de Ciência e Religião devemos confrontar uma Teologia Negativa que encontra na dor individual os elementos críticos da Transcendência. É a ressureição da carne: o que anseia o Absoluto não é o Espírito, mas a Carne com toda a sua dor e sofrimento impingidos pela História.
Filme Beleza Americana (American Beauty, 1999)

sexta-feira, janeiro 08, 2010

"Spiritual Cinema Circle": Espiritualidade como Auto-Ajuda

Reduzir a angústia à possibilidade da cura por meio de filmes “inspiradores” e “motivacionais” parece ser o destino da Teologia e da Metafísica na contemporaneidade.


Foi fundado nos Estados Unidos o Spiritual Cinema Circle (Círculo do Cinema Espiritual). Nos moldes do antigo "Círculo do Livro", os associados pagam uma taxa mensal para receber todos os meses em sua casa os melhores títulos espiritualistas, além de documentários e filmes de curta metragem.

O projeto nasceu da colaboração entre o produtor Stephen Simon e os psicólogos Kathlyn e Gay Hendricks. Stephen é o responsável por alguns dos títulos favoritos do gênero como Em Algum Lugar do Passado (Somewhere in Time, 1980) e Amor Além da Vida (What Dreams May Come, 1980); enquanto o casal Hendricks criou e administra o Hendricks Institute, uma entidade sem fins lucrativos que auxilia pessoas com problemas de relacionamento.


Esse gênero “cinema espiritual” é definido da seguinte maneira, segundo o site do Círculo: “São filmes que abordam temas espirituais, metafísicos e religiosos. Evocam uma experiência interior. Iluminam a condição humana, levando-nos numa jornada onde vivenciamos a vida como seres espirituais tendo uma experiência humana. O Cinema Espiritual engloba filmes, curtas, e documentários que evocam uma experiência espiritual, metafísica e religiosa. São filmes que inspiram e ao mesmo tempo entretem. Hoje, podemos assistir filmes como 'A Profecia Celestina', baseado no livro que faz parte do caminho de tantas pessoas."

A lista dos “filmes espirituais” engloba desde documentários como O Segredo até filmes como Amor Além da Vida, A Vida é Bela e Peter Pan. Percebe-se que sob esse rótulo abriga-se um amálgama de esoterismo, espiritualismo, auto-ajuda e auto-conhecimento. Por uma lado, demonstra o esgotamento da religião enquanto sistema simbólico que procura dar conta da experiência do Sagrado. Mas, por outro, é um sintoma de uma “teologia secularizada”. Temas como o “poder da mente”, o “triunfo do espírito humano sobra a adversidade” e “busca de outros mundos de beleza, verdade, amor, harmonia e felicidade” e a “conexão com o mundo ao nosso redor” denotam as características da metafísica moderna que seculariza a teologia ao inscreve-la na imanência das relações interpessoais e na comunicação. A conseqüência é o esvaziamento do aspecto crucial da discussão teológica: a angústia humana diante do infinito e do absoluto que, do ponto de vista do gnosticismo, é a próprio sintoma da condição do homem, exilado num universo, isto é, numa falsa totalidade.

Cristo, Fé e Angústia

Numa crítica à Martin Buber, Adorno nos oferece uma pista para compreendermos as origens dessa “teologia secularizada” que culmina, na atualidade, no discurso espiritualista e da auto-ajuda:



“Enquanto em tal relação (Eu-Tu) a comunicação se converte naquele suprapsicológico que ela apenas o seria através do momento da objetividade do comunicar mesmo; ao final, pois, a estupidez como fundadora da metafísica. Desde que Martin Buber desintegrou a cristologia de Kiekegaard no conceito de existencial e o distendeu até ressecá-lo, existe a tendência dominante de apresentar o conteúdo metafísico como vinculado a chamada relação Eu-Tu. Remete-se à imdeiatez da vida, fixa a teologia em determinações da imanência que, por sua vez e por lembrança da teologia querem ser mais(...)” (ADORNO, Theodor. La Ideologia como Lenguaje, Madrid: Taurus, p. 18).


Adorno aqui remete a Kiekegaard (objeto da sua tese de doutorado) para criticar o discurso existencialista do século XX (o “jargão”) que após seu auge em Heidegger e Sartre se pulverizará em fragmentos que se converterão na teologia secularizada do espiritualismo e auto-ajuda. Esta teologia baseia-se num modelo comunicacional que busca a autenticidade e a transcendência nas relações interpessoais (“Eu-Tu”) como uma utopia positiva.

Se Kiekegaard localizou a angústia humana na fé cristã, personificada na figura de Cristo (o Deus tornado homem, a mediação entre o homem e o infinito), esta metafísica vai esvaziar essa angústia radical com a possibilidade de uma utopia na imanência, isto é, a transcendência na imediatez da vida numa relação tão abstrata (o “Eu-Tu” destituído de qualquer história ou materialidade) quanto a da sociedade inautêntica que quer superar.

Em Kiekeegard, somente podemos existir diante de Deus, diante da inconpreensibilidade da infinitude divina. A Verdade não nos foi revelada por meio das pompas e dos conceitos sistêmicos, mas por meio do fato violento da crucificação de Cristo. Cristo a sua época foi um homem obscuro que morreu crucificado, assim como nós que não conseguimos vislumbrar a verdade do Todo, mas a fatalidade dos fatos cotidianos. Esse é o paradoxo da fé para ele: Verdade e ao mesmo tempo angústia na mediação entre o infinito e homem por meio da figura de Cristo. Portanto, não há outro caminho para a Verdade que não seja o da interioridade, o aprofundamento da subjetividade. O ateísmo místico de Martin Buber vai compreender isso como um mergulho na intersubjetividade esvaziando toda a tensão da cristologia de Keikegaard: busca-se uma terapêutica para a angústia, aqui traduzida como incomunicabilidade entre Eu e Tu.

Ora, embora subjetiva, essa angústia tem seus fundamentos numa situação bem material e histórica que transcende ou permeia as relações interpessoais: o mal inscrito em um mundo absolutamente sem sentido, corrompido nas suas origens.

De um ponto de vista gnóstico, a angústia na fé somente pode representar a condição do exilado, do estrangeiro dentro da sua própria morada.
Reduzir esta angústia à incomunicabilidade é negar o seu estatuto ontológico a
um mero sintoma que possa ser curado, tornando o homem ainda mais atrelado à própria cegueira da imediatez cotidiana. Esse parece ser o destino da teologia e
da metafísica na contemporaneidade: a cura da angústia por meio de filmes “motivacionais” e “inspiradores”, como quer o Spiritual Cinema Circle.

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