sexta-feira, abril 28, 2023

Jornalismo de guerra 2.0: etnografia do golpe, a embaixadora e a CNN

Depois da guerra na Ucrânia criar a expressão “Guerra Fria 2.0”, será que o terceiro governo Lula está fazendo a grande mídia entrar no modo “jornalismo de guerra 2.0”, reeditando auge da guerra híbrida 2013-16? Entre o retorno das velhas bombas semióticas, Folha parece repetir uma estratégia bem-sucedida em passado recente, a etnográfica: mapear desiludidos, revoltados e ressentidos – novos tipos-ideais urbanos. Aqueles cuja insatisfação existencial ou profissional é ainda difusa. Apenas precisando de um significante político que aponte para o culpado. É o que aponta a matéria “Millenials chegam frustrados à meia-idade”. Mapeamento etnográfico para encontrar novos descontentes, como no passado: “simples descolados”, “coxinhas 2.0”, “novos tradicionalistas” etc. que engrossaram as massas verde-amarelas nas ruas. Enquanto isso, a visita da embaixadora dos EUA aos estúdios da CNN parece ter sido a mensageira de algum tipo gatilho: imediatamente o canal de notícias "vazou" vídeo que provocou crise política e publicou fake news da Antonov. Será que voltamos ao velho jornalismo de guerra?

O jornal Folha de São Paulo já matou Lula, no mínimo, duas vezes nas suas primeiras páginas. Ou, pelo menos sugeriu, em montagens e seleção de fotos como a emblemática sobreposição de imagens que rendeu uma configuração que sugeria Lula tomando um tiro no peito ou a seleção de uma imagem com Lula inclinando para trás sob a ação dos algozes Zé Gotinha e o vice Alckmin. 

Junto com o Estadão, vem produzindo diversas primeiras páginas com estratégias retóricas como contaminação metonímica (“dívida-bomba” ao lado de a foto de um foguete decolando em meio a chamas) ou, como o Estadão, com manchetes negativas que nada tem a ver com o corpo do texto.

Nesse último domingo, a Folha acenou com o início de uma estratégia que no auge do jornalismo de guerra da guerra híbrida (2013-16) foi uma prática para reforçar novos tipos-ideias urbanos que floresciam naquele momento para incrementar o caldo de neoconservadorismo. Que, ao lado do atiçamento dos espécimes do chamado “Brasil profundo” (pequenos escroques, acadêmicos e intelectuais obscuros, roqueiros esquecidos e toda sorte de anônimos em busca de alguma notoriedade), criou uma verdadeira estratégia etnográfica cujo meta era criar uma onda conservadora – aquela mistura heterogenia das manifestações verde-amarelas nas ruas.

A chamada da primeira página era a seguinte: “Millenials chegam frustrados à meia-idade”. A matéria era sobre a primeira leva de millenials brasileiros que chegam à meia-idade (40-45 anos). Segundo as fontes especialistas, com formação educacional elevada, mas vítimas de um “cenário de produtividade estagnada” e “falta de políticas públicas que ligassem avança educacional e desempenho econômico e trabalhista”. Portanto, viveriam uma “frustração econômica” devido às “crises econômicas, recessão e lenta retomada”.

Nada na matéria aponta para flexibilização e precarização do trabalho criados pela tecnologia corporativa e neoliberal (a marca principal da geração mais tecnologizada da História). A culpa é de “falta de políticas públicas”. 



Conhecendo o modus operandi golpista da grande mídia, certamente vemos o primeiro movimento de uma estratégia etnográfica vitoriosa nos tempos de jornalismo de guerra: o olho clínico para mapear desiludidos, revoltados e ressentidos. Aqueles cuja insatisfação existencial ou profissional é ainda difusa. Apenas precisando do vetor, um significante político que aponte para o culpado. 

Apenas com uma leve diferença: se no passado recente, como veremos adiante, o significante político foi o conservadorismo de valores, agora ensaia-se o vetor da frustração existencial e financeira – crise econômica e frustração profissional.

Os aliados da grande mídia estão aí a postos: bombas fiscal e dos juros (graças à pegadinha do Banco Central independente), o fator tempo (mídia aposta na demora da retomada econômica) e a flexibilização e precarização do trabalho (vetor tecnológico neoliberal – capitalismo cognitivo e de plataforma). Elementos geradores de frustração e ressentimento, matéria-prima ideal para ser prospectado por um mapeamento etnográfico.

Etnografia do golpe de 2016

Certamente com a ajuda das pesquisas de mercado e dos departamentos de criação de agências publicitárias, o jornalismo corporativo conseguiu encontrar os novos tipos-ideais urbanos, leitores e espectadores potenciais para o jornalismo de guerra.

Peças publicitárias como “O Gigante Acordou” (uísque Johnny Walker), “Vem pra rua” (Fiat na Copa das Confederações), “Seja a mudança” (Chevrolet Cruze), o lutador de UFC como um rinoceronte (TNT Energy Drink), entre inúmeras, ajudou a fundir slogans publicitários e políticos.

E também ajudou aos pauteiros das redações corporativas descobrir os novos públicos-alvo do jornalismo de guerra. Novos tipos ideais como os simples descolados, novos tradicionalistas, “rinocerontes”, coxinhas 2.0, subcelebridades, além dos espécimes até então menos cotados do Brasil profundo – e que ganharam uma inesperada visibilidade.

Os coxinhas 2.0 eram a versão “sustentável” do clássico coxinha dos anos 90 (o yuppie dos anos 80): querendo se livrar da pecha de alienado e consumista, aderiram à agenda ESG corporativa (responsabilidade social, governança, meio ambiente etc.), parecendo antenado, moderno, mas, principalmente, consciente e engajado. O cunho é moralista: menos lucro e mais ética... seja lá o que for isso...

Como a evolução dos coxinhas 2.0, vieram os simples descoladosprotagonistas de uma série de programas da grande mídia e seguido por um séquito de fiéis jovens que se distribuíam em inúmeras áreas onde exibiam seus requintados gostos pela “simplicidade”: gastronomia, bebidas, futebol, bicicletas, moda etc. – clique aqui.

A simplicidade e despojamento nos seu modo de trajar, gostos e opiniões era uma máscara: sua simplicidade era descolada meticulosamente estudada nos seus efeitos. Por isso acumulou um grande capital cultural (ajudado pela grande mídia e publicidade que o celebrizavam diariamente) o que acabou, paradoxalmente, convertendo-se num signo de distinção. A simplicidade tornou-se cara e valorizada no mercado cultural. 

Deles vieram o modus operandi da gourmetização, como resposta para se distinguir da então ascensão classe C em shoppings e aeroportos. Distinguir-se com uma simplicidade gourmet.

Tanto coxinhas 2.0 quanto simples descolados naturalmente aderiram ao discurso da antipolítica: o gosto pelo “simples” e do “puro” guardava o moralismo que é o motivador da antipolítica: a política é complicada, suspeita, pouco transparente. Por isso, corrupta. Por que não um CEO ESG, sustentável, simples descolado no lugar de políticos? Chega de políticos!



Com os novos tradicionalistas, ao contrário, a busca da pureza e simplicidade não estava no presente, mas no passado. Pela nostalgia por épocas que não viveram e gosto estético pelo retro faziam parte desse novo tipo-ideal que acabou transformando essa inclinação para o passado em pretexto para o reacionarismo e práticas políticas golpistas como únicas formas de combater um contexto atual que, acreditava, esteva corrompido.

No campo jornalístico até se materializou na figura de um repórter da Veja, dublê de DJ em festas badaladas em Brasília. Pego com a boca na botija tentando fabricar provas contra Lula, invadindo um condomínio em São Paulo, pego pela polícia e parando numa delegacia – clique aqui.

Com os rinocerontes foi a descoberta de umtipo-ideal que tangenciava com os espécimes do Brasil profundo. Assim como no comercial da TNT Energy Drink em que o campeão de UFC, José Aldo, se transformava no enorme animal encouraçado. A rinomorfização que criava a couraça psíquica protofascista, segunda a linha da psicologia de massas do fascismo de Reich aos estudos da personalidade autoritária de Adorno. “Quem é duro consigo mesmo, se acha no direito de sê-lo com os demais”, fórmula do fascismo que leva à couraça de caráter: suspeita e ódio a tudo que soe fraqueza - sensibilidade, diversidade, sensualidade, individualidade, tolerância, crítica ou intelectualidade.

Os espécimes do Brasil profundo foi a descoberta tardia da grande mídia para uma necessidade prática: engrossar as massas verde-amarelas nas ruas, para as transmissões televisivas domingueiras ao vivo.

Uma modelo anônima que teve o momento de fama ao tirar a roupa numa manifestação Anti-Dilma na Avenida Paulista; um organizador do acampamento pró-impeachment em frente a FIESP que se passava por jornalista, mas na verdade era um estelionatário; ou um procurador neopentecostal que vazou denúncias contra Lula na revista Época e que também agrediu e manteve a esposa em cárcere privado (clique aqui) foram alguns exemplos de espécimes que saíram do anonimato, ganharam visibilidade e arregimentou esse tipos-ideais tardio.

A conferir se a matéria sobre os millenials de meia-idade frustrados da Folha representa o início de uma nova sensibilidade etnográfica de oportunismo golpista.



A embaixadora e a CNN

Os leitores desse Cinegnose devem saber que este humilde blogueiro não acredita em coincidências em política. Principalmente quando mídia e política se cruzam. 

Na mesma semana em que a embaixadora dos EUA, Elizabeth Bagley, visitou os estúdios da CNN Brasil (comentando nas redes “adorei ver uma das principais marcas americanas tão bem representadas no país”), quase em seguida o canal de notícias “vazou” vídeo mostrando o ministro-chefe do Gabinete da Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, dentro do Palácio do Planalto, durante as invasões em 08/01. 

Vídeo que provocou a crise que obrigou o Governo Lula a aceitar a uma CPMI que a oposição, logo depois do 8/01, queria. Para reverter o episódio a seu favor: Lula seria o verdadeiro culpado por ter sido propositalmente negligente para faturar politicamente com os acontecimentos.

E não é que, nessa semana, a CNN aprontou mais uma? Dessa vez uma fake news clássica, comprovando que o monopólio das notícias falsas não pertence à Internet: “Estatal ucraniana de aviões suspende negociações com Brasil após declarações de Lula”. História que começou na segunda-feira (24/04), no programa WW, do patibular William Waack.

A empresa Antonov teria desistido de investir 50 bilhões de dólares para produção de aviões no país (São Paulo e Paraná) em virtude das últimas declarações de Lula sobre a guerra na Ucrânia. 

A notícia foi imediatamente desmentida pela empresa em nota. Fazendo a CNN dizer que a nota da estatal ucraniana “desmentiu o governo de São Paulo” que teria informado erroneamente ao canal de notícias que representantes da Antonov teriam visitado o Palácio dos Bandeirantes demonstrando interesse no investimento em SãoPaulo.

Tudo muito bizarro: como um país em guerra investiria no Brasil um montante que corresponde a quase 25% do PIB daquele país?

Candidamente, a CNN noticiou que desmentido foi “o governo de São Paulo”, e não a própria emissora. Que depois admitiu o erro e pediu desculpas à Secom por não ter procurado o governo antes da publicação – clique aqui.    



 

Sincronicamente, a visita da embaixadora aos estúdios da CNN foi acompanhada por duas ofensivas diretas buscando o desgaste do governo Lula. Lembrando-se que, após as declarações na China sobre substituir o dólar, empossar Dilma nos Brics, relativizar o discurso EUA/OTAN sobre a guerra na Ucrânia e deixar-se fotografado pela imprensa usando óculos de realidade virtual da arqui-inimiga norte-americana, a Huawei, Lula “deixou nas suas costas um grande alvo vermelho”. Como afirmou o jornalista Pepe Escobar.

A questão é que, como qualquer fake news, os desmentidos e pedidos de desculpa posteriores nada representam. Afinal, a notícia falsa foi veiculada, compartilhada e repercutida nas redes. Que são impermeáveis a desmentidos – o tempo das redes é o presente, o fenomênico, o efêmero. O que já aconteceu não tem retorno.

Parece que a CNN quer ocupar o lugar da Globo nesse jornalismo de guerra 2.0. Nesse momento, a Globo tende para operações semióticas mais discretas – colocar seus “colonistas” fazendo lobby diário dentro do Congresso, por exemplo. Ela sabe que está queimada, principalmente depois do seu papel ostensivo nos tempos de Lava Jato e pós “Vaza Jato”.

Nesse momento, parece que a missão de detonar artilharia mais pesada e bombas sujas ficou a cargo da CNN.

Será que foi a embaixadora a mensageira dessas novas ordens do Biden? 

 

 

 

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