Com um delay de mais de 30 anos, grande mídia agora dá ouvidos a estudiosos e muda política de cobertura a ataques como a da escola em São Paulo e a creche em Blumenau (SC): evitar o chamado “efeito copycat” de imitação de criminosos a partir da repercussão que a mídia oferece a esse tipo de notícia. Mas sabemos que o jornalismo corporativo não dá ponto sem nó. Destaca apenas as medidas do governo (estadual ou federal) para o aumento do patrulhamento e a criação de “protocolos” nas escolas contra esse tipo de crime. Com o seu notório empirismo grosseiro, sob o álibi de não querer dar visibilidade a criminosos, não quer ligar lé com cré: o sincronismo entre o crescimento de células nazistas e neonazistas nas redes sociais e a escalada de ataques a creches e escolas. Por quê? Para manter em stand by um dos seus principais ativos: o Exército Psíquico de Reserva. Uma espécie de exército de zumbis, útil num passado recente, e sempre a postos para entrar em ação a cada “apito de cachorro”.
Há mais de 30 anos estudiosos apontam uma íntima correlação entre os crimes seriais e o chamado “efeito copycat”. Um deles é Loren Coleman, autor do livro “The Copycat Effect” no qual descreve o efeito de imitação de criminosos a partir da repercussão que a mídia oferece a esse tipo de notícia.
Esse próprio humilde blogueiro vem discutindo aqui neste Cinegnose há mais de dez anos essa conexão entre o efeito de imitação, mídia e Internet, desde o massacre em uma escola no Realengo, RJ, em 2011 – o cálculo midiático do atirador: mesmo pensando no final em dar cabo da própria vida, tudo deve ter um componente de drama, acting – clique aqui.
Alertado por esses estudos envolvendo teóricos de mídia, antropólogos, sociólogos e psicólogos, desde o início desse século a grande mídia dos EUA passou a não dar a então costumeira visibilidade aos assassinos seriais, como nos casos Bundy ou Dhamer nos anos 70 e 80 – a cobertura da mídia desempenha um papel em inspirar outros criminosos a cometer crimes de maneira semelhante, e até mesmo para não criminosos começarem a cometer crimes quando, de outra forma, não o teriam feito, como aponta o pesquisador Loren Coleman.
Pois não é que depois de um atraso de quase 30 anos, a grande mídia brasileira resolveu mudar a política editorial e não divulgar nome e imagens de autores de ataques?
Por que só agora, com o trágico episódio das quatro crianças mortas em uma creche por um homem em Blumenau, a grande mídia passou a dar ouvidos a “especialistas” de que “a divulgação das agressões pode servir de estímulos a novos ataques” como afirmou um circunspecto William Bonner no JN?
"Os veículos do Grupo Globo tinham há anos como política publicar apenas uma única uma vez o nome e a foto de autores de massacres como ocorrido em Blumenau. O objetivo sempre foi evitar dar fama aos assassinos para não inspirar autores de novos massacres", disse...
Uau!!!! Agora a Globo está ouvindo os “especialistas”! Parece que também a CNN Brasil está adotando a mesma política editorial. Por que só AGORA a grande mídia está dando razão a pesquisadores cujas teses eram vistas como “teorias da conspiração”?
Será que também faz parte dessa nova política editorial não ligar lé com cré?
Explico... o jornalismo corporativo está dando destaque ao anúncio do Governo Federal de que vai liberar R$ 150 milhões para o reforço do patrulhamento em escolas e creches. E até divulgou que irá ampliar um grupo especial na polícia para monitorar a internet para qualquer tipo de ameaça a escolas e universidades – de dez policiais existentes, vai ampliar o grupo para 50.
Ao mesmo tempo noticiou nessa semana que o ministro da Justiça, Flavio Dino, determinou que a PF instaure inquérito para investigar a atuação de células nazistas e neonazistas no Brasil. Segundo o ministro há “indícios de atuação interestadual de organizações do tipo”.
Polícia, militarização e meganhagem
Por que o ministro anunciou esse inquérito logo após o ataque à creche, uma semana depois do ataque a uma escola estadual na cidade de São Paulo na qual uma professora morreu esfaqueada e três ficaram feridos?
A grande mídia preferiu dar mais destaque aos milhões destinados a reforçar a segurança policial das escolas. E o jornalismo que se diz “investigar e apurar” simplesmente ignorou a relação entre a decisão de Flávio Dino investigar a organizações de extremistas de direita no país e os episódios sequenciais de São Paulo e Blumenau.
E por que esse destaque midiático aos milhões destinados ao reforço da segurança policial em creches, escolas e universidades? Por que a mídia parece pouco disposta a “investigar e apurar” o sincronismo entre o crescimento das atividades da extrema-direita na internet e no mundo real com a escalada de ataques a escolas?
Sugiro ao leitor dar uma olhada mais cuidadosa na entrevista coletiva dada pelas autoridades de Santa Catarina. Para a além dos aspectos semióticos da cena, altamente significativos (o delegado-geral da Polícia Civil ladeado por um milico com look de oficial da SS, cercados por “papagaios de pirata” com braços cruzados, camisetas pretas e mais um milico com traje militar de camuflagem com braço forte cruzado e mangas arregaçadas), o discurso era sobre criar “protocolos” para orientar a ação de professores e alunos em tais situações, além de falar de “tecnologia israelense” de vigilância com reconhecimento facial...
Algo assim como a fala do secretário da Segurança de São Paulo elogiando o “heroísmo” da professora que imobilizou o garoto que esfaqueava a professora. Dá até para imaginar como seriam tais “protocolos”: cursos de segurança pessoal para professores? Treinamento para alunos sobre como se esconder ou fingir de morto ao se ver numa cena de ataque terrorista?
Assim como nos EUA (com rotineiros treinamentos e simulações para professores e alunos nas escolas), em tudo isso há um pressuposto de naturalização ou trivialização desses ataques. “É em todo o mundo, e agora chegou no Brasil” é o que se ouve aqui e ali, de autoridades a “colonistas” do jornalismo corporativo que diz sempre “apurar e investigar”.
Lá nos EUA, por trás da estratégia semiótica de naturalização, está o poderoso lobby da indústria de armas. Mas, e aqui?
Jornalismo corporativo investiga e apura... nada!
Se não, vejamos. Se os “investigativos” jornalistas prestassem a atenção, ambos ataques (São Paulo, Blumenau) foram com armas brancas: faca e machadinha. Ao lado de espadas, bestas, arco e flecha são armas de alto valor simbólico para supremacistas brancos.
Essa é a primeira pista que conduz não para um buraco de coelho, porque tudo parece excessivamente óbvio: após o ataque em São Paulo, rapidamente foi descoberto (menos o jornalismo corporativo). O twitter trouxe, minutos depois, informações sobre a existência de um subgrupo neonazista do qual fazia parte, cujo nome escolhido foi o mesmo do terrorista de Suzano (SP). Ali, o assassino foi encorajado e sugestionado a se vingar da sociedade injusta que o exclui do seu destino que deveria ser especial.
Enquanto no perfil do Facebook do autor da chacina de Blumenau estavam fotos de Bolsonaro com revólver na cintura, associações do ex-presidente com os heróis da série Os Vingadores e uma enigmática mensagem no dia do ataque: “Policial Fábio Matos que comandou o ataque, resistência manda um salve”.
Ou ainda no celular do responsável pelo ataque também em creche (e no mesmo estado, Saudades, Santa Catarina), em 2021, que matou bebês e professora, estavam ligações com grupos neonazistas do Rio de Janeiro.
Cada vez mais grupos neonazistas ampliam suas presenças não só na darkweeb ou deepweb, mas no universo dos gamers e redes sociais (com o consentimento dos algoritmos). Nesses espaços são cada vez mais aceitos socialmente.
O grupo prioritário para esses grupos cooptarem são jovens brancos pertencentes a uma classe média baixa que empobreceu nos últimos anos, subempregados (o assassino de Blumenau era motoqueiro de aplicativos de entregas), ressentidos por acreditarem que a sociedade (manipulada por comunistas, gays, feministas, negros, indígenas apoiados por globalistas) está roubando o lugar que lhes é de direito. O lugar dos brancos héteros.
Por que as escolas são o alvo? Porque para eles seriam a sede da sedição, o núcleo do qual é irradiada a ideologia que os exclui. Sem falar na questão de que estão lá a “raça inferior”, fracos que facilmente aderem às manipulações globalistas. Percepção fortalecida depois de anos do governo Bolsonaro com ministros da educação dizendo que universidades plantavam maconha e fabricavam drogas sintéticas. Enquanto outro ministro da educação disparava armas acidentalmente em guichês de aeroporto...
Exército de zumbis
Em postagem anterior, este Cinegnose em 2019, logo após o massacre em Suzano, apontava para como a guerra híbrida estava criando um verdadeiro exército de zumbis para atuar em dois fronts: tecnologia da informação e redes sociais; e disseminação do medo na sociedade. Para justificar a militarização e policialização dos espaços escolares – clique aqui. Um exército sempre à espera do próximo “apito de cachorro” para entrar em ação, ao estilo de um “candidato manchuriano”.
Isto é, reforçar o imaginário da meganhagem, do embrutecimento psíquico, a predisposição psicológica de massas ideal para apoiar um novo governo de extrema-direita. À espera do fracasso do governo Lula 3 – e o Banco Central independente está muito determinado nessa missão.
Para além da aparência do discurso hipócrita da defesa da democracia, da empatia com os famintos e excluídos, a grande mídia sabe que deve manter o seu ativo em stand by: o que este humilde blogueiro chama de manter ativo o “exército psíquico de reserva”. Afinal, essa lama psíquica foi útil num passado recente, no período de jornalismo de guerra contra os governos do PT, para engrossar o caldo dos verde-amarelos nas ruas do país.
Por isso não quer ligar lé com cré, isto é, a óbvia conexão entre o crescimento de nazistas e neonazistas nas redes e os ataques não só em escolas – também a deliberada violência nas ruas contra a população LGBTQI+ ou o assédio contra as manifestações de movimentos sociais. Como o testemunhado por esse Cinegnose na manifestação contra a reforma do ensino médio na Avenida Paulista: na altura da Fiesp, tal como pop-ups, haterscomeçaram a pular aqui e ali, espumando de ódio contra os estudantes.
Não é por menos que o principal destaque da mídia é dado às ineptas medidas do governo para aumentar o patrulhamento nas escolas – como patrulheiros irão conter um agente furtivo e determinado que, muitas vezes, não está nem aí para a própria vida? Porque se vê como um mártir!
Por isso, covenientemente, o jornalismo corporativo faz uma cobertura “objetiva”, o que não passa de um empirismo propositalmente grosseiro e descontextualizado.
De repente, a grande mídia decide “evitar a fama de assassinos” e “não estimular novos ataques”. Mais uma vez, quer controlar danos: de que ela nada tem a ver com a escalada do extremismo político no país.